Confesso que, ontem, fiquei estupefacto com as reportagens que vi sobre a futura "Clínica Dois Arcos", que a conhecida casa de Badajoz pretende abrir no centro de Lisboa para a realização de abortos com todo o profissionalismo.
Desde logo, porque estranhei a coincidência das reportagens, na SIC Notícias e, se não estou em erro, na RTP 1, no mesmo dia em que no Parlamento se ia votar o referendo à interrupção voluntária da gravidez.
Depois, porque o ar de confiança e perfeitamente empresarial da senhora Yolanda Hernandez, que publicitou descaradamente os méritos da sua clínica, são pouco compatíveis com a seriedade com que a questão deverá ser tratada.
Em terceiro lugar, porque considerei tais reportagens e a entrevista com a dita senhora, como uma pressão manifestamente ilegítima sobre os portugueses, num momento tão crucial e decisivo. Se este tipo de estratégia vai fazer parte da campanha a favor do sim à IVG, então a coisa começa muito mal. Depois da forma atabalhoada como o PS conduziu o assunto no parlamento e das asneiras que sobre essa matéria têm sido feitas e ditas, só faltava mesmo o toque empresarial.
Se querem que isso seja tratado como uma matéria económica então é dizê-lo. Nesse caso poder-se-á então falar de alteração da moldura penal e de liberalização, nesta última hipótese com o mesmo sentido com que se fala da liberalização das telecomunicações ou da rede eléctrica.
As televisões, sejam elas públicas ou privadas, podem apelar à participação dos portugueses no referendo. Podem e devem contribuir para o debate, para o esclarecimento. Não podem é constituir-se em parte interessada no referendo e promover a publicitação de actos puramente comerciais que nada têm a ver com a essência do problema. Não é a mesma coisa fazer uma reportagem sobre o aborto ou sobre a operação da Lili Caneças na Corporación Dermoestetica.
Se querem que vos diga, as reportagens meteram-me nojo. E eu que não ia fazer campanha até já estou a pensar seriamente em vir a fazê-la.
Mas sobre isso e a minha posição relativamente ao aborto reservo-me para mais tarde. Até lá espero que haja decoro e um mínimo de bom senso.
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