terça-feira, outubro 31, 2006

RECONHECIMENTO




Quem sou eu que não me esqueço
do que vejo pela rua;
do que vejo em minha casa;
do que vejo quando salto
e atiro olhos à lua?

Decerto, não ameaço,
nem condeno a cega-rega.
Menos, menos, contrafaço
quem, resoluto, se entrega.

Tenho um sorriso pra tudo.
Uma palavra a-propósito.
Um queixume mal ouvido
que me deixa quase mudo.

Quem me vê, vê-se num espelho
e retrai-se, embaraçado.
Eu sigo, parto, regresso
dentro e fora deste mundo.

Quando recolho a casa,
vindo, apressado, da rua,
julgo então que não me esqueço
e atiro olhos à lua.

Eu cumpro a lei do meu fado,
mas, aos poucos, desfaleço
de tanto salto mal dado,
sem saber que o céu me espera,
sem saber que me não lembro.

Ruy Cinatti, in Corpo e Alma

PORTAL DA INÉRCIA


O Portal do Cidadão é um daqueles sites que foi criado para nos facilitar a vida. Às vezes. E só às vezes.

Quando se trata de certidões, às vezes a coisa complica-se, porque ao que parece os pedidos são centralizados e depois reenviados para as conservatórias, não sendo poucas as vezes em que é preciso insistir junto da conservatória para nos enviar a certidão pedida e paga há um ror de tempo.
Por isso, também há quem nas conservatórias continue a recomendar baixinho aos utentes que o melhor é não pedir pela internet. Demora muito tempo dizem eles. E têm razão.
Eu tenho tido a prova disso. Numa das vezes fui a correr ao Multibanco fazer o pagamento para ter a certeza de que a certidão vinha a tempo e horas. Qual quê! No dia seguinte recebi uma mensagem a pedir-me mais dinheiro. Voltei ao portal, tirei a referência para o pagamento adicional e fui outra vez para o Multibanco. Uma semana depois nem cheiro da certidão. Voltei a insistir. Telefonei para a conservatória. Perguntei o que se passava e fiquei a saber que o funcionário se tinha enganado na conta e que ainda faltava pagar mais € 1,00 e qualquer coisa. Mas como tinha havido engano eu já poderia voltar a pagar no Multibanco. Teria de enviar o dinheiro, "por cheque, vale do correio ou embrulhado num bocado de papel dentro de uma carta" ao cuidado do funcionário! Resultado: uma certidão pedida e paga no mesmo dia, cujo preço incluía os portes de correio azul, demorou quase um mês a chegar!
Esta manhã precisei de pedir mais uma certidão. Desta vez perdi a senha. Culpa minha. Quem me mandou a mim mudar de computador! Tentei recuperá-la através do site. Recebi a mensagem de que me iriam enviar um e-mail. Como uma hora depois ainda não tinha vindo nada efectuei novo registo no site. Não serviu de nada. A activação do novo registo também ficou dependente de um e-mail. Depois telefonei. Primeiro para o geral do Portal, de onde me remetaram para os números 21 391 8452 e 21 391 8454 que eram os indicados. Só que os números chamam, chamam e continuam a chamar, até se desligarem sozinhos ficando eu a ouvir o sinal de impedido.
Vai daí enviei um e-mail a pedir resposta às minhas solicitações anteriores. E como não recebesse resposta, depois, enviei uma reclamação. Estou desesperado! São 15.45 e nada. Nem e-mail, nem certidão, nem resposta, nem uma operadora telefónica que me responda do outro lado da linha.
E fala o engº Sócrates em excelência! Queria vê-lo no meu lugar. Começo a ficar farto desta conversa das novas tecnologias. Uma boa trampa é o que isto é!
Em tempo: Tinha eu acabado de colocar este post quando três minutos depois recebi um e-mail a dizer-me que procederam, finalmente, à activação. Agora já não há nada a fazer. Está dito. Para a próxima que sejam mais lestos.

MAIS UMA PÉROLA ...

... do jornalismo televisivo!

"O caos esteve caótico dentro de Lisboa" (Jornal das 14, Sic Notícias, 31/10/06)

Mas ainda um dia havemos de ordená-lo...

segunda-feira, outubro 30, 2006

PAIS POBRES, FILHOS RICOS

De acordo com o estudo Duracell Toy Survey, referido na revista "Dia D", que acompanhou o Público de 27/10/06, as crianças portuguesas são, conjuntamente com as francesas, as que recebem a semanada mais alta da Europa. Refere-se o estudo a crianças entre os 5 e os 10 anos.
Seria bom que esse estudo fosse alargado aos demais escalões etários, até aos 18 anos, pois que estou certo que os resultados continuariam a ser surpreendentes.
Num país de tesos e semi-tesos com apenas 10 milhões de habitantes, em que o número de desempregados anda próximo dos 500.000, em que a maior parte da população activa ganha o salário mínimo nacional, que por sinal é dos mais baixos da Europa, em que uma grande parte da população está sobreendividada a pagar casas, roupas, carrros e viagens de sonho, e em que até já há gabinetes de apoio aos gastadores compulsivos, não deixa de ser curioso este dado.
Aliás, este dado contribui para explicar o número industrial de shots e de cocktails alcoólicos que são consumidos por jovens imberbes nas noites dos bares e discotecas deste país e o número elevadíssimo de acidentes rodoviários que se segue a tais consumos. Ainda há dias a SIC passava uma reportagem sobre este gravíssimo problema social.
Mas enquanto os papás e as mamãs deste país continuarem a pensar que é melhor mimá-las a educá-las, tratando as crianças como débeis mentais para não as magoar nem ofender, deixando-as berrar e correr pelos restaurantes como se nada fosse com eles, enquanto as pestes incomodam meio mundo, estou certo que continuaremos a ter resultados destes. E também a ver crianças de 3 e 4 anos aos pontapés às mamãs nos supermercados, chamando-lhes nomes irreproduzíveis de cada vez que lhes é negado o direito à aquisição de mais um chupa-chupa, enquanto elas, as mamãs, impávidas e serenas se limitam a dizer sorridentes: "isso não se diz".

O "GANG" DOS ALCAIDES

Informou o Diário de Notícias ("O "gang" dos alcaides", 28/10/06, p. 34) que "239 pessoas foram detidas em Espanha, entre Janeiro de 2005 e Junho de 2006, por delitos ligados ao urbanismo" e que "neste número não se contam os 63 presos (mais de metade ainda o estão) pela operação Malaya, relacionada com a corrupção urbanística em Marbella".

E mais adiante o DN esclarece que foi "o extraordinário desenvolvimento do sector da construção, um dos factores-chave do crescimento da economia espanhola acima de 3% nos últimos dez anos, tem a ver com esta 'febre do cimento', que parece ter contaminado uma boa parte da classe política espanhola ligada à gestão municipal".
O resultado parece ser o que foi dado pela Guarda Civil, que só entre Janeiro de 2005 e Junho de 2006 "denunciou 12.832 construções ilegais em todo o país", sendo rara "a província onde não ocorreu este tipo de escândalo".
Então e por cá? Como vão as coisas? Há delitos na área do urbanismo? Há construção ilegal? Há algum "gang" de autarcas capaz de ombrear com os feitos dos "gang dos alcaides"? Não meus caros, por cá corre tudo sobre rodas.

MERECÍAMOS OUTRA GENTE!


No mesmo dia em que João Vale e Azevedo era condenado a mais 7 anos e meio de prisão, o senhor Luís Filipe Vieira era reeleito para a presidência do Benfica. Até aí tudo bem, não fora dar-se o caso de quarenta e oito horas depois a equipa principal de futebol jogar no "Estádio do Dragão" - o nome não podia ser mais piroso - contra o FC Porto e do dirigente máximo da SAD encarnada ter dado uma triste imagem do clube.
A derrota pode fazer, e faz, parte do jogo, do espectáculo, da competição. A grosseria e a má educação é que não fazem parte de nada. Quem pensava que esta era exclusivo do senhor Pinto da Costa ou do senhor Jardim ficou agora com a certeza de que ela está disseminada e já atingiu o glorioso SLB. Uma coisa é a má preparação dos dirigentes, a dificuldade em digerir a derrota, o não saber aceitar com fair play um resultado negativo e que apenas o foi por culpa própria. Outra coisa é a baixeza, a vilania.
Um clube que teve como presidentes como Borges Coutinho ou Ferreira Queimado não pode ter à frente da SAD um homem como o senhor José Veiga que profere obscenidades a eito e que responde à provocação gratuita que vem da bancada com dedos espetados e com o insulto. Ele poderá ser um óptimo gestor, mas não sabe ser um cavalheiro.
Eu, como desportista, amante do desporto e benfiquista convicto, que nunca trabalhou ou fez negócios com o FC Porto nem com o senhor Pinto da Costa, tenho vergonha do senhor José Veiga e do seu comportamento público.
Pior do que a humilhação da derrota consentida é a falta de nível dos dirigentes que temos. Só gostava que o senhor Vieira me explicasse se a falta de educação do seu amigalhaço Veiga também é parte integrante do seu projecto e da promoção da marca Benfica. É que se for, então o melhor é começar a promover uma marca do tipo "OMO", "Sonasol", "Tide" ou outra qualquer que seja capaz de remover rapidamente as nódoas da catedral.

SENTENÇA COM DEDICATÓRIA



Uma ex-notária pública que colaborou prestimosamente com o senhor Vale e Azevedo, conferindo fé pública a documentos e actos jurídicos que se vem agora a saber terem sido falsificados, foi, depois de acusada pelo Ministério Público, pronunciada e julgada por um tribunal criminal, agora condenada a três anos de prisão, com pena suspensa por cinco anos pela prática, em co-autoria, de um crime de falsificação.

A decisão ainda não transitou em julgado.

Mas para os senhores da Ordem dos Notários, designadamente para o seu bastonário, que têm feito uma indescritível campanha corporativa contra a desformalização de alguns actos notariais de lana caprina, o que os levou a questionar, em termos manifestamente deselegantes e até acintosos, as opções do legislador e o papel e o estatuto dos advogados portugueses, colocando em causa o reconhecimento de assinaturas e a certificação de simples traduções e de meras cópias autenticadas de documentos, a referida condenação e tudo o que aconteceu até agora envolvendo Vale e Azevedo e a referida senhora enquanto notária pública, sublinhe-se o pública, assenta-lhes que nem uma luva.

AINDA A ENTREVISTA DE D. JOSÉ POLICARPO AO DN


Tenho a sensação global de que o Governo da Nação tem feito um esforço para governar.(...) No nosso caso tenho acompanhado com interesse a determinação em governar, em estudar os problemas e em fazer reformas estruturais. (...) tenho visto com simpatia a determinação em governar, em tomar decisões, em não ficar dependente da plateia e do que pode acontecer amanhã em termos de opinião pública.” – Diário de Notícias, 28/10/06.

Sabendo-se a força e a influência que a Igreja tem em Portugal e a alta craveira intelectual do cardeal patriarca de Lisboa, que pensarão disto Ribeiro e Castro, Paulo Portas, Manuel Monteiro e Marques Mendes?

NOTAS SOBRE O ABORTO E O REFERENDO

D.José Policarpo, o cardeal patriarca de Lisboa, deu uma interessante entrevista ao DN, no passado dia 28 de Outubro.

Entre outras coisas, uma mais interessantes do que outras, diz o cardeal patriarca, referindo-se à lei que regula a interrupção voluntária da gravidez que se trata de uma “lei que cria um direito cívico” e que “o aborto não é uma questão religiosa, é de ética fundamental”.

D.José Policarpo é um homem culto e inteligente, mas por mais do que uma vez já teve que vir explicar-se sobre a sua posição e a da Igreja na questão do aborto. Não pretendo agora polemizar sobre essa questão, antes aproveitar as duas frases que transcrevi para aqui deixar a minha posição, já que essas duas breves transcrições aproximam-se daquele que é o meu entendimento sobre o assunto.

Quero, no entanto, deixar claro que ela não se resume só a isso, e que importa esclarecer as coisas com um mínimo de rigor para que depois não subsistam dúvidas.

Sobre o aborto há, na minha modesta opinião, quatro prismas de análise: religioso, político, ético e científico. Todos eles são importantes na posição que cada um assuma, mas só um é decisivo.

De um ponto de vista religioso a questão não tem qualquer interesse. Portugal é um estado soberano e laico, pelo que por muito valor que se lhe queria atribuir numa perspectiva individual, ela é absolutamente irrelevante de um ponto de vista colectivo, o único que neste momento está em causa atenta a conflitualidade social que o aborto gera e tem gerado de há dezenas de anos a esta parte.

A consideração política do problema traz consigo uma reflexão sobre as opções legislativas e a aceitação do referendo como instrumento de consulta popular necessário para sua resolução.

O plano científico é importante para que se perceba a dicotomia embrião/feto e a razão que leva a que seja de dez o número de semanas em causa e não qualquer outro, superior ou inferior.

Sobra a vertente ética e esta é, a meu ver, a única que goza de verdadeira relevância e aquela que deverá pesar no momento da posição que seja tomada.

Por isso mesmo, sabendo nós que temos neste momento uma lei que já permite em determinadas circunstâncias, que me abstenho aqui de desenvolver por pressupor que todos as conhecem, que permitem o aborto em circunstâncias excepcionais, a primeira pergunta que se impõe fazer é se se justifica a alteração legislativa que se pretende fazer?

Um dado importante que foi revelado há algumas semanas atrás indicava que dos abortos efectuados em Badajoz, na Clínica Los Arcos, pelas cerca de 4500 portuguesas que anualmente a demandam, 62% eram mulheres que não tomavam anticoncepcionais e mais de 50% eram mulheres solteiras. Não sei se foi revelada a idade dessas mulheres. Se tal aconteceu não retive esse dado.

Mas para além disso, também julgo que é de admitir que as mulheres que foram abortar a Badajoz tinham condições económicas para o fazerem e que as mulheres que têm sido acusadas da sua prática voluntária em Portugal, na esmagadora maioria dos casos têm problemas sociais e económicos graves e que se não fora estes também iriam a Badajoz fazer o mesmo que as outras 4.500.

Perante estes dados e tudo aquilo que é conhecido, se é que se pode conhecer alguma vez com justeza o que medra na clandestinidade, sou tentado a concluir que o problema do aborto em Portugal é antes de tudo o mais um problema de educação e de responsabilização individual e colectiva. Quando 62% das mulheres que vão à Clínica de Los Arcos não tomam anticoncepcionais nem utilizam quaisquer métodos minimamente eficazes e cientificamente provados de evitarem gravidezes indesejadas, a única coisa que se pode dizer é que existe uma tremenda falta de responsabilidade individual e colectiva e que, provavelmente, essas gravidezes que se transformam em abortos em Badajoz seriam perfeitamente evitáveis com uma política adequada de educação, dentro da família e na escola, e de responsabilização individual e colectiva. Como se vê pela leitura dos dados da Clínica de Los Arcos e dos objectivos que os seus proprietários pretendem com a abertura de uma sucursal em Lisboa, isto é, fazer um negócio dentro da lei, a questão só assume natureza social num segundo momento e em relação a mulheres provenientes de meios economicamente desfavorecidos. Mas que as diferenças de classe e de poder económico criam uma inaceitável desigualdade entre mulheres que têm, em dado momento das suas vidas, o mesmo drama para resolver, não constitui uma especificidade que justifique a alteração legislativa.

O simples direito que algumas mulheres reclamam de poderem dispor do seu próprio corpo, também não me parece que seja argumento fundamental que justifique a mudança do actual quadro legal. Contudo, admito que para algumas mulheres isso possa ser importante e que em determinados contextos extremos queiram que esse direito se sobreponha ao direito do feto ou à vontade do outro progenitor de ver o mesmo desenvolver-se.

Daí que a opção pelo aborto, ou como é politicamente correcto dizer-se, pela interrupção voluntária da gravidez, se assuma antes de tudo o mais como uma questão do foro da consciência de cada um, como uma questão de ética fundamental.

Só que como questão de ética fundamental e como questão de consciência, a questão não é, ou não devia ser, sequer referendável. Neste ponto, o Governo de Guterres errou, da mesma forma que o Governo de Sócrates vai voltar a errar.

Como questão de consciência, o problema do aborto não tem que ser discutido colectivamente. Quando muito interessa aos dois parceiros que contribuíram para a formação do feto. Em última instância, numa perspectiva redutora, egoísta e feminista, interessa apenas à mulher, já que é esta quem no fim terá de tomar a decisão de levar a gravidez até ao fim ou não.

Daí que considere, racionalmente, ser a questão um assunto de pura política legislativa. Era ao Governo legítimo de Portugal que se impunha analisar a actual lei, auscultar a opinião pública e o sentir social sobre essa matéria e decidir se se impunha ou não a necessidade de uma alteração legislativa que permitisse a interrupção voluntária da gravidez até as dez semanas por vontade exclusiva da mulher. Se uma lei não serve, se não resolve um problema, se não presta, deve ser alterada. Nenhum católico, nenhum opositor ao aborto seria obrigado a aceitá-lo e, muito menos, a praticá-lo. Só que tal decisão também só faria sentido depois de se ter levado a cabo, ao longo de um período razoável, uma política de educação sexual e cívica tendente à responsabilização individual e colectiva.

Este entendimento leva-me então a concluir pela desnecessidade do referendo. O referendo com Guterres foi uma forma de desresponsabilização política, um erro grave que redundou na actual situação. Com Sócrates torna-se numa necessidade decorrente do erro de Guterres e do compromisso eleitoral que foi assumido nas últimas eleições legislativas.

O nível de abstenção verificado no primeiro referendo deveria ter sido suficiente para que os partidos políticos portugueses percebessem o erro que havia sido cometido. É que o referendo só deve ser convocado para decidir questões fundamentais da vida colectiva. A falta de participação não foi apenas o resultado de uma postura cívica de desinteresse. Foi, igualmente, o resultado, e esta é a análise que faço, da consideração por parte do eleitorado da pouca importância colectiva do assunto e da estupidez que constituiu referendar uma questão de consciência.

Agora vamos voltar ao mesmo, havendo já quem, do alto da sua sobranceria, tenha vindo dizer que mesmo que a taxa de participação seja inferior a 50%, o Governo poderá sempre vir a legislar sobre essa matéria. Pois pode, mas convém dizê-lo já se o vai fazer ou não. Porque se pretende vir a fazê-lo independentemente do resultado, então para quê participar no referendo? Este é um ponto importante que deverá ser devidamente esclarecido e ponderado antes do referendo. É que a maior ou menor taxa de participação dos cidadãos no referendo que se avizinha poderá vir a depender do conhecimento antecipado e sem equívocos da posição que o primeiro-ministro e o Governo virão a tomar nas diversas hipóteses que se podem vir a colocar: acatar o resultado em quaisquer circunstâncias e qualquer que seja a taxa de participação, só aceitar o resultado se for vinculativo, e se não for vinculativo se vai acabar por legislar sobre a matéria ou se vai deixar tudo como está e remeter o problema para a próxima legislatura.

Posto isto, resta-me dizer que não faço tenções de fazer campanha nem a favor do sim nem a favor do não, porque considero um disparate esse tipo de iniciativa, posto que normalmente só serve para aumentar a confusão e introduzir elementos de irracionalidade numa discussão que se quer racional e séria. Sou pelo esclarecimento e não pela “campanha”.

Também não decidi ainda se irei participar no referendo ou não. Mas se à última hora decidir vir a fazê-lo, em consciência e como católico irei votar pelo “Não”. Mas isso dependerá, em certa medida, daquilo que o Governo e os partidos venham entretanto a dizer até lá sobre o que pretendem fazer depois se o referendo tiver uma participação inferior a 50% e um resultado idêntico ao da última consulta se repetir.

sexta-feira, outubro 27, 2006

BLOGOSFERA E RESPONSABILIDADE


"não devia ser possível abrir um blogue sem o autor ser identificado e tecnicamente confirmado" - Miguel Sousa Tavares, in DN, 27/10/06.
Esta frase de Miguel Sousa Tavares, extraída de um artigo hoje publicado pelo DN, vem, uma vez mais, colocar o dedo na ferida. A abertura indiscriminada de blogues, o acesso totalmente livre e não controlado da rede global, facilita a utilização indevida da blogosfera e constitui um meio para a difusão livre do crime.
O debate já tem muitos anos, quer nos Estados Unidos, quer em Portugal, havendo mesmo quem do lado de lá do Atlântico tenha criado organizações, fundações e grupos de pressão, destinados à defesa da liberdade, dizem eles, na blogosfera.
Desde há vários anos que tenho tido uma posição bem mais conservadora sobre essa matéria e, ainda estava eu a fazer o meu mestrado quando elaborei um trabalho sobre aquilo a que eu chamei então, talvez um pouco pomposamente, a cidadania digital. Dizia eu nessa altura, basicamente, que não existia liberdade sem segurança e que esta era o correlativo daquela num mundo em que há muita gente que desconhece os limites da sua própria liberdade.
Por isso mesmo, defendi que a criação do conceito de cidadania digital poderia, sem coarctar a liberdade de expressão de cada um e o direito à livre opinião, ajudar a disciplinar o uso abusivo da internet, responsabilizando os seus utilizadores. Através desse conceito, adaptado do próprio conceito de cidadania extraído da Ciência Política, enquanto conjunto, enquanto estatuto, de direitos e de obrigações, pretendia eu que cada cidadão tivesse um bilhete de identidade que lhe permitisse navegar na rede global sem medos nem constrangimentos, o que só será possível, diga-se de passagem, em Estados livres.
Todos temos um bilhete de identidade para nos identificarmos perante o Estado, todos necessitamos de um passaporte para viajar, todos temos um número de contribuinte, uma carta de condução, um carro que tem livrete e título de registo de propriedade e até para termos um telemóvel temos de nos registar perante o operador. Por que razão não há-de o meu computador ser objecto de registo? Por que razão não há-de alguém ser responsável se um dado computador ou um blogue é utilizado como instrumento da prática de um crime. Bem sei que existe uma legislação que prevê a punição de crimes informáticos, mas a extraterritorialidade da blogosfera exigiria uma acção concertada dos países interesados no problema. Aliás, não foi por termos múltiplos documentos de identificação ou dos nossos carros terem um registo que alguém colocou em causa a nossa liberdade de expressão ou de deslocação ou nos passámos a considerar menos livres. Mas também por possuirmos esses documentos, falo por mim, sabemos que se a nossa identidade for usurpada, se nos roubarem o carro e o utilizarem como instrumento de um crime, sempre haverá uma maior possibilidade do mesmo ser localizado e dos agentes do crimes encontrados do que se tudo se processasse sem quaisquer registos ou controlo. Confesso que prefiro este tipo de controlo às medidas bushistas ou blairistas que se seguiram ao 11 de Setembro ou aos atentados de Londres.
À medida que prolifera o número de crimes cometidos pela internet, face ao constante aumento de ataques às redes digitais, seja pela disseminação de vírus informáticos ou pela utilização abusiva da blogosfera e de sistemas não controlados de "espiolhagem", vai-se tornando cada vez mais urgente e imperioso o controlo da rede. Diria mesmo que é uma evidência.
Para muitos, isto que agora reafirmo poderá parecer uma blasfémia, uma verdadeira heresia. Mas para mim já hoje constitui uma necessidade fundamental para a preservação do nosso sistema de liberdade e para a manutenção de padrões aceitáveis de segurança.
Por isso mesmo, desde o início deste blogue afirmei que aqui não se publicariam escritos nem opiniões anónimas e que quem aqui escreve assina por baixo e responde pelo que assina.
Hoje a vítima é o Miguel Sousa Tavares. Amanhã será outro qualquer. Os cobardes e os frustrados que preferem o conforto do anonimato ao rigor da assunção de um estatuto de cidadania integral são os mesmos que clamando pela liberdade a plenos pulmões, acabam usando a rede global da internet para lançarem a calúnia, proclamarem a injúria, invadirem a privacidade de terceiros, promoverem o boato, espalharem vírus informáticos e, não raras vezes, para esconderem os seus vícios mais inconfessáveis, a começar pela pedofilia.
Não sei se estas linhas servirão para alguma coisa. Não sei mesmo se alguém perderá o seu precioso tempo a lê-las e parará dois minutos para reflectir. Mas ao menos que sirva para eu expressar a minha solidariedade e o meu apoio ao Miguel Sousa Tavares.
E olhem que eu não sou do Porto, não gosto do Pinto da Costa e chego a ter náuseas quando vejo o FC Porto a jogar.

quinta-feira, outubro 26, 2006

AVESTRUZES NA ENGORDA



Um dos autores do Corta-Fitas escreveu uma carta aberta ao camarada Bernardino Soares sobre a Coreia do Norte, país em que aquele jovem deputado, mas já empedernido líder comunista, se tornou especialista. Alguns dos leitores do referido blogue, acharam por bem defender o rapaz, que deve estar neste momento sentado à secretária, tal qual o burocrata da foto, à espera das reacções às reacções.
Eu bem sei que é difícil defender o indefensável e que nem todos são como o José Saramago, que por mais piruetas que dê acaba sempre por ter toda a razão do mundo, mesmo que só ele a reconheça. Este passou a ser, aliás, um dos direitos conferidos, como bem se sabe, não pela defesa que fez das liberdades enquanto director do Diário de Notícias, mas pelo estatuto que o Nobel lhe emprestou.
Só que há ocasiões em que a omissão da palavra se torna num crime. Eu não sei o que leva o camarada Bernardino e os seus demais camaradas, a defenderem tão intransigentemente o regime totalitário de Pyongyang, cujas virtudes se desconhecem.
Por razões que não vêm agora ao caso, cheguei, em dada altura, a ter de contactar pessoalmente com responsáveis coreanos. Pouco depois, quando já nada o faria supor, dou de caras com um dos meus interlocutores, daqueles que usam fato castanho com um crachá com a bandeirinha vemelha, no luxuoso health club de um hotel de que em tempos fui membro, numa dessas mecas do "capitalismo selvagem" e da exploração das classes trabalhadoras. É claro que quando o dito camarada olhou para um espelho, me viu a olhar para ele, e me reconheceu, de imediato se pôs ao fresco. Certamente temendo que eu, qual bufo, fosse mandar um relatório para os seus patrões a relatar o encontro e ele acabasse num qualquer gulag.
Antes desse episódio, quando há mais de uma dúzia de anos estive em Panmunjong, na linha divisória entre as duas Coreias, pouco antes da visita de Soares a esse local mítico da Guerra Fria, fiquei com a imagem de uma bandeira monumental, permanentemente desfraldada do outro lado da fronteira, e do som intenso da propaganda nos megafones. Retive ainda a permanente tensão na zona de fronteira, até mesmo quando almocei na base americana, pese embora o clima aparentemente descontraído e a bonomia dos que me receberam e me guiaram numa visita à zona desmilitarizada. E não pude, também, deixar de fixar uma pequena história que me contaram, ocorrida aquando da assinatura do armísticio, num dos barraccões azuis da linha divisória. Pouco antes da sua assinatura, os dirigentes da Coreia do Norte resolveram substituir a pequena bandeira que tinham em cima da sua mesa, que era de igual dimensão à dos outros países que ali iriam estar, por uma outra um pouco maior. E de cada vez que as bandeiras eram substituídas pelos funcionários da ONU, creio eu, que preparavam o acto, de maneira a que as todas bandeiras fossem iguais nas respectivas dimensões, o representante de Pyongyang substituía a sua por uma maior. Ainda hoje quem entrar na sala onde se assinou o armísticio reparará que a pequena bandeira da Coreia do Norte que lá está é ligeiramente maior do que as outras. Tenho, aliás, uma fotografia desse local, tirada quando por ali passei.
É claro que isto não tem qualquer relevância no contexto do problema e que estas duas pequenas histórias não passam disso mesmo, de uma pequena memória pessoal. Mas quando vejo a defesa que os "camaradas" do PCP e aqueles jovens barbudos com lenços palestinianos ao pescoço fazem do regime de Pyongyang, a maior parte deles sem nunca ter passado a fronteira, nem para ir a Badajoz comprar caramelos, isso não deixa de ser revelador da teimosia, da megalomania, do desconhecimento das realidades e de uma determinada mentalidade que persiste.

E nem valerá a pena recordar aqui que no dia 1 de Maio de 1986, estando eu na República Popular da China, pude aperceber-me de que esse era ali um dia de trabalho como os outros para os desgraçados que a troco de 1 ou 2 yuans por dia construíam uma auto-estrada. Os panos coloridos idênticos aos que se vêem na Festa do Avante também estavam lá a ladear o estaleiro. Ainda hoje desconfio que ninguém explicou àqueles homens, mal alimentados e semi-nus, que no Ocidente, em tal dia, ninguém trabalhava e que as condições e número de horas de trabalho que lhes eram impostas nunca seriam admitidas no Ocidente nem permitidas pela OIT.
Não estranho, por isso mesmo, que haja quem defenda o regime de Pyongyang e o carácter dinástico da sucessão, da mesma forma que ignoram o que se passa à sua volta e ficam enxofrados com a mais ligeira crítica. Só que essa posição implica também a defesa de uma das ferozes ditaduras de que há memória, da fome, da miséria, da clausura de todo um povo e da sua manutenção num estado pré-medieval.
Pedir um entendimento entre o Ocidente e a Coreia do Norte, exigir a manutenção dos equilíbrios geo-estratégicos na península coreana e o diálogo entre as nações no contexto das Nações Unidas, não chega. É que enquanto o camarada Bernardino e os outros que o defenderam no Corta-Fitas vão engordando a ler o Avante e a descer a Avenida da Liberdade aos berros contra "o governo do Sócrates", os seus amigos vão fazendo ensaios nucleares à socapa e milhões morrem de fome e de doença devido à teimosia e à cegueira dos seus dirigentes. Hiroshima e Nagasaki ficam logo do outro lado. Às vezes convém recordá-lo.

Portugal ficou mais pobre!

O Ponto Final, um respeitável jornal de Macau, revela-nos que faleceu o Andrew Stow, que foi o proprietário da pastelaria Lord Stow, na ilha de Coloane.
O Andrew foi o tipo que lançou a moda dos pastéis de nata em Macau e Hong Kong. Alterou-lhes ligeiramente a receita e adaptou-os ao gosto chinês e inglês. Os do Andrew até nem eram muito ao meu gosto, talvez por demasiado doces. Mas ele vendia-os em barda. Depois dele, o Hyatt, o Afonso, o Bolo de Arroz, o Mandarim e muitos mais locais passaram a vender o célebre pastel. E até ele próprio expandiu o negócio de Coloane para Macau. Vi filas de dezenas de pessoas para comprarem pastéis de nata. Depois, expandiram-se para Hong Kong e Cantão, para Osaka, Filipinas, Tailândia e Coreia do Sul. Ouvir pedir um "Portuguese cake with lots of cinnamon" tornou-se um must na boca de muitos chineses.
O Andrew era inglês e de acordo com os critérios da RTP nunca poderia ser um "Grande Português". Mas a forma como ele encarava a vida e nos promoveu na Ásia a vender pastéis de nata e sumos de laranja, obrigar-nos-ia a incluí-lo na lista da Maria Elisa. O que ele e outros como ele fizeram por nós a milhares de quilómetros de Lisboa, sem subsídios, merecia bem um par de programas da RTP. Isso é que seria serviço público.
Oxalá que lá no sítio onde ele está não lhe faltem pastéis de nata. Eu, que agora ando a cortar neles, já fui comer mais um em sua homenagem. Com muito canela.

AINDA OS GRANDES PORTUGUESES

A RTP1 e a senhora D. Maria Elisa resolveram brindar-nos, uma vez mais, com um debate sobre o concurso “Os Grandes Portugueses”, que estão a promover e sobre o qual já aqui deixei umas linhas.

O facto de se estar a uma semana do termo da votação, levou a jornalista a constituir um painel de comentadores que, no seu entender, iria permitir um debate vivo e interessante, embora não se tivesse percebido muito bem qual seria (foi) o fio condutor do discurso w o que se queria discutir. Se o que se pretendia era o elogio barato à RTP e ao programa, como o prof. Saravai fez, então não valia a pena tanto aparato.

Mas ao invés do que seria de esperar, o que se viu foi um debate desconchavado, pontuado aqui e ali por uma ou outra intervenção mais interessante, não tanto por mérito da jornalista, mas mais por mérito dos participantes. Em suma, ouviu-se um conjunto de opiniões desgarradas, em que todos estão a favor – com a notória excepção de um catedrático de História – e ao mesmo tempo todos são críticos, mas do qual a única coisa que de concreto resultou foi uma dúvida maior que o mundo: como é possível sem critério promover um critério, qualquer que ele seja?

Mas para que a crítica não seja perdida, vou alinhavar aqueles que me parecem ser os pontos mais criticáveis do programa.

1. A primeira vai direitinha para a postura da apresentadora, convencida como está das virtudes inigualáveis do modelo. Afirmar, como todos ouviram em resposta a uma crítica, que o formato veio da BBC não é sinónimo que seja bom nem constitui garantia de qualidade. Maria Elisa pode ter muitos méritos, mas seguramente que entre esses não está o que lhe assegura o direito de querer passar aos portugueses que discordam do programa e do modelo um atestado de pacovice. Ou será que produtos como o “Big Brother” e outros da mesma laia não vieram também de Inglaterra?

2. Fiquei sem perceber qual a razão que levou a juntar no mesmo painel personalidades tão díspares como José Hermano Saraiva e Ricardo Araújo Pereira ou Pedro Pinto e Eduardo Lourenço. Para haver debate é preciso que exista um fundo comum de conhecimentos que permita a troca de ideias e uma argumentação consistente de parte a parte. De outro modo, as intervenções destinadas a suscitar o debate tornam-se monólogos. Se o objectivo era o espectáculo, então a encenação fazia todo o sentido, mas daí não veio grande esclarecimento.

3. Ao mesmo tempo que Maria Elisa pretendia dar um ar sério ao programa, as intervenções da jornalista que se encontrava em Braga deixaram-me absolutamente confundido sobre a natureza do mesmo. Será que essa jornalista sabia o que estava a fazer naquele local e àquela hora? Alguém lhe disse que aquilo não era um programa de humor e que ela não era a Maria Ruef?

4. O resultado da sondagem que foi divulgada sobre o sexo dos votantes, o elevadíssimo nível de participação, por comparação com o que sucedeu em Inglaterra, a participação por escalão etário e a “originalidade” das escolhas, reflecte a infelicidade do programa e do formato. Não sei se algum português minimamente consciente se revê naqueles resultados, mas creio que eles constituem a prova insofismável da ignorância dos participantes.

5. A apresentação de uma lista, por muito completa e abrangente que ela se apresente, acaba sempre por ter um peso inusitado perante um conjunto de pessoas que prima pela má preparação e o desconhecimento, a começar pela própria História de Portugal. Neste aspecto, e para além da gloriosa intervenção do presidente da Associação de Estudantes da Universidade do Minho, que referiu ser importante “sermos irresponsáveis” e “responsáveis” ao mesmo tempo, o que fará dele, sem dúvida, um político brilhante num futuro não muito distante, assinalo a lúcida intervenção daquela jovem estudante de comunicação social que, apesar das dificuldades de expressão que sentiu, questionou a colocação da Rosa Mota ao lado do Rei D.Diniz e a capacidade dos participantes para efectuarem as suas escolhas.

6. Se a ideia não é vincular os participantes no concurso à lista fornecida, então para quê divulgá-la, convidar os telespectadores a votarem e depois dar o espectáculo do aditamento dos nomes que ficaram de fora?

7. Ficámos a saber que por cada telefone fixo poderão ser efectuadas três chamadas para canalizar votos para o programa. E para os sms ou para as chamadas de valor acrescentado há limite? Estranhei que ninguém referisse o problema do custo das chamadas e do negócio que isso representa. Seria bom sabermos qual o custo do programa e quais os lucros obtidos à custa dos participantes em matéria de comunicações e de publicidade. A avaliar pelo número de participantes que já votaram, mais de 400.000, isso representará, grosso modo, um valor de 240.000 euros, partindo do princípio que os votantes se repartem pelas chamadas telefónicas e pelos sms.

8. Estranhei, ainda mais, que nem Fernando Nobre, nem Isabel Alçada, nem Reis Torgal, já que a Joana Amaral Dias é muito nova, se lembrassem de recordar ao diletante do Prof. José Hermano Saraiva que ele foi ministro de Oliveira Salazar e que conviveu alegremente com os gorilas e com as cargas de cavalaria sobre os estudantes universitários. O actual ministro da Justiça, se bem me recordo, foi uma das vítimas dele e chegou a estar preso por causa disso. Mas isto talvez fosse politicamente incorrecto de se recordar naquele momento, com grave dano para as gerações mais novas que desconhecem esses factos e admiram a figura de um sujeito que faz programas pretensamente históricos, por encomenda e sem qualquer rigor (cfr. os programas que ele fez em Macau para a TDM no tempo do general Rocha Vieira e o chorrilho de imprecisões, a demagogia e a propaganda que neles foi incluída).

Continuo a pensar que o programa, mesmo analisando-o sobre uma vertente lúdica, é um perfeito disparate. A demagogia casa bastante bem com a ignorância, mas não se coaduna com o rigor, com a seriedade e com o respeito que os Grandes Portugueses, e são muitos, merecem.

E quanto a critérios, seja em matéria de formatos televisivos, na discussão de questões históricas ou, ainda, na escolha de um grande português, só existe um. É o que combina o bom senso com a decência.

INSÓLITO: NOTÁRIO PEDE DESCULPAS

"2006/10/20
PEDIDO DE DESCULPAS
Caros visitantes do blog, venho por este meio pedir desculpa a todos por não ter tido tempo de apagar alguns comentários de baixo nível deixados nas caixas de comentários, amanhã irei realizar a limpeza.
Mais uma vez venho pedir a todos contenção verbal, devemos ter consciência que as nossas palavras podem provocar prejuízos irreparáveis, não apenas às pessoas visadas, mas também ao notariado!
Porquanto, no futuro, comentem, livremente, tudo o que vos apetecer, mas façam-no com sentido de responsabilidade, não serei eu a censurar ninguém, excepto aqueles que caluniarem terceiros, especialmente, sob a capa do anonimato, porém, também vos digo que estou cada vez mais fico desiludido com o comportamento de alguns colegas que neste espaço dão uma imagem distorcida dos notários portugueses, pois estes são na generalidade pessoas equilibradas e bem formadas.
Espero que durante este fim de semana, pensem pelo menos 5 minutos nisto e a que partir de segunda-feira, seja possível recuperar o espírito dos primeiros tempos, em que aqui eram discutidos temas relevantes para o futuro do nosso país, de uma forma aguerrida mas sempre bem educada.
Jorge Silva "
Este post, inserido no blogue dos notários privados, vale mais do que mil palavras. E faz mais pelo governo do engº Sócrates do que todas as campanhas que se têm visto nesta área contra ele e o seu ministro da Justiça. E depois admirem-se da desconfiança dos cidadãos.

quarta-feira, outubro 25, 2006

Recordar Eluard









"Mon amour pour avoir figuré mes désirs
Mis tes lèvres au ciel de tes mots comme un astre
Tes baisers dans la nuit vivante
Et le sillage de tes bras autour de moi
Comme une flamme en signe de conquête
Mes rêves sont au monde
Clairs et perpétuels.

Et quand tu n'es pas lá
Je rêve que je dors je rêve que je rêve."


Como escreveu Andrè Pieyre de Mandiargues, Eluard era "un petit juste, comme une goutte d'eau dans la mer, mais ouverte et offerte au lumineux feu qui la frappe ainsi que toutes ses pareilles, voilá ce qu'il croyait être, simplement." (in "Capital de la douleur suivi de l'amour la poésie", Gallimard, 1966)

A PROPÓSITO DAS CONTAS DOS PARTIDOS

O acórdão do Tribunal Constitucional que aponta múltiplas irregularidades e umas quantas verdadeiras ilegalidades às contas dos partidos, respeitantes à última campanha eleitoral para as legislativas, são o espelho fiel deste país, da falta de seriedade dos nossos legisladores, da total ausência de respeito pelos eleitores e da forma displicente como se continua a encarar a vida política e as obrigações que dela decorrem.
Vir agora dizer, como eu ouvi ao comunista Octávio Teixeira, que a lei é inexequível, que o crivo é demasiado apertado, ou, como outros disseram, que os partidos, como o CDS, não tinham estruturas para a fazer cumprir, é no mínimo, um atestado de incompetência emitido em causa própria. Recorde-se que a lei foi aprovada por unanimidade na Assembleia da República pelos partidos que a não cumpriram.
Ao mesmo tempo que um homem sério, simples, ponderado e trabalhador, concorde-se ou não com ele, como o ministro das Finanças, procura conferir justeza, equilíbrio e seriedade à actuação dos poderes públicos em matéria fiscal, moralizando a selva que se instalou, logo os partidos políticos portugueses vêm dar tão triste exemplo.
E como se não fora já demasiado grave e criticável o não cumprimento generalizado da lei, ainda vêm apresentar desculpas de mau pagador.
Recordo aqui uma passagem dessa obra magistral de Daniel Innerarity, que é "A transformação da política", editada em Portugal pela Teorema:
"O que vai contra a política não é a imoralidade, mas a má política. Ainda há, porém, quem pense que a ética política se esgota em impedir a deliquência dos políticos. Aquilo a que chamamos corrupção é apenas um género de delitos exercidos por uma personagem pública: o facto de os não cometer não garante que ele esteja à altura moral de uma verdadeira cultura política. A actual perda de credibilidade dos políticos corresponde menos à corrupção que atenta contra as regras da moral que à vetustez dos usos políticos em cenários que são determinados por tarefas históricas novas. O problema não é a carência de virtudes mas o saber escasso, a pobreza da iniciativa e da imaginação, a indecisão e a rotina, a falta de consciência das novas responsabilidades que as mudanças sociais e políticas trazem consigo".
Eu só acrescentaria mais uma coisa - por muito que o Pacheco Pereira discorde deste tipo de crítica aos políticos: a confrangedora indigência ética e moral desta gente.

TIROS PARA DENTRO



O inenarrável presidente da Federação Portuguesa de Futebol disse ontem, referindo-se à recente troca de galhardetes entre os presidentes do Benfica e do FC Porto, que é tempo dos dirigentes do futebol "deixarem de dar tiros para dentro".

Eu por acaso não sou da mesma opinião. E até penso mais: penso que eles dão demasiados tiros para fora e falham sempre o alvo. A começar pelo senhor Madaíl.

É que se todos eles começassem a "dar tiros para dentro", nomeadamente o próprio Gilberto Madaíl, que deveria ser o primeiro a dar o exemplo, sempre seríamos poupados a um montão de asneiras.

segunda-feira, outubro 23, 2006

ESTÃO A MATAR A MAGIA DO FUTEBOL

"NEGATIVO: ARBITRAGEM DE CARLOS XISTRA O chorrilho de asneiras de Carlos Xistra e seus assistentes foi de tal ordem que conseguiu estragar o jogo. O Benfica foi o principal prejudicado, tendo ficado duas grandes penalidades por assinalar por faltas sobre Nuno Gomes (22) e Miccoli (72’). E pelo menos dois foras-de-jogo mal assinalados a Miccoli (8’ e 67’) cortaram lances de golo. Xistra acabou de cabeça perdida, a exibir cartões a torto e a direito. Uma lástima." - Correio da Manhã

"Numa noite de equívocos para o juiz de Castelo Branco (esteve mal nos capítulos técnico e disciplinar, mostrando 15 cartões amarelos e três vermelhos), Miccoli foi expulso depois de Rui Duarte o ter agarrado de forma persistente. Carlos Xistra terá visto a reacção de punhos fechados do transalpino à falta sofrida e expulsou-o. Minutos mais tarde, mandou Rui Duarte mais cedo para os balneários após uma falta cometida por Jordão! " - Diário de Notícias

"Simão marcou de grande penalidade e descansou as hostes. Todavia, foi, a partir daqui, que Carlos Xistra estragou, por completo, o espectáculo. A mostrar amarelos por tudo e por nada, o saldo foram 16 amarelos e três vermelhos numa partida que nada teve de violenta. Nem sequer agressiva. A expulsão de Miccoli foi ridícula. No primeiro amarelo, o futebolista nem sequer estava em fora de jogo quando passou a bola a um colega. No segundo, abriu os braços quando estava a ser agarrado por um adversário. Resultado não actua no Estádio do Dragão. " - Jornal de Notícias

"Após o intervalo tudo se precipitou: a vitória do Benfica, inquestionável, e a arbitragem de Carlos Xistra, a descambar para um festival de erros, dos quais o Benfica só tem a lamentar-se, tantos foram os que se verificaram contra si. O segundo golo, de Simão, na transformação de um penalty claríssimo, abriu as portas a um Benfica que dinamizou o ataque e materializou um futebol criativo, rápido, mas oportunidades soberanas para aumentar a vantagem acabaram anuladas por decisões inexplicáveis de Xistra e os seus auxiliares. Foi assim quando Nuno Gomes se isolava (59) e viu o lance anulado por pretenso fora-de-jogo; foi mais descarado ainda o desacerto na arbitragem quando Miccoli (67), sem ninguém pela frente a não ser o guarda-redes viu a jogada interrompida, outra vez por fora-de-jogo inexistente. Como se não bastasse, o atacante italiano levou cartão amarelo. Duas oportunidade para o Benfica dilatar a vantagem, que não passaram disso mesmo. Depois veio o desacerto total de Carlos Xistra: Rui Duarte faz falta sobre Miccoli, vê o amarelo, mas, surpreendemtente, Miccoli também vê a cartolina e é expulso. Ou seja, Miccoli sai prematuramente do campo sem ter feito uma única falta para ver qualquer cartão". - in A Bola.

"A expulsão de Miccoli - viu o primeiro cartão amarelo num lance em que não estava fora-de-jogo; o segundo depois de ter sofrido uma falta dura - acabou mesmo por ser a cereja em cima de um bolo de disparates, que prejudicou ambas as equipas e que coloca o avançado italiano de fora do encontro da próxima no... Estádio do Dragão. " - O JOGO

Que me desculpem os meus amigos, mas perante isto não vale a pena fazer quaisquer outros comentários.

sexta-feira, outubro 20, 2006

DOMINGO, À HORA DO COSTUME!

O Manel já lá não está, mas o balneário é o mesmo.

O SERVIÇO EXPRESSO DA DECO














A DECO, uma associação que é suposto defender os consumidores, agora deu em inundar-me regularmente a caixa do correio com a sua propaganda, embora lá esteja um aviso apedir para não me meterem publicidade.

É claro que não se trata de publicidade igual à do Lidl, do Jumbo ou do Continente. Estes ainda não obtiveram o meu nome nem a minha morada. Mas a DECO obteve. E eu que até sou daqueles que quando me pedem os dados em qualquer lado ponho logo a cruzinha a dizer que não autorizo o fornecimento dos meus dados a terceiros nem quero receber ofertas promocionais das empresas do grupo.

Ainda por cima as coisas lá para casa vêm sempre a dobrar.

Que a DECO precise de se promover e de aumentar o número de associados é uma coisa. Que nos queira impingir as suas revistas é outra coisa. E que agora também contribua para nos atulhar a caixa do correio ainda outra.

Além do mais, nunca gostei do estilo "Selecções do Readers" que a DECO agora cultiva: "Abra rapidamente, Exmº Sr. Correia para descobrir como receber o seu leitor de mp 3". Mas quem é que lhes disse que eu estou interessado em receber um leitor de Mp3? Ou um original despertador com projecção da hora? E passar a andar com "dezenas de canções no meu bolso"? Ou receber cheques-brinde de desconto? Para começarem a gastar o que gastam em publicidade, ofertas, papel e tintas, que no fim só serve para ir para o lixo, isso só pode significar que estão ricos à custa do consumidor.

Pior do que isso: das poucas vezes que tentei contactar essa prestimosa associação para expor situações do seu interesse e dos seus associados, e não exclusivamente do meu, fui invariavelmente atendido por um gravador de chamadas que me dava música, ao estilo Portugal Telecom. E da única vez que conseguiu falar com alguém veio uma senhora dizer-me que eu tinha que me fazer sócio para apresentar qualquer queixa ou sugestão. É claro que fiquei elucidado.

Não sei quem lhes deu o meu nome. Acho um abuso que agora me enviem correspondência, mas desde já agradeço que não voltem a contactar-me.

NÃO HÁ COINCIDÊNCIAS


Confesso que, ontem, fiquei estupefacto com as reportagens que vi sobre a futura "Clínica Dois Arcos", que a conhecida casa de Badajoz pretende abrir no centro de Lisboa para a realização de abortos com todo o profissionalismo.
Desde logo, porque estranhei a coincidência das reportagens, na SIC Notícias e, se não estou em erro, na RTP 1, no mesmo dia em que no Parlamento se ia votar o referendo à interrupção voluntária da gravidez.
Depois, porque o ar de confiança e perfeitamente empresarial da senhora Yolanda Hernandez, que publicitou descaradamente os méritos da sua clínica, são pouco compatíveis com a seriedade com que a questão deverá ser tratada.
Em terceiro lugar, porque considerei tais reportagens e a entrevista com a dita senhora, como uma pressão manifestamente ilegítima sobre os portugueses, num momento tão crucial e decisivo. Se este tipo de estratégia vai fazer parte da campanha a favor do sim à IVG, então a coisa começa muito mal. Depois da forma atabalhoada como o PS conduziu o assunto no parlamento e das asneiras que sobre essa matéria têm sido feitas e ditas, só faltava mesmo o toque empresarial.
Se querem que isso seja tratado como uma matéria económica então é dizê-lo. Nesse caso poder-se-á então falar de alteração da moldura penal e de liberalização, nesta última hipótese com o mesmo sentido com que se fala da liberalização das telecomunicações ou da rede eléctrica.
As televisões, sejam elas públicas ou privadas, podem apelar à participação dos portugueses no referendo. Podem e devem contribuir para o debate, para o esclarecimento. Não podem é constituir-se em parte interessada no referendo e promover a publicitação de actos puramente comerciais que nada têm a ver com a essência do problema. Não é a mesma coisa fazer uma reportagem sobre o aborto ou sobre a operação da Lili Caneças na Corporación Dermoestetica.
Se querem que vos diga, as reportagens meteram-me nojo. E eu que não ia fazer campanha até já estou a pensar seriamente em vir a fazê-la.
Mas sobre isso e a minha posição relativamente ao aborto reservo-me para mais tarde. Até lá espero que haja decoro e um mínimo de bom senso.

quarta-feira, outubro 18, 2006

INSTITUIÇÕES QUE FUNCIONAM


O ministro Alberto Costa foi confrontado com a pergunta de um repórter, não me perguntem qual, sobre o chumbo do Conselho Superior do Ministério Público à escolha pelo novo PGR do seu vice.
Em resposta ao que lhe foi perguntado, o ministro achou por bem escusar-se a emitir qualquer opinião ou a fazer interpretações à posição tomada pelo CSMP, manifestando antes a sua confiança no funcionamento das instituições.
Eu sei que só fica bem ao senhor ministro da Justiça manifestar a sua confiança nas instituições, em especial em relação àquelas que estão na sua área, como o CSMP, e com as quais tem de manter as melhores relações, digo eu, institucionais.
Já não sei é se esse raciocínio fará muito sentido em relação a órgãos institucionais, como o CSMP, que podem constituir uma verdadeira força de bloqueio à actuação do novo PGR.
O melhor é mesmo esperar pelos próximos desenvolvimentos para termos a certeza de que o ministro tem razão. E que são as instituições, e não as corporações, que estão a funcionar.

UM PAÍS DE AGENTES CULTURAIS!

Estava eu muito quietinho a almoçar, quando vi aparecer na pantalha da minha televisão um senhor, por detrás de um gradeamento, num local que dizem ser o Teatro Rivoli, a afirmar que era um "agente cultural" e que ele e mais uns quantos "agentes culturais" estavam à espera que a senhora ministra da Cultura desse uma mãozinha na resolução do problema em curso. O problema em curso é, ao que parece, a obtenção de uma garantia de que aquele espaço, depois de ser entregue pela Câmara Municipal do Porto à gestão privada, continuará a servir o interesse público.
Veio depois a dita ministra dizer que o assunto não era com ela e que nas atribuições do seu ministério não se inseria a gestão desse espaço. Manifestou, no entanto, disponibilidade para conversar com quem estava do outro lado das grades se as abrissem e fossem à sua vida.
Tenho dúvidas que os "agentes culturais" do Rivoli dêem ouvidos à ministra. A senhora é do Porto e costuma-se dizer que "em casa de ferreiro, espeto de pau".
É claro que ao fim destes dias todos a ouvir falar no Rivoli, a ver os tais "agentes culturais" e umas madames de beata na mão a darem entrevistas do outro lado das grades, todos muito preocupados com o interesse público, já me começo a sentir também um verdadeiro "agente cultural".
Eu admiro esta gente que consegue estar desde domingo enfiada no Rivoli. Queixam-se do frio, da comida, do senhor Rui Rio...
Só não ouvi nenhum deles queixar-se da falta do banho.
P.S. Se alguém me souber dizer o que é preciso fazer para se ser um "agente cultural" agradeço. Pode ser que esteja também interessado. Mas aviso já que eu não passo sem o banho.

POIS, A CULPA É SEMPRE DO OUTRO!



Revela a SIC on line, e repetem as rádios, que "O secretário de Estado Adjunto da Indústria e da Inovação, António Castro Guerra, declarou que "a culpa" do aumento de 15,7 por cento da electricidade para os consumidores domésticos em 2007 é do próprio consumidor, porque esteve vários anos a pagar menos do que devia".

Eu não sei quem é o infeliz que diz uma boutade destas numa altura como aquela que atravessamos, com o orçamento no parlamento à espera de ser discutido e em que se pede aos portugueses, uma vez mais, para apertarem o cinto e colaborarem no esforço de contenção do governo.

Sei é que um tipo que diz uma besteira destas devia ser imediatamente posto a andar, já que revela despropósito, falta de senso, impreparação para o exercício de funções políticas de responsabilidade e a mais absoluta insensibilidade.
Só é pena que quando o disse, o fulano não tenha também pensado que, em rigor, também são os consumidores os responsáveis pelo facto de ele exercer funções de secretário de Estado. É que se não fossem os imbecis dos consumidores, nunca o PS teria ganho eleições nem o engenheiro Sócrates chegaria a primeiro-ministro.
P.S. Não tem nada a ver com isto, mas aproveito para agradecer as simpáticas palavras que alguns parceiros da Blogosfera me têm dirigido. Em especial, ao Paulo Gorjão (Bloguítica), ao Rui Castro (Incontinentes Verbais) e ao meu velho amigo Pedro Correia (Corta Fitas), que já não vejo há uns anos mas que demonstra continuar informado e em grande forma.

terça-feira, outubro 17, 2006

FORÇA BENFICA!


Hoje é dia de "São Benfica".

Em Glasgow, em Vancouver, em Macau, em Lisboa, no Porto, em Luanda ou em Moscovo, há todo um mundo que fala português, que se revê na simplicidade e na magia do pequeno bombardeiro e torce pela papoilas saltitantes.
Força Benfica! Força Benfica! Força Benfica!

DIÁLOGO DE SURDOS



Se dúvidas houvesse sobre as limitações e os constrangimentos do poder autárquico em Portugal, elas ficaram dissipadas no último Prós e Contras (RTP1, 16/10/06).

Se a Associação Nacional de Municípios Portugueses e o conjunto dos autarcas se revêem nas intervenções de Fernando Ruas e Ribau Esteves, então estas tiveram o indiscutível mérito de revelar, para além da demagogia óbvia do respectivo discurso, que a grande maioria dos autarcas tem uma concepção errada da natureza e extensão dos poderes que lhes estão atribuídos. Este défice torna-se mais evidente quando se vê que aqueles responsáveis da ANMP demonstram uma tremenda incapacidade para compreender os discursos de António Costa e Saldanha Sanches.

Não é o facto de serem excelentes pessoas, empenhadas, conhecedoras das suas regiões e militantes das estruturas locais dos partidos, que os habilita e autoriza a falarem, à boca cheia, em nome das suas populações quando se trata de confrontar as mais do que discutíveis opções autárquicas com uma política global para as autarquias, vertida numa lei que pretende ser um modelo de rigor, de transparência e um factor acrescido de coesão nacional.

Foi confrangedor ver a forma como Fernando Ruas pretendia atacar Saldanha Sanches e António Costa, depois de todos termos visto que aquele não percebeu, ou fez que não percebeu, embora eu me incline mais para a primeira hipótese, as claríssimas intervenções dos seus oponentes e a justeza dos argumentos carreados para o debate. Incapaz de falar a mesma linguagem, a ANMP refugia-se no discurso fácil, redondo, enganador, desprovido de factos e de soluções.

Os autarcas insistem em falar uma linguagem exclusiva, virada para dentro e para o seu próprio umbigo, diferente daquela que o país fala e os portugueses compreendem, convencidos como estão que foram ungidos com o exclusivo da defesa das "suas populações". Pena foi, e isso era importante que tivesse sido esclarecido, que não se ficasse a saber por que razão algumas das Câmaras mais ricas do país apresentam endividamentos astronómicos não se vendo nessas terras obra que se veja. Faro é uma dessas evidências e um dos casos mais gritantes. Bem sei que em matéria de Direito das Sucessões os herdeiros só aceitam as heranças que querem, e podem fazê-lo a benefício de inventário, coisa que não se passa quando se assume a direcção de um município. Mas este é um dos ónus da actividade política e a contrapartida do poder que exercem e das responsabilidades que é suposto assumirem.

E quando Ribau Esteves vem falar nos custos das Scut's apenas está a disparar contra si e os seus associados, dando de bandeja toda a razão ao Governo. Porque se o custo das Scut´s pode servir de moeda de troca ou de justificação para tentarem exigir mais dinheiro da Administração Central e menos responsabilidades - aquela de quererem a tutela do Tribunal de Contas a toda a hora dentro das autarquias a fiscalizar os disparates que fazem foi de antologia -, então o melhor talvez seja começar por aí e, nessa altura, eu quero ver se os autarcas do Algarve vão aceitar a renovação do piso e a melhoria das condições de circulação da A22 contra o pagamento de portagens (ainda que diferenciadas para residentes e não residentes) que façam face aos custos de manutenção desta via estruturante do Algarve.

A democracia é uma operação aritmética mais complexa do que aquilo que imaginam a maioria dos nossos autarcas, não se esgotando na preparação de campanhas eleitorais ou na distribuição a eito de almoços, jantares, convites para o teatro ou para a bola, empregos para os amigos, contratos para os empreiteiros da região e outras benesses avulsas.

E por esse motivo é que enquanto muitos dos nossos autarcas persistirem em querer confundir a legitimidade autárquica com a que vem de eleições nacionais, misturando alhos com bugalhos para melhor confundirem os eleitores e esconderem a sua impreparação, eles e os dirigentes da ANMP continuarão a dar trunfos a todos os que os criticam. Ou eu me engano muito ou muitos deles vão acabar a falar sozinhos.

segunda-feira, outubro 16, 2006

ALMEIDA SANTOS E AS QUASE MEMÓRIAS


A CASA DAS LETRAS continua a publicar bons livros. Recentemente editou "Maquiavel em Democracia" de Edouard Balladur e as "Quase Memórias - Do Colonialismo e da Descolonização" de António Almeida Santos.
Este último constitui um notável documento, pese embora o seu aparecimento tardio e num momento em que muitos dos actores referidos já nos deixaram, sobre uma série de factos e de circunstâncias que rodearam os últimos anos do regime deposto em 25 de Abril de 1974 e os conturbados anos que precederam a aprovação da Constituição de 76, quer em Portugal quer nas ex-colónias.
Seria deveras interessante saber o que pensam, do que escreveu Almeida Santos, aqueles que ainda estão vivos, designadamente todos os que foram seus colegas de Governo, ou os que em Moçambique e Angola acompanharam muitos dos acontecimentos relatados. Spínola já não poderá defender-se, mas outros haverá que, sendo visados, ainda o poderão fazer e defender a sua honra.
Sem isso será impossível fazer com seriedade o tão necessário debate. E a verdade que, como ele enfaticamente diz, lhe pertence, continuará a ser dele em vez de a todos pertencer. Era natural que Almeida Santos, mais cedo ou mais tarde, se quisesse defender de alguns dos excessos que lhe foram imputados, ao longo dos anos, por tudo o que de mau ocorreu durante o processo de descolonização, em especial por muitos dos ex-residentes ultramarinos. Todos esperavam que ele já o tivesse feito há mais tempo. Mas mais vale tarde do que nunca.
Importante é que o debate se faça com factos, já que de factos se trata e é com factos que a História se faz. E não com o chorrilho de insultos e a destemperança por parte de quem nada sabendo tudo sabe de cada vez que se fala em descolonização.

P.S. Para quando um "Prós e Contras" sobre a descolonização? Talvez seja altura de começar a pensar nisso.

PERGUNTAS INOCENTES




1. Há alguma razão especial para que a Câmara Municipal de Sintra publique os seus anúncios no Sol? Essa decisão foi objecto de deliberação camarária?

2. Por que razão a partir da página 28 do caderno principal o Sol inicia uma série de páginas dedicadas ao "mundo real"? Até aí era só imaginação?

3. A publicação de anúncios do tipo "ESPANHA tratamos da constituição de empresas tlm 91 6024031" (p. 13 do Sol, edição de 14/10/06) constitui, ou não, uma forma de promoção ilícita de actividades reservadas por lei aos advogados e solicitadores?

E ELE VAI RECEBÊ-LO?


O Sol, semanário que não perde a oportunidade de nos dar a conhecer os grandes do país em que vive o arquitecto Saraiva, brindou-nos (edição de 14/10/06, p. 14) com uma reportagem/entrevista com Hermínio Loureiro, o todo-poderoso deputado do PSD e presidente da Liga de Clubes. Diz esta sumidade, que aos 41 anos ainda não teve tempo para acabar o curso, que pediu uma audiência ao Procurador Geral da República. Parece que o sujeito quer ir falar com o conselheiro Pinto Monteiro da corrupção no desporto.
Eu já me tinha apercebido, por aquilo que vi dele enquanto deputado, como secretário de Estado em dois governos do PSD e pela entrevista que, recentemente, na qualidade de presidente da Liga de Clubes, deu nas escadarias de São Bento, que o homem não sabe o que é a noção do ridículo.
Agora, espero apenas que o conselheiro Pinto Monteiro tenha o bom senso de não perder tempo com protagonismos e dedique o seu tempo a coisas sérias (a começar pela tal "Bwin" ou ex-"Betandwin").

VINAGRETE MISTÉRIO


Quem será o ilustre articulista que assinou a coluna "Vinagrete", que tem por título "A Salomé de Portas", na página 47, da edição do Sol do passado sábado (14/10/06), com as iniciais "P.B.". É que da ficha técnica do jornal (p. 68) não consta ninguém com essas iniciais.

A GENTE VAI TOMANDO NOTA



Depois de Manuela Ferreira Leite, de Eduardo Catroga, de Luís Nobre Guedes, de Luís Delgado, e de tantos mais que agora não recordo, veio o incansável prof. Marcelo dizer que o Governo Sócrates fez, em matéria de Segurança Social, o que os últimos governos não fizeram: "Reforma importante dos últimos anos da democracia portuguesa" (RTP 1, 15/10/06). Imagino a cara de Marques Mendes, de Bagão Félix e de Luís Pais Antunes a ouvirem semelhante coisa da boca de um prestigiado militante do PSD e ex-líder do partido. Pelo andar da carruagem ainda acabam todos a pregar para os peixinhos.

sexta-feira, outubro 13, 2006

Manuel Laranjeira



"E não me assusta a morte! Só me assusta
ter tido tanta fé na vida injusta ...
e não saber sequer pra que a vivi!"
Para que não me venham perguntar outra vez quem era o Laranjeira, de quem eu não sou particular amante, mas cuja escrita muito me impressionou quando o conheci, aqui fica, com a devida vénia, graças à Universal (www.universal.pt)

Laranjeira, Manuel(1877 - 1912)
"Poeta, dramaturgo e articulista português, médico de profissão, natural de Vergada, Vila da Feira. Amigo e correspondente de Miguel de Unamuno, relacionou-se com alguns dos maiores vultos da cultura portuguesa do princípio do século XX: Amadeo de Souza Cardoso, António Carneiro, António Patrício. Viveu uma existência solitária e dramática, de que a sua poesia e as suas cartas são o reflexo. Sabendo-se consumido por uma sífilis congénita, suicidou-se aos trinta e cinco anos de idade. É autor de um livro de poemas, Comigo – Versos dum Solitário (1912), que, apesar da simplicidade métrica – constituído quase só por hendecassílabos e redondilhas –, do vocabulário incaracterístico e do ritmo pouco musical, vale sobretudo como documento da sensibilidade torturada e complexa de um homem angustiado em busca do sentido da vida. Publicou, ainda, o ensaio A Cartilha Maternal e a Fisiologia (1909).
O melhor da sua erudição e do seu espírito crítico encontra-se nas Cartas (1943, prefaciadas por Unamuno), publicadas postumamente. Publicou também o prólogo dramático Amanhã (1902) e do seu espólio fazem ainda parte três peças de teatro conservadas inéditas: As Feras, Naquele Engano de Alma, e Almas Românticas, esta última inacabada. Postumamente foram também publicados o Diário Íntimo (1957), as Prosas Perdidas (1958) e os Poemas Dispersos (1997). Nos artigos que escreveu para o jornal O Norte (1907-1908), compilados em volume, em 1955, fez uma análise, extremamente lúcida, do que era o «pessimismo nacional», afirmando que o atraso português tinha como causa o fosso existente entre os intelectuais e a restante população."

OS GRANDES PORTUGUESES? NÃO, MAIS UMA GRANDE CHULICE!


Começo a achar verdadeiramente abomináveis estes pseudo-concursos e sondagens com votações via sms ou pelo telefone em que os promotores, além de se utilizarem da ignorância, falta de senso e atraso cultural de quase dez milhões de portugueses, ainda por cima lhes cobram o valor da sua participação a preços de agiota. Eu recuso-me a participar neste tipo de operações, agora muito na moda e a que a televisão pública, mas cada vez mais púbica, se associa com regularidade. A moda pegou e pelos vistos é como rezava aquele anúncio: veio para ficar.
Se um sms custa entre 8 a 12 cêntimos numa rede móvel normal, por que raio é que a participação num concurso há-de ser taxada a 50 cêntimos? Então e uma chamada taxada a 60 cêntimos mais IVA? Reparem no pormenor: os sms vêm com IVA, as chamadas ainda têm o IVA por cima dos sessenta cêntimos, ficando pela módica quantia de setenta e dois cêntimos, ou seja, mais de 140 paus!
Depois do "roubo" do 118 e congéneres (12118 e 1820), em que um tipo paga couro e cabelo por uma mísera informação que devia ser gratuita e que muitas vezes se é obrigado a obter através desses malfadados números porque os serviços se esqueceram de inserir o assinante na lista telefónica, passando pela choldra que foram as chamadas de valor acrescentado em que muitos pobres de espírito e muitos pais quase se arruinaram com contas de milhares de euros, sem esquecer os bilhetes para o futebol e as camisolas desportivas que são oferecidas a cada 300 chamadas (uma camisola custa em média 60 euros), e os toques polifónicos e as imagens porno que levam os miúdos a gastar todo o crédito dos telemóveis, agora vem a televisão pública chular o zé povinho para poder pagar os chorudos ordenados da Maria Elisa (é boa jornalista, sublinho), da Alberta e de mais uma catrefa de gente.
E ainda por cima vêm chular o povinho com um concurso em que até se esqueceram de incluir o Manuel Laranjeira, figura incontornável no pensamento de Unamuno.
Pois fiquem a saber que comigo não contam para estes progamas "culturais" que só servem para sacar mais uns cobres aos incautos e manter o povo nas trevas da ignorância.
P.S. Ouvi agora que qualquer português pode ser escolhido e que é tudo uma questão de votos. Este facto só vem dar razão ao post anterior. A menção aos votos confirma as hipóteses do presidente do Gil Vicente vir a ser o escohido. Basta que se predisponha a gastar no envio de sms e na realização de chamadas telefónicas o mesmo que gastou no clube nos últimos anos.

AFINAL A ANACOM EXISTE!



O Diário de Notícias e o Diário Económico, pelo menos estes que ainda não li os restantes, dão-nos conta da decisão da ANACOM (Autoridade Nacional de Comunicações) de, finalmente, definir parâmetros de qualidade para as empresas que prestam serviço de internet.
Eu confesso que já não vejo o dia em que vou deixar deixar de receber mensagens de erro da Telepac, de ficar horas a fio à espera numa linha telefónica ou de, ao fim de mais de cinquenta minutos, em que estou a pagar pela reclamação e pela avaria, ser remetido para uma empresa associada que se predispõe a resolver o problema no meu computador quando o problema não era do meu computador mas da rede.
Quem fala da Telepac também pode falar da Vodafone para a qual, em matéria de carregamentos, os dias não têm 24 horas e os meses em vez de 30 dias têm 29 dias e algumas horas, ou da TVcabo, essa inqualificável entidade quando chega a hora de reclamar pelo mau serviço ou pela facturação abusiva.
Esta é uma questão fundamental para a tão apregoada desmaterialização dos actos na Justiça ou para que as pessoas possam fazer tudo através da net. Enquanto o sistema não for definitivamente fiável, justo e transparente, não haverá revolução tecnológica que funcione. Vamos a ver se é desta

DÉFICE DE PRESIDÊNCIA?


Mário Soares continua a efectuar promoções, saldos e rebaixas dos seus mais preciosos bens. Desde que abandonou Belém ainda não foi capaz de perder a mania do penacho e a pretexto de uma intervenção de cidadania vai-nos brindando com uma série de disparates e dichotes que começam a meter dó e em nada engrandecem o seu passado e o prestigío que acumulou durante décadas.
Agora foi a propósito do lançamento de um livro do ex-presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso. Soares, que depois do retumbante desastre das presidenciais, da falta de chá de que deu mostras durante a campanha e da forma pouco democrática como assumiu a derrota, devia de ter alguma, já não digo muita porque eu, por vezes, também padeço do mesmo mal, contenção verbal, ao invés, continua a aproveitar todas as oportunidades em que tem um microfone à frente para asneirar.
A vítima foi Cavaco Silva, a quem acusou de estar condicionado na sua actuação pelas corporações. Para quem protegeu Melancia da forma que protegeu e depois acabou nomeando Rocha Vieira para Governador de Macau...
A partir de determinada idade é bom termos alguém que nos acompanhe. A Soares faltou-lhe alguém quando quis ir para a presidência do Parlamento Europeu e depois deu no que deu. Voltou a faltar-lhe quando lhe disseram que contavam com ele para se recandidatar a um terceiro mandato presidencial. Cada dia que passa o caso assume proporções mais graves. O défice não é de presidência. É antes de lucidez.

quinta-feira, outubro 12, 2006

JÁ FIZ OS TRABALHOS DE CASA!


O dr. Marques Mendes, o excelso líder que comanda a oposição ao engº Sócrates, agora deu em apresentar-nos os trabalhos de casa de cada vez que o presidente Cavaco fala.
O problema é que ele me faz lembrar aqueles alunos que não sabendo matemática e desconhecendo as fórmulas, acabam por conseguir fazer os exercícios e apresentar um resultado igual ao que vem nas soluções, sendo no entanto incapazes de explicar o caminho seguido ou de reconstruir o raciocínio utilizado para lá chegar.
Ou é por causa do déficit, em que alterna com o dr. Frasquilho, ou por causa da Justiça, e aí recorre amiúde ao dr. Marques Guedes, ou por causa das Finanças Locais, em que nos atira com um remake do "Bando dos Quatro" (Arnaldo Matos, A. J. Jardim, J. Ramos e Guilherme Silva), ou é por causa dos números da Segurança Social... Enfim, o homem desdobra-se em soluções e propostas, no que é generosamente acolitado por um ou outro servo.
No lugar dele eu deixava de me preocupar com os trabalhos de casa, a que já se viu ninguém ligar peva, e começava a olhar um pouco mais para algumas autarquias do seu partido. Por exemplo Silves. Ou eu me engano muito ou a coisa está a começar a ficar preta. Ou se quiserem laranja, que quando chega o aperto todas as cores são possíveis e por ali produzem-se uns belos citrinos. O que por aquelas bandas se está a passar, a fazer fé no que diz o "vereador que desempenhava as funções de vice-presidente" (Público, 11/10/06) e nos rumores de Armação, demonstra à evidência que os maus exemplos que vêm de lá de cima (Gondomar, Marco de Canavezes ou Oeiras) também chegam ao Algarve e mais depressa do que aquilo que a distância poderia fazer supor. Certo é que com mais ou menos processos disciplinares, a gestão autárquica de Silves se assemelha cada vez mais à de Felgueiras. Comediantes não faltam. E não me estou a referir aos shows da Fábrica do Inglês.

POBRES RICOS OU RICOS POBRES?



O Correio da Manhã publicou hoje uma lista contendo a relação das 27 câmaras mais ricas per capita, com indicação dos respectivos valores. Essa lista contém algumas curiosidades e merece uma pequena reflexão.

Em primeiro lugar, verificamos que dos 27 municípios aí referidos, 12 se situam no Algarve (Loulé, Lagos, Albufeira, Lagoa, Vila do Bispo, Castro Marim, Portimão, Tavira, Aljezur, Vila Real de Santo António, Faro e Silves). Isto poderá levar muito boa gente, ou nem tão boa como isso, a querer dizer que o Algarve tem todas as condições para ser a primeira região do país. Não tem, como eu terei oportunidade de defender noutra ocasião. Só que isso não impedirá os demagogos do costume de virem para a praça pública procurar tentar acelerar o processo de regionalização.

Depois, verificamos que desses 27 municípios os cinco mais ricos per capita são todos do Algarve (Loulé, Lagos, Albufeira, Lagoa e Vila do Bispo) e que o sexto mais rico é o de Lisboa.

Se olharmos agora para o lado do endividamento desses 27 mais ricos, então vamos verificar que nessa relação estão alguns dos mais endividados do país e daqueles em que houve um maior aumento do endividamento e uma maior pressão para o agravamento das respectivas situações financeiras (cfr. a este propósito a notícia publicada no DN, em 20/4/2006 da jornalista Paula Sanchez). Neste rol incluem-se Lisboa, Tavira, o Porto, Sesimbra, Faro, Setúbal.

O ministro e o secretário de Estado esclareceram que serão aqueles 27 municípios que irão passar a ser contribuintes líquidos para o Fundo de Coesão. A atender pura e simplesmente no valor per capita não tenho dúvidas.

A minha dúvida reside apenas em saber como é que municípios como Lisboa, Faro ou Setúbal, que, não obstante possuirem uma capitação de impostos locais superiores em 1,25 à média nacional, estão completamente enterrados em dívidas, irão financiar o Fundo de Coesão.

No caso de Faro, uma bela cidade que chegou ao ponto de não haver rua que não tenha buracos, que tem contentores de recolha de lixo pré-históricos, em que há ruas bem próximo da zona central que estão pejadas de dejectos caninos, em que junto a algumas esquinas se nota um forte cheiro a urina, que herdou um elefante branco como o Estádio Algarve e onde nem sequer havia dinheiro para acabar o mercado municipal, se irá arranjar mais dinheiro para satisfazer as necessidades básicas da sua população, pagar aos fornecedores, ir aliviando o passivo do senhor Vitorino e ainda sustentar o Fundo de Coesão.

Já todos terão percebido que eu não estou contra a nova lei, nem sou dos que embasbaca com a demagogia dos topo gigios que por aí pululam, do tipo Marques Mendes. Porém, isso não invalida a necessidade de se explicar melhor algumas coisas. O povo não é burro. Gosta é de ter tudo explicadinho.

À atenção do Diogo Lacerda Machado



O Diogo, que além de excelente colega é um tipo que sabe pensar e ouvir, escreve hoje no DN ("Em auxílio dos juízes") que "está por entender melhor como o poder judicial reagiu à revolução democrática e como se comportou desde então" e sugere ao senhor conselheiro Noronha do Nascimento, certamente com a elegância a que já nos habituou, que ajude o poder judicial a transportar-se para o tempo presente.

Eu partilho inteiramente dessa ideia e, sem querer aconselhar ninguém, muito menos o Diogo, que por sem quem é e como é não precisa dos conselhos de um modestíssimo advogado de província, não posso deixar de sugerir, não tanto a ele, que provavelmente já o conhece, mas mais aos leitores, o pequeno livro do nosso ex-colega, hoje ilustre procurador e lagarto como ele, Luís Eloy, que tem por título "Magistratura Portuguesa - Retrato de uma mentalidade colectiva" (Edições Cosmos, Lisboa, 2001).

A sua leitura poderá ajudar a compreender, aos menos familiarizados com estas coisas da Justiça, a razão por que já então o Luís escrevia, referindo-se aos senhores juízes, que "isolados na torre de marfim da sua importância social, numa vertente de auto-exclusão, perde-se mais facilmente a noção de que julgar é uma actividade exercida numa relação entre homens, no centro dos embates do mundo".

Lamentavelmente, é isto que muitas vezes escapa a quem tem de julgar. Mas enquanto houver por aí Diogos e Luíses que o lembrem, sempre me sinto um pouco mais confortado de cada vez que passo horas sentado num banco de tribunal à espera que chegue a minha vez.

NA MOUCHE

Vale a pena ler o que Manuel António Pina escreveu no Jornal de Notícias de 10/10/06. Poderá parecer uma verdade lapalissiana, mas nos tempos que correm é sempre bom recordá-lo. Em especial, porque há gente que continua a pensar que só na ditadura é que era difícil ser livre. Ser livre em democracia tem, por vezes, um preço bem superior porque os carrascos da liberdade ficam sempre por punir, confortavelmente instalados nas suas secretárias, protegidos das suas acções, encaixados numa qualquer empresa, partido, ministério, sindicato, magistratura ou autarquia, à sombra dos poderes, dobrando a cerviz sem tugirem nem mugirem para garantirem a jorna.
"Para se ser livre é preciso coragem, muita coragem. E, desde logo, coragem para uma escolha fundamental, a do respeito por si mesmo. Porque é bem mais fácil sobreviver acobardando-se do que escolher viver livremente. Os locais de trabalho, a vida política, a mera existência social, estão (basta olhar em volta) cheios de cobardes de sucesso. O jornalismo não é, e porque haveria de ser?, excepção, pois a pusilanimidade e a cumplicidade dão menos incómodos e rendem mais que a dignidade. Mas, enquanto na vida politica e social, o preço da liberdade é a solidão (as águias, como Nietzsche escreve, voam solitárias; os corvos andam e grasnam em bandos), no jornalismo o preço é às vezes a própria vida. Anna Politkovskaya escolheu a liberdade e pagou com a vida. Mas a Rússia é um lugar longínquo e entre nós não se dão tiros na nuca a jornalistas, na pior das hipóteses despedem-se. É, por isso, fácil chorar por Anna Polit-kovs-kaya, basta só um pouco de falta de pudor. Assim, os jornais portugueses encheram-se nos últimos dias de grasnidos e lágrimas de crocodilo vertidas por gente que, na sua própria vida profissional, escolhe o salário do medo. Alguns conheço-os eu e, como no soneto de Arvers, hão-de ler-me e perguntar "De quem falará ele?".

terça-feira, outubro 10, 2006

O TEMPO? ORA BOLAS!

Disse o ministro António Costa (sempre ele, o homem não pára) na apresentação do balanço trimestral do Simplex deste ano, que um dos «grandes obstáculos» à competitividade do país é «o tempo que demora» o licenciamento das actividades comerciais, turísticas ou industriais.
Não podia estar mais em desacordo. Todos sabemos que cada um chama os nomes que quer, ao que quer, quando quer e como pode. O António Luís, com as correrias em que anda metido, está a fazer uma grande confusão. Esse é um dos problemas quando se tem muita coisa para fazer e se é chamado a apagar tudo quanto é fogo por este país fora.
O mal não é só dele. Se repararem, o mal tem sido extensivo ao ministro da Economia, ao Mário Lino, ao Correia de Campos e até a essa senhora que nunca perde a compostura por mais nomes que os professores lhe chamem que é a ministra da Educação. Vale agora o Freitas já ter entrado em pré-reforma, senão o mal ainda seria mais grave.
Mas francamente. Tenho ouvido chamar ao fenómeno muito nomes. De luvas a comissões, de ajustes a trocos. Confesso é que nunca tinha ouvido chamar-lhe "tempo".
Ó António, vê lá se acordas! O problema não é o tempo que os licenciamentos demoram. Tempo temos nós para dar e vender. Ou será que ignoras as bichas para comprar bilhetes para a bola, as bichas para o selo do carro, as bichas para comprar o Sol ao sábado de manhã, as bichas para passar a portagem de Carcavelos, as bichas do IC19, as bichas da 2ª Circular (não confundir com os lagartos), as bichas no DIAP, as bichas na Caixa Geral de Depósitos, as bichas na FNAC para comprar bilhetes para os Stones, as bichas para entrar no Kapital e no Lux. Porra, António, não vês que temos tempo de sobra? Não vês que ninguém quer saber do tempo que demoram os licenciamentos?
O problema, meu caro, não é o tempo nem o Simplex! O problema é a Corruptex que é uma coisa um pouco mais complicada, mas que o Eduardo Cabrita te poderá explicar com relativa facilidade, pois já deves saber que ele agora se farta de conversar com os municípios! Esse tempo a que te referes não se chama tempo. E a palavra nem sequer é parecida. Esse "tempo" chama-se modernamente "Corruptex"! Topas, meu!? Mas antes fosse o tempo para eu te poder dar razão.