quinta-feira, outubro 12, 2006

NA MOUCHE

Vale a pena ler o que Manuel António Pina escreveu no Jornal de Notícias de 10/10/06. Poderá parecer uma verdade lapalissiana, mas nos tempos que correm é sempre bom recordá-lo. Em especial, porque há gente que continua a pensar que só na ditadura é que era difícil ser livre. Ser livre em democracia tem, por vezes, um preço bem superior porque os carrascos da liberdade ficam sempre por punir, confortavelmente instalados nas suas secretárias, protegidos das suas acções, encaixados numa qualquer empresa, partido, ministério, sindicato, magistratura ou autarquia, à sombra dos poderes, dobrando a cerviz sem tugirem nem mugirem para garantirem a jorna.
"Para se ser livre é preciso coragem, muita coragem. E, desde logo, coragem para uma escolha fundamental, a do respeito por si mesmo. Porque é bem mais fácil sobreviver acobardando-se do que escolher viver livremente. Os locais de trabalho, a vida política, a mera existência social, estão (basta olhar em volta) cheios de cobardes de sucesso. O jornalismo não é, e porque haveria de ser?, excepção, pois a pusilanimidade e a cumplicidade dão menos incómodos e rendem mais que a dignidade. Mas, enquanto na vida politica e social, o preço da liberdade é a solidão (as águias, como Nietzsche escreve, voam solitárias; os corvos andam e grasnam em bandos), no jornalismo o preço é às vezes a própria vida. Anna Politkovskaya escolheu a liberdade e pagou com a vida. Mas a Rússia é um lugar longínquo e entre nós não se dão tiros na nuca a jornalistas, na pior das hipóteses despedem-se. É, por isso, fácil chorar por Anna Polit-kovs-kaya, basta só um pouco de falta de pudor. Assim, os jornais portugueses encheram-se nos últimos dias de grasnidos e lágrimas de crocodilo vertidas por gente que, na sua própria vida profissional, escolhe o salário do medo. Alguns conheço-os eu e, como no soneto de Arvers, hão-de ler-me e perguntar "De quem falará ele?".

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