terça-feira, outubro 17, 2006

DIÁLOGO DE SURDOS



Se dúvidas houvesse sobre as limitações e os constrangimentos do poder autárquico em Portugal, elas ficaram dissipadas no último Prós e Contras (RTP1, 16/10/06).

Se a Associação Nacional de Municípios Portugueses e o conjunto dos autarcas se revêem nas intervenções de Fernando Ruas e Ribau Esteves, então estas tiveram o indiscutível mérito de revelar, para além da demagogia óbvia do respectivo discurso, que a grande maioria dos autarcas tem uma concepção errada da natureza e extensão dos poderes que lhes estão atribuídos. Este défice torna-se mais evidente quando se vê que aqueles responsáveis da ANMP demonstram uma tremenda incapacidade para compreender os discursos de António Costa e Saldanha Sanches.

Não é o facto de serem excelentes pessoas, empenhadas, conhecedoras das suas regiões e militantes das estruturas locais dos partidos, que os habilita e autoriza a falarem, à boca cheia, em nome das suas populações quando se trata de confrontar as mais do que discutíveis opções autárquicas com uma política global para as autarquias, vertida numa lei que pretende ser um modelo de rigor, de transparência e um factor acrescido de coesão nacional.

Foi confrangedor ver a forma como Fernando Ruas pretendia atacar Saldanha Sanches e António Costa, depois de todos termos visto que aquele não percebeu, ou fez que não percebeu, embora eu me incline mais para a primeira hipótese, as claríssimas intervenções dos seus oponentes e a justeza dos argumentos carreados para o debate. Incapaz de falar a mesma linguagem, a ANMP refugia-se no discurso fácil, redondo, enganador, desprovido de factos e de soluções.

Os autarcas insistem em falar uma linguagem exclusiva, virada para dentro e para o seu próprio umbigo, diferente daquela que o país fala e os portugueses compreendem, convencidos como estão que foram ungidos com o exclusivo da defesa das "suas populações". Pena foi, e isso era importante que tivesse sido esclarecido, que não se ficasse a saber por que razão algumas das Câmaras mais ricas do país apresentam endividamentos astronómicos não se vendo nessas terras obra que se veja. Faro é uma dessas evidências e um dos casos mais gritantes. Bem sei que em matéria de Direito das Sucessões os herdeiros só aceitam as heranças que querem, e podem fazê-lo a benefício de inventário, coisa que não se passa quando se assume a direcção de um município. Mas este é um dos ónus da actividade política e a contrapartida do poder que exercem e das responsabilidades que é suposto assumirem.

E quando Ribau Esteves vem falar nos custos das Scut's apenas está a disparar contra si e os seus associados, dando de bandeja toda a razão ao Governo. Porque se o custo das Scut´s pode servir de moeda de troca ou de justificação para tentarem exigir mais dinheiro da Administração Central e menos responsabilidades - aquela de quererem a tutela do Tribunal de Contas a toda a hora dentro das autarquias a fiscalizar os disparates que fazem foi de antologia -, então o melhor talvez seja começar por aí e, nessa altura, eu quero ver se os autarcas do Algarve vão aceitar a renovação do piso e a melhoria das condições de circulação da A22 contra o pagamento de portagens (ainda que diferenciadas para residentes e não residentes) que façam face aos custos de manutenção desta via estruturante do Algarve.

A democracia é uma operação aritmética mais complexa do que aquilo que imaginam a maioria dos nossos autarcas, não se esgotando na preparação de campanhas eleitorais ou na distribuição a eito de almoços, jantares, convites para o teatro ou para a bola, empregos para os amigos, contratos para os empreiteiros da região e outras benesses avulsas.

E por esse motivo é que enquanto muitos dos nossos autarcas persistirem em querer confundir a legitimidade autárquica com a que vem de eleições nacionais, misturando alhos com bugalhos para melhor confundirem os eleitores e esconderem a sua impreparação, eles e os dirigentes da ANMP continuarão a dar trunfos a todos os que os criticam. Ou eu me engano muito ou muitos deles vão acabar a falar sozinhos.

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