terça-feira, fevereiro 28, 2012

Hoje estou assim

E vão 108 gloriosos anos

O grande Jaime Graça escolheu partir hoje. Podia ter sido ontem. Ou anteontem. Mas aconteceu hoje. No mesmo dia em que cá em baixo se apaga mais uma vela, lá em cima uma mais se acende. Para continuar a zelar por nós. E uma coisa podemos já prometer ao Jaime, a quem agradeço o quanto fez por nós, e pelos outros: para o ano celebraremos mais um. Serão então cento e nove. E celebraremos de novo com todos os que cá estarão, com ele e com todos os que de lá de cima nos iluminam, e também com os que vêm a caminho para se juntarem a nós e que, como ele sabe, são muitos mais do que os que já cá estão. 

sexta-feira, fevereiro 24, 2012

Só espero que ele não tenha sido enganado

"A venda da Tóbis mostra como o Estado está disposto a vender seja em que condições for. O secretário de Estado da Cultura reconheceu que a venda foi feita "às escuras": do comprador só se sabe que tem capitais angolanos e nunca se negociou directamente com a companhia. Nem pode garantir que o comprador é o mesmo com quem foi iniciado o processo. Como é isto possível?" - Público, Sobe e Desce, 24/02/2012

É por estas e outras que me desgosta ver indivíduos como ele metidos nestas camisas-de-forças da política nacional.

O estado da democracia

Promovido pela Cívis - Associação para o Aprofundamento da Cidadania. É hoje, com a presença de Martins Goulart (Coordenador da União dos Sindicatos do Algarve da CGTP), do Almirante Martins Guerreiro (Associação 25 de Abril) e de Nuno António (Associação Movimento Juvenil de Olhão). Eu junto-me a tão ilustre grupo graças a um simpático convite da organização e represento-me a mim próprio. Para não comprometer ninguém, como aliás é apanágio dos homens livres.

segunda-feira, fevereiro 20, 2012

Devia ser de leitura obrigatória nas escolas

A entrevista que Manuel António Pina deu ao jornal i é um documento de uma assombrosa lucidez e actualidade. Um verdadeiro testamento poético, jornalístico e cívico. Em particular, por um sentido da humildade, da tolerância e da decência só ao alcance de espíritos absolutamente excepcionais. Para ler, reler, guardar e ir muitas vezes buscar à gaveta de cada vez que eu estiver a pensar dizer ou escrever qualquer coisa que venha com o nome à frente. Não será por falta de coragem, acreditem, mas para desfulanizar a coisa. Um dia seremos todos pó e, de facto, não vale a pena que sejamos nós a colocar os que vemos como "canalhas" nas páginas da história. Ainda que depois acabemos a embrulhar o peixe com as folhas onde ficou impresso o seu nome. Basta sinalizar os factos. Cada um que julgue por si. Os peixes também não precisam de saber quem são eles. Ficarem sujos com a tinta do jornal onde se escreveu o nome daqueles de cada vez que são embrulhados já é um castigo bastante.    

quarta-feira, fevereiro 15, 2012

É Carnaval...

Não tarda virá aí alguém justificar o gasto com o mesmo ar entediado com que o ministro responde aos jornalistas de cada vez que o questionam sobre os gastos da RTP ou de qualquer outro serviço público. De quem agora deu em dar lições de moral aos portugueses e lhes prega sobre a melhor forma de poupar e emigrar não está nada mal. Normalmente começa sempre assim. Primeiro põe-se um ar sério e aponta-se o dedo a todos, tal como Rocha Vieira fez quando chegou a Macau; depois sai-se pela porta dos fundos deixando um mar de caricaturas para trás. Bem prega Frei Tomás.

sexta-feira, fevereiro 10, 2012

De que serve a liberdade

Bertolt Brecht
 (10/02/1898 - 14/08/1956)

                         "De que serve a liberdade
                          Quando os livres têm que viver entre os não-livres?"

Não é normal

Não é normal que um Presidente da República se queixe do que recebe e que para o fazer não se iniba de esconder os rendimentos que aufere e a verdadeira razão para o lamento. Não é normal que um candidato a primeiro-ministro com um mínimo de seriedade faça promessas que sabe não poder cumprir, por muito grande que seja a fé, seja quanto ao número de empregos cuja criação anuncia a troco de votos, seja quanto ao nível da pressão tributária que se propõe manter ou baixar logo que chegue ao poder. Como não é normal que um partido político sério utilize quando está no poder argumentos diferentes daqueles que usou quando era oposição e que resolveu desvalorizar apenas para se furtar ao escrutínio político e ao incómodo de ter de responder a perguntas cujas respostas se presume seriam desagradáveis e inoportunas para a sua imagem pública e a reputação que se esforça por construir. E também não é normal que numa sociedade democrática livre e transparente se ande permanentemente a iludir e enganar a opinião pública, enquanto se mantém uma postura pública incompatível com os jogos de bastidores. De igual modo, não é normal que conversas reservadas sejam escutadas à revelia dos intervenientes, à margem da lei, sem o seu conhecimento ou consentimento prévio, tenham essas conversas lugar através de uma linha telefónica ou ocorram numa parcela do espaço público. E também penso, já agora, que não é normal que um ministro das Finanças que também é a segunda figura do Governo de um Estado soberano, revele nos contactos com os seus hómologos europeus uma postura de tal forma subserviente e agradecida que se transforme na imagem de um mero serventuário, num funcionário público zeloso sem outra ambição que não seja a de cumprir agradando às suas chefias e aos credores do país. E normal não será que um ministro da Defesa e as chefias militares sejam publicamente enxovalhadas por comunicados de organizações para-sindicais dos seus subordinados e ainda os comentem. Nada disto é normal. Tudo isso é pouco sério e nada gratificante para o Estado, para o regime, para os partidos políticos ou os titulares do órgãos do poder político. Mas talvez por nada ser normal é que tudo seja aceite com tanta normalidade. E se resuma a uma luta política entre líderes (medíocres) de juventudes partidárias e filhos do regime que nunca foram capazes de deixar de o ser porque se recusaram a emancipar-se, porque rejeitaram as responsabilidades e os comportamentos da maioridade. A normalidade em Portugal é cada vez mais a anormalidade do dia-a-dia. Da forma como se vive, se respira e de como alguns conseguirão chegar a velhos. Se lá chegarem. Não tardará, por este andar, por esta resignação cega e contemplativa, por este sofrer que se aceita silencioso e reconhecido, que nos tornemos todos num país de anormais. Nesse dia tudo será normal porque a máscara se terá fundido com o rosto. E, por essa via, ter-se-á integrado na alma. No dia em que isso acontecer espero que a minha alma já se tenha libertado destas grilhetas. Se possível evaporado. Que parta comigo. Não sou o Poeta, por isso não pretendo que ela parta gentil para que eu viva cá na terra sempre triste. Porque nada é mais anormal nesta vida do que viver vendo a alma presa na terra e entre o povo que se ama só porque toda uma geração desgraçada nos conduziu a tão deprimente destino. E persiste.

quinta-feira, fevereiro 09, 2012

A ler

"(...) os portugueses não elegeram um primeiro-ministro, elegeram um comandante do corpo de fuzileiros. O resultado foi este regime híbrido que combina a democracia com a ditadura militar. Portugal fez um intervalo na sua existência como país e passou a ser uma caserna. Há dez milhões de recrutas que necessitam de formação e Pedro Passos Coelho berra-lhes aos ouvidos exactamente as mesmas palavras de incentivo que todos os soldados ouvem durante a recruta. A diferença é que o tratamento é mais bruto do que na tropa e as condições de vida são piores. (...) É duro, mas tem de ser. Porque Passos Coelho sabe melhor do que ninguém o que acontece àqueles portugueses menos esforçados, cuja capacidade de trabalho lhes permite arranjar emprego apenas nas empresas dos amigos, e que por opção, e não por necessidade, deixam a conclusão da licenciatura lá para os 37 anos: podem chegar a primeiro-ministro. E esse é um destino trágico que ele não deseja aos seus compatriotas." - Ricardo Araújo Pereira, Visão, 09/02/2012

A magnífica reforma do ministro Relvas

"Agora, enfim, nas eleições de 2013, não se poderão recandidatar cerca de 150 presidentes de Câmara e não sei quantos de Junta. Mas, face às previstas alterações no mapa autárquico, surgiu a extraordinária hipótese de, onde elas se verificarem, tal impossibilidade deixar de existir. Exemplo: três ou quatro freguesias fundem-se ou agrupam-se e o presidente de qualquer uma (que pode ter mais eleitores do que todas as outras somadas), poderia recandidatar-se. O que, em meu juízo, mais do que uma finta seria uma autêntica fraude à lei." - José Carlos de Vasconcelos, Visão, 09/02/2012 

quarta-feira, fevereiro 08, 2012

Para quem tivesse dúvidas

"Numa avaliação feita aos primeiros 6 meses de governação de Pedro Passos Coelho, o Barómetro Político da Marktest revela que 70% da população considera que o novo Governo não tomou medidas importantes para o desenvolvimento económico do País e mais de metade acredita que o Governo de Pedro Passos Coelho não está a fazer o que é necessário para Portugal sair da crise."

Se os estudos deles eram bons até 5 de Junho de 2011, quando se tratou de correr com os outros, agora também devem continuar a ser, não? A isto chama-se a prova dos "pastéis de nata". 

Por este andar...

... tenho impressão de que só eu, que não alinho em carnavais, e o Governo, que é um carnaval de máscaras e fantasias em permanente ebulição, é que estaremos a trabalhar na 3ª feira de Entrudo. Com as escolas fechadas e as câmaras das duas principais cidades do País encerradas, o melhor será todas as câmaras fazerem o mesmo. Assim, ficaremos todos com a certeza de quem é que está com quem e porquê. Não vale a pena iludirmo-nos.

terça-feira, fevereiro 07, 2012

Mataram as cegonhas

O presidente da Câmara Municipal de Faro, pessoa por quem tenho toda a consideração,  depois de ter deixado Tavira no estado que ainda hoje o insuspeito deputado comunista Paulo Sá nos deu a conhecer, tendo sido incapaz de encontrar algures os milhões que o poderiam ajudar a realizar em Faro uma obra de endividamento e propaganda idêntica à que o seu colega de partido Alberto João Jardim realizou na Madeira, à custa dos "cubanos", resolveu inventar e começou logo pelo logótipo que há mais de uma dezena de  anos constituía a marca mais distintiva da cidade. Fê-lo para trocá-la por um logótipo desajeitado cujo estilo, como se vê pela comparação, tanto pode servir a Faro, como à EDP ou a uma qualquer empresa da Conchichina.
Diz a propaganda do edil, aliás, já severamente criticada pelo Partido Socialista, que o novo logótipo tem as cores do brasão e representa o contorno da cidade velha. Como disse? Eu diria que é mais um borrão feio e desajeitado que tem tudo para conseguir não nos fazer esquecer as belas cegonhas que dão luz e vida à cidade da Ria Formosa e que antes orgulhosamente se exibiam no logótipo municipal.
O vídeo que foi realizado para apresentar a "obra", já em português de Acordo Ortográfico e com uma locução digna de salão de cabeleireiro, é todo ele mais um exemplo de mau gosto. Os maus exemplos fazem escola. Daí que a piroseira e a pinderiquice continuem a espalhar-se alegremente. Não é só no governo central. Desta vez aportou a Faro pela mão de Macário Correia.

E se lhe derem um banano nos queixos, ele queixa-se a quem?


E se fosses chamar piegas a outro? Piegas era a tua tia, pá!

segunda-feira, fevereiro 06, 2012

Trapalhada carnavalesca

Convirá antes de tudo o mais dizer que não sou adepto de carnavais e que com excepção de meia dúzia de sambistas, também elas de excepção, nem sequer perco tempo a ver desfiles na televisão. E se forem em Portugal ainda menos, porque homens vestidos de mulher, gordas, barrigudas e enjeitadas cheias de silicone e celulite não são a melhor das coisas para se apreciar.  
Posto isto gostaria de vos dizer que compreendo perfeitamente a decisão de Passos Coelho de não conceder tolerância de ponto no Entrudo. Esta é a parte que eu percebo e que nem de perto nem de longe se poderá alguma vez comparar com a abolição dos feriados de 5 de Outubro e de 1 de Dezembro.
O que eu já não compreendo é que essa decisão tenha sido tomada tão em cima do joelho. Quer-me parecer, pelas declarações que proferiu, que o primeiro-ministro ainda nem sequer tinha pensado no assunto quando a questão lhe foi colocada e o que disse foi a primeira coisa de que se lembrou. Aliás, creio que a forma trapalhona e atabalhoada como a resposta foi dada e, na sequência dela, a questão surgiu na comunicação social, com o clima que logo gerou, são o espelho disso mesmo.
A trapalhada não será muito diferente daquela que o ministro da Economia criou no final da última reunião do Conselho de Ministros com a confusão entre férias e feriados e a data da entrada em vigor das decisões tomadas sobre essa matéria.
Passos Coelho esqueceu-se de que há compromissos assumidos, que muita gente - autarquias incluídas - se empenhou há um ror de meses para preparar os desfiles e que não é na véspera que se avisa. Acabe-se com a 3ª feira de Carnaval mas faça-se isso em termos adequados, com tempo para as pessoas se prepararem e evitando-se prejuízos desnecessários.  No final, sei que teremos mais uma confusão generalizada, com escolas fechadas e pais a terem de ir trabalhar e sem terem onde deixar os filhos. Prejuízos em barda. Nada, infelizmente, que a gente não estivesse à espera desta trupe carnavalesca de laranjinhas impreparados que chegou ao poder "aldrabando" o eleitorado e sem saber o que fazer com o poder. Por falta de ideias, de currículo e de experiência. Um desastre a somar a tantos outros.

sexta-feira, fevereiro 03, 2012

Ele vem aí...

Com ou sem Acordo Ortográfico, para quem tiver oportunidade e bilhete para ir ao CCB, no próximo dia 21, a hipótese de ver um dos maiores guitarristas da actualidade: Joe Bonamassa.

Agora que está frio e neva por essa Europa...

... um pouco de aquecimento não faz mal nenhum.

Coisas

A entrevista de Basílio Horta à Visão. Leiam-na toda, de fio a pavio. Deixo os comentários para vós. Eu tenho de ir ali buscar um lenço e já volto. Há momentos em que a gente não sabe se há-de rir ou se chorar.  

O estado a que isto chegou

Em 2007 um carro despistou-se na A22. Morreu uma pessoa. O processo foi julgado e proferida sentença em Setembro de 2009. Em 21 de Outubro desse mesmo ano deu entrada o recurso no 1º juízo criminal de Loulé. Hoje, 3 de Fevereiro de 2012, telefonei, uma vez mais, para o tribunal, a saber se já havia algum despacho. Não, não há, o juízo tem seis mil processos pendentes. A juíza ainda é a mesma. O processo sobre o qual eu buscava informações foi para a inspecção. Não se sabe quando voltará. Nem quando o recurso subirá à Relação de Évora. O condutor tinha álcool no sangue no momento do acidente em nível superior ao legalmente permitido. Continua a conduzir. E eu continuo a pensar que mal terei eu feito a Deus para nascer português e merecer esta sina.

Uma decisão corajosa

"Referi sempre ao secretário de Estado da Cultura que a minha posição era esta. Aliás, a minha posição é conhecida por todos os membros do Governo."

A decisão de Vasco Graça Moura, o recém-empossado presidente do Centro Cultural de Belém, de não aplicar o aberrante Acordo Ortográfico (AO) que quer o actual quer o anterior Governo da República se propuseram levar à prática, é uma decisão justa e corajosa por parte de quem sempre se mostrou contra tal aborto linguístico, verdadeira machadada na nossa língua e na identidade nacional. Vasco Graça Moura mostra, uma vez mais, que não se pode ser contemporizador com o poder político quando esse poder é ignorante, inculto e precipitado, mesmo que seja da nossa cor política. O problema criado é demasiado gravoso para passar despercebido e das duas uma: ou o Secretário de Estado da Cultura que o nomeou lhe dá uma ordem expressa para aplicar o tal AO, e se ele não o fizer demite-o, ou o Governo terá de conviver com o facto de um dos seus nomeados, um dos mais importantes intelectuais portugueses, senhor de um domínio e conhecimento da língua como poucos, utilizar um dos lugares mais visíveis do panorama cultural nacional como tribuna contra uma das suas decisões políticas mais controversas. Sublinho aqui o facto da decisão de Vasco Graça Moura ter sido sufragada por unanimidade pelos restantes membros da administração do CCB. Estou certo de que a maioria dos portugueses, da direita à esquerda e até os apolíticos, estarão de acordo com ele. Pela parte que me toca, não podia estar mais de acordo e deixar de dar-lhe os parabéns.

quinta-feira, fevereiro 02, 2012

Sonhar alto

Imagine-se que eu respondia a um anúncio de recrutamento para presidente do conselho de administração de uma empresa em situação económica difícil, que movimentasse milhões  e com potencial técnico e humano internacionalmente reconhecido como sendo do melhor. No anúncio pediam-me para apresentar um programa, a ser executado no prazo máximo de quatro anos, o qual seria submetido à consideração dos accionistas para aprovação, sendo essa uma das provas de selecção. Depois de apreciada a minha candidatura, fui a uma entrevista, recebi os elogios da maioria dos accionistas ao meu programa e foi-me pedido que começasse a trabalhar. Escolhi a minha equipa entre gente da minha confiança, e na primeira assembleia geral foi tudo aprovado nos termos que eu desejava. Tinha, no entanto, um pequeno problema, do qual eu tivera conhecimento atempado e com o qual teria de contar durante o meu mandato. É que no final do mandato da anterior administração, já depois da publicação do anúncio de recrutamento a que eu respondera, foi necessário contrair um empréstimo junto de entidades externas. Não havia hipótese de obter suprimentos internamente e esse empréstimo era necessário para pagar os salários, a luz e a água dos meses seguintes. Durante a entrevista de selecção foi-me perguntado o que pensava eu das condições daquele empréstimo. Foi-me sugerido que desse a minha opinião, uma vez que a seguir, sendo escolhido para o lugar, estar-me-ia destinado cumprir com as condições acordadas. Na altura, pensei que não iria ser fácil, mas convicto das minhas capacidades e da ajuda divina, dei algumas sugestões. Como não queria perder o lugar, ainda que fosse só por quatro anos e sem grandes perspectivas de carreira, manifestei o meu assentimento aos termos propostos e predispus-me, caso fosse seleccionado, a contar com o cumprimento dessa obrigação. Acontece que quando iniciei funções, percebi que a tarefa seria mais complicada do que pensava, pois que tirando um curto período em que ajudei o caseiro do meu tio a gerir a quinta, não tinha qualquer experiência, mas evidentemente não podia dar parte de fraco. Preparei um orçamento, anunciei despedimentos em massa e aumentei os preços dos serviços que a empresa transaccionava. O ambiente tornou-se mais pesado. Os outros membros do conselho de administração, alguns recém-chegados do estrangeiro, andavam completamente aos papéis, mas lá foram todos remando enquanto metiam mais uma bucha, entre pastéis de nata e franguinhos da Guia. À medida que os dias passavam, e muito embora os compromissos fossem sendo cumpridos, a situação agravava-se: alguns sectores começaram a fazer greves, a mercadoria não se escoava, a administração cortou nas folgas, o refeitório fechou e no seu lugar ficou uma máquina de sumos e sandes de uma outra empresa de um dos accionistas que, entretanto, se mudara para a Holanda. Foi então que eu me lembrei de telefonar para uns amigos chineses a pedir-lhes ajuda. Voltaram a não falhar nessa hora difícil e lá apareceram. Entregaram-me uma mão cheia de yuans que muito jeito me deram, mas ao mesmo tempo os meus amigos tiveram a triste ideia de ir visitar alguns ex-administradores que tinham sido dispensados. Uns por incompetência, outros por terem atingido o limite de idade, e outros ainda por terem mau feitio. E resolveram trazê-los de volta para a empresa. Perguntei-lhes qual era a ideia e quem lhes iria pagar. Disseram-me que não me preocupasse. Era por causa de um torneio de matraquilhos. O pagamento não seria comigo nem com a empresa e eles apenas quiseram corresponder ao pedido de um dos meus colaboradores que solicitara o anonimato e entendia que seria conveniente introduzir alguma alegria no trabalho. Calculei quem fosse e não quis fazer-lhes a desfeita. O problema é que na mesma altura me chegou um cliente antigo, primo do Mantorras, que me pediu para lhe dar uma "fatia do negócio" (sic) e, se possível, arranjar colocação a mais dois ou três familiares que queriam vir viver para Portugal porque estavam fartos de ter de sair do Colombo a correr, cheios de sacos, para apanharem um avião para Luanda. Da última vez um deles perdera as leggings que adquirira para uma amiga do Trópico, por causa do reembolso do IVA no aeroporto, e aquilo acabara tudo num pandemónio à chegada quando o desgraçado se apercebeu que o embrulho ficara na Portela junto com as queijadas de Sintra que ele dera ao tipo da segurança para ver se aliviava o excesso de peso na bagagem. Por causa disso ainda hoje um "tio" dela, que trabalhava nos vistos do consulado, continua a dizer aos que lá aparecem que só lhes põe o carimbo nos passaportes se no regresso trouxerem um par das ditas cujas para a fulana. Enfim, lá se arranjaram as coisas, e eu aproveitei a notícia do aumento da produtividade em razão do final das folgas e da abolição do dia da empresa, que se comemorava habitualmente em 5 de Outubro, para convidar uma equipa de um programa de televisão chamado "Tapetes voadores e afins", para vir fazer uma reportagem à empresa, aproveitando a animação provocada pela chegada dos familiares do Mantorras. Estava eu nisto quando me lembrei que tinha uma assembleia geral extraordinária daí a dias. Em causa estava uma eventual reorganização da nossa estratégia de recuperação, de acordo com a proposta de alguns accionistas. Nem queria pensar nisso. Já os tinha aldrabado com o programa que defendera na entrevista de selecção, desculpando-me depois com o encerramento de uma das nossas filiais no Brasil e com as dificuldades do programa informático instalado pela anterior administração, baixara os salários dizendo que a responsabilidade não era minha mas sim do tesoureiro, vendera os camiões da distribuição para poupar nos custos e despedir os motoristas (eram todos comunistas) e cortara na subsidiação das aspirinas e xaropes durante o período das gripes e constipações. Como safar-me na dita assembleia? Pois bem,chegado o dia desfiei o meu rosário: queixei-me da anterior administração, disse que o empréstimo não fora negociado por mim e que houvera uma alteração de circunstâncias - ninguém me perguntou quais - que me fizera abandonar o meu programa. Os números eram incontornáveis. Já havia galinhas mortas debaixo das escadas e nas casas de banho e as fotocopiadoras estavam sem papel. Propuseram-me então reavaliar o programa, renegociar as condições do empréstimo, redireccionar o negócio, voltar a distribuir os nossos produtos. A tudo disse que não. E disse-lhes mais. Disse-lhes que custasse o que custasse o programa, não o que fora aprovado, mas aquele que eu estava a executar, iria ser levado até ao fim. Comigo não havia mudanças, nem renegociações de coisa alguma. Os sacrifícios seriam cumpridos com alegria. E se já havia galinhas mortas a culpa não era minha, quando muito da ASAE que era quem fiscalizava. Que culpa tinha eu que o primo do Mantorras também tivesse trazido um feiticeiro do Huambo, que era quem agora analisava as perspectivas das exportações da nossa empresa, e as usasse para saber qual o caminho que devíamos tomar em função do lado para que ficasse virado o bico delas depois de lhes tirar o sangue para uma cabidela? Nesse momento fui interrompido por um dos minoritários. Um amigo dos meus tempos de militância na jota que passara por um seminário e agora usava fatos castanhos com gravatas lilazes porque era adjunto de um ministro. Bom tipo. E também estafermo desde que passara a ter telemóvel pago pelo gabinete e criara uma base de dados por causa dos números do euromilhões. Vira-se para mim e diz-me que assim vamos ter de fechar a empresa. Os outros olharam-no desconfiados. Eu também. Eu sabia que era uma questão de meses mas não podia dizer-lhes isso. Ainda faltavam dois anos para o Mundial de Futebol e o meu padrinho dissera-me para aguentar. O contacto dele no Rio de Janeiro, um libanês de bigodaça que fora conselheiro de Estado, já lhe tinha garantido que me daria emprego nessa altura. Antes não porque as secretas andavam muito activas e já tinha constado que havia aventais "made in China" com o logotipo da empresa a serem vendidos ao desbarato na Feira da Ladra e na Rotunda do Relógio por uns adeptos do Besiktas que tinham acabado de chegar de Istambul. Coisas do Quaresma. O costume. Vai daí, puxei da minha voz de barítono e disse-lhes: esta empresa não fecha, nós vamos salvá-la. E rematei dizendo, impante, daqui não sai ninguém. Ainda pensei acrescentar "vivo ou morto", mas já não fui a tempo. Vindo das minhas costas, ouviu-se um grito. A sala emudecera. Gelou. Sentiu-se o frisson. Lá atrás, com um facalhão espetado e a pingar numa mão e uma cabeça de porco na outra, a esvair-se em sangue, estava o feiticeiro do Huambo. Tinha uma espécie de orelhas de burro douradas enfiadas no alto da cabeça, e vestia uma tanga de leopardo com setas cor-de laranja de onde pendiam umas fitas verdes e vermelhas. Dos seus olhos esbugalhados, vidrados, saiu uma boca enorme, com os dentes muito brancos, e a frase que me salvou. Recordo-a com emoção. Foi com ela que se encerrou a assembleia geral: "Já não temos galinhas para a cabidela, mas o porco diz-nos que a empresa sobreviverá sem as exportações". Fugiram todos. Até os credores. Até hoje.

Agora estou reformado da vida empresarial. Resolvi sair da minha zona de conforto. Jogo golfe, sou consultor para os países lusófonos e tenho um pequeno negócio de "import-export" para me manter ocupado. Em rigor, exporto leggings para Angola e aventais para o Brasil (era previsível). Na volta recebo divisas, que coloco numa dependência da CGD, nas ilhas Caimão, e vou a programas de rádio e televisão. O feiticeiro, esse, continuo a vê-lo de quando em vez. Deixou de usar tanga e sei que aproveita as horas vagas para organizar workshops com a Maya a pedido do Fisco. Meteu-se na política, conseguiu a nacionalidade e vai ser condecorado.

Obrigado, Maria Flor

A excelente prestação de Maria Flor Pedroso serviu para melhor enquadrar o entrevistado. Não é fácil encontrar vendedores de seguros ou de tapetes com tanta prolixidade, à-vontade, e que se inebriem com tanta facilidade com o seu próprio discurso. Tê-lo como ministro é uma coisa só possível num livro de banda desenhada. Ou em Portugal, como acontece ser o caso. A entrevistadora ainda procurou chamar-lhe a atenção ("O sr. ministro está a ser hábil", ao que o ministro respondeu dizendo que não, "que estava a ser verdadeiro"), trazê-lo à razão, apontar-lhe a realidade. Mas, qual quê, o ministro trazia a cartilha decorada, a arma engatilhada e pronta a disparar sobre tudo o que fosse dito. Não havia nada a fazer. Daquilo que não lhe convém diz nada saber e manda que as perguntas sejam feitas a outros (caso Pedro Rosa Mendes). Noutras vezes atira a responsabilidade para trás das costas, apresentando os factos como irreversíveis (TDT). Ele próprio apresenta-se como um modelo de seriedade, de virtudes e de infalibilidade, de si dizendo ter a "escola da gestão na decisão" (sic). Já ouvi coisas piores, palavrões também, mas na verdade o ministro até é capaz de ter razão. Poucos terão tido tanto sucesso na forma como se chegaram à manjedoura, tiraram partido do sistema e da deméritocracia reinante para gerirem a sua carreira política, obterem um curso a meio do percurso e acederem ao farto mundo dos negócios onde se facturam milhões com um piscar de olhos, o que certamente fará dele um Nobel. Mas o melhor mesmo é ouvir na Antena 1 - a entrevista a Miguel Relvas para poderem fazer o vosso próprio juízo. Há tipos que por mais disfarçados que se apresentem nunca conseguirão esconder a sua pesporrência. Está-lhes na massa do sangue e, pelo que se ouve, aliás, fazem gáudio nisso. Qualquer microfone ou holofote servirá para fazê-la brilhar. E à sua verdadeira natureza. Diz ser amigo do líder do PS. Admito que sim, não tenho razões para duvidar, embora ficasse a pensar para comigo se seria coisa que se aprendesse nas "jotas" ou em Relações Internacionais. António José Seguro lá saberá como  se consegue ser amigo de um tipo assim, sem ser por interesse, e aspirar a governar Portugal.

quarta-feira, fevereiro 01, 2012

Nomeações transparentes

GOVPT

Não passa um dia sem que mais um "boy" seja colocado. Que competências e qualificações tem um professor do ensino secundário, da área de engenharia, para dirigir uma Direcção Regional de Economia? Porventura terá muitas competências mas não as indicadas para o lugar. Se pensarmos que esse "boy" é um conhecido militante do PSD a nível regional, que foi presidente de uma Câmara Municipal, das mais pequenas do Algarve, que se recandidatou com o apoio do então líder regional, o deputado Mendes Bota, e levou um cartão vermelho do eleitorado, sendo até agora vereador nessa autarquia, talvez se compreenda a razão de ser da nomeação. E também a razão para que as qualificações e o currículo não tenham qualquer relevância, sendo o cartão do partido a única e decisiva certeza. Estranha-se é que tendo o senhor já tomado posse do lugar no Portal do Governo continue figurar o nome do anterior director regional, com a indicação de ter transitado do anterior governo? A quem se quererá enganar?

Sinais (60)

"A proposta de abolição dos feriados de 5 de Outubro e 1 de Dezembro constitui uma escandalosa afronta do governo aos valores nacionais. Não há coragem para abolir alguns dos muitos feriados religiosos pelo receio de afrontar a Igreja Católica. Também não há coragem para abolir o feriado municipal com receio de indispor as autarquias. Mas quando estão em causa os feriados que representam a independência nacional e o regime republicano, e que deveriam por isso ser absolutamente intocáveis, é o próprio governo que vem propor a sua abolição.
Pessoalmente assisto a isto com uma grande tristeza. Sempre senti profunda admiração pelo heroísmo dos conjurados do 1º de Dezembro que terminaram com a submissão do país a um rei estrangeiro. E não deixa de ser irónico que se termine com as comemorações da república pouco tempo depois de se ter festejado o seu centenário com pompa e circunstância. Se o governo, pela voz do seu ministro da Economia importado do Canadá, entende que não faz sentido comemorar os dias históricos nacionais, há que perguntar por que razão não entrega o país á gestão dos comissários europeus como a Alemanha propôs recentemente à Grécia. Porque com esta proposta de abolição destes feriados a mensagem que se transmite é que já não somos uma república e perdemos a nossa independência. E isso as gerações futuras nunca nos perdoarão." - Luís Menezes Leitão, no i, aqui.

Sinais (59)

"Muito embora não considere o ensino português deficiente, a taxa de abandono escolar no ensino secundário é invulgarmente alta. O motivo é claro: os pais não vêem no ensino grande benefício, numa sociedade que sentem como pouco acolhedora e onde as cunhas serão sempre determinantes.
Ao sucumbir a um 'esquema' político na nova gestão da CGD, o novo governo demonstrou, quase antes de estar constituído, que permanece profundamente arreigado a este mundo de nepotismo ou àquilo que na prática é uma forma de corrupção profundamente enraizada, e que deixa muitas dúvidas relativamente ao progresso económico. Portugal não constitui caso isolado - o caso da Itália ocorre imediatamente à nossa mente, e certamente o da Grécia - pelo que não se pode depositar grande confiança numa mudança de mentalidades" - Jan Dalhuisen, Professor Catedrático da Universidade de Berkeley (Califórnia), do King's College (Londres) e da Universidade Católica Portuguesa, no i, de ontem.