sexta-feira, outubro 27, 2006

BLOGOSFERA E RESPONSABILIDADE


"não devia ser possível abrir um blogue sem o autor ser identificado e tecnicamente confirmado" - Miguel Sousa Tavares, in DN, 27/10/06.
Esta frase de Miguel Sousa Tavares, extraída de um artigo hoje publicado pelo DN, vem, uma vez mais, colocar o dedo na ferida. A abertura indiscriminada de blogues, o acesso totalmente livre e não controlado da rede global, facilita a utilização indevida da blogosfera e constitui um meio para a difusão livre do crime.
O debate já tem muitos anos, quer nos Estados Unidos, quer em Portugal, havendo mesmo quem do lado de lá do Atlântico tenha criado organizações, fundações e grupos de pressão, destinados à defesa da liberdade, dizem eles, na blogosfera.
Desde há vários anos que tenho tido uma posição bem mais conservadora sobre essa matéria e, ainda estava eu a fazer o meu mestrado quando elaborei um trabalho sobre aquilo a que eu chamei então, talvez um pouco pomposamente, a cidadania digital. Dizia eu nessa altura, basicamente, que não existia liberdade sem segurança e que esta era o correlativo daquela num mundo em que há muita gente que desconhece os limites da sua própria liberdade.
Por isso mesmo, defendi que a criação do conceito de cidadania digital poderia, sem coarctar a liberdade de expressão de cada um e o direito à livre opinião, ajudar a disciplinar o uso abusivo da internet, responsabilizando os seus utilizadores. Através desse conceito, adaptado do próprio conceito de cidadania extraído da Ciência Política, enquanto conjunto, enquanto estatuto, de direitos e de obrigações, pretendia eu que cada cidadão tivesse um bilhete de identidade que lhe permitisse navegar na rede global sem medos nem constrangimentos, o que só será possível, diga-se de passagem, em Estados livres.
Todos temos um bilhete de identidade para nos identificarmos perante o Estado, todos necessitamos de um passaporte para viajar, todos temos um número de contribuinte, uma carta de condução, um carro que tem livrete e título de registo de propriedade e até para termos um telemóvel temos de nos registar perante o operador. Por que razão não há-de o meu computador ser objecto de registo? Por que razão não há-de alguém ser responsável se um dado computador ou um blogue é utilizado como instrumento da prática de um crime. Bem sei que existe uma legislação que prevê a punição de crimes informáticos, mas a extraterritorialidade da blogosfera exigiria uma acção concertada dos países interesados no problema. Aliás, não foi por termos múltiplos documentos de identificação ou dos nossos carros terem um registo que alguém colocou em causa a nossa liberdade de expressão ou de deslocação ou nos passámos a considerar menos livres. Mas também por possuirmos esses documentos, falo por mim, sabemos que se a nossa identidade for usurpada, se nos roubarem o carro e o utilizarem como instrumento de um crime, sempre haverá uma maior possibilidade do mesmo ser localizado e dos agentes do crimes encontrados do que se tudo se processasse sem quaisquer registos ou controlo. Confesso que prefiro este tipo de controlo às medidas bushistas ou blairistas que se seguiram ao 11 de Setembro ou aos atentados de Londres.
À medida que prolifera o número de crimes cometidos pela internet, face ao constante aumento de ataques às redes digitais, seja pela disseminação de vírus informáticos ou pela utilização abusiva da blogosfera e de sistemas não controlados de "espiolhagem", vai-se tornando cada vez mais urgente e imperioso o controlo da rede. Diria mesmo que é uma evidência.
Para muitos, isto que agora reafirmo poderá parecer uma blasfémia, uma verdadeira heresia. Mas para mim já hoje constitui uma necessidade fundamental para a preservação do nosso sistema de liberdade e para a manutenção de padrões aceitáveis de segurança.
Por isso mesmo, desde o início deste blogue afirmei que aqui não se publicariam escritos nem opiniões anónimas e que quem aqui escreve assina por baixo e responde pelo que assina.
Hoje a vítima é o Miguel Sousa Tavares. Amanhã será outro qualquer. Os cobardes e os frustrados que preferem o conforto do anonimato ao rigor da assunção de um estatuto de cidadania integral são os mesmos que clamando pela liberdade a plenos pulmões, acabam usando a rede global da internet para lançarem a calúnia, proclamarem a injúria, invadirem a privacidade de terceiros, promoverem o boato, espalharem vírus informáticos e, não raras vezes, para esconderem os seus vícios mais inconfessáveis, a começar pela pedofilia.
Não sei se estas linhas servirão para alguma coisa. Não sei mesmo se alguém perderá o seu precioso tempo a lê-las e parará dois minutos para reflectir. Mas ao menos que sirva para eu expressar a minha solidariedade e o meu apoio ao Miguel Sousa Tavares.
E olhem que eu não sou do Porto, não gosto do Pinto da Costa e chego a ter náuseas quando vejo o FC Porto a jogar.

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