quinta-feira, outubro 26, 2006

AINDA OS GRANDES PORTUGUESES

A RTP1 e a senhora D. Maria Elisa resolveram brindar-nos, uma vez mais, com um debate sobre o concurso “Os Grandes Portugueses”, que estão a promover e sobre o qual já aqui deixei umas linhas.

O facto de se estar a uma semana do termo da votação, levou a jornalista a constituir um painel de comentadores que, no seu entender, iria permitir um debate vivo e interessante, embora não se tivesse percebido muito bem qual seria (foi) o fio condutor do discurso w o que se queria discutir. Se o que se pretendia era o elogio barato à RTP e ao programa, como o prof. Saravai fez, então não valia a pena tanto aparato.

Mas ao invés do que seria de esperar, o que se viu foi um debate desconchavado, pontuado aqui e ali por uma ou outra intervenção mais interessante, não tanto por mérito da jornalista, mas mais por mérito dos participantes. Em suma, ouviu-se um conjunto de opiniões desgarradas, em que todos estão a favor – com a notória excepção de um catedrático de História – e ao mesmo tempo todos são críticos, mas do qual a única coisa que de concreto resultou foi uma dúvida maior que o mundo: como é possível sem critério promover um critério, qualquer que ele seja?

Mas para que a crítica não seja perdida, vou alinhavar aqueles que me parecem ser os pontos mais criticáveis do programa.

1. A primeira vai direitinha para a postura da apresentadora, convencida como está das virtudes inigualáveis do modelo. Afirmar, como todos ouviram em resposta a uma crítica, que o formato veio da BBC não é sinónimo que seja bom nem constitui garantia de qualidade. Maria Elisa pode ter muitos méritos, mas seguramente que entre esses não está o que lhe assegura o direito de querer passar aos portugueses que discordam do programa e do modelo um atestado de pacovice. Ou será que produtos como o “Big Brother” e outros da mesma laia não vieram também de Inglaterra?

2. Fiquei sem perceber qual a razão que levou a juntar no mesmo painel personalidades tão díspares como José Hermano Saraiva e Ricardo Araújo Pereira ou Pedro Pinto e Eduardo Lourenço. Para haver debate é preciso que exista um fundo comum de conhecimentos que permita a troca de ideias e uma argumentação consistente de parte a parte. De outro modo, as intervenções destinadas a suscitar o debate tornam-se monólogos. Se o objectivo era o espectáculo, então a encenação fazia todo o sentido, mas daí não veio grande esclarecimento.

3. Ao mesmo tempo que Maria Elisa pretendia dar um ar sério ao programa, as intervenções da jornalista que se encontrava em Braga deixaram-me absolutamente confundido sobre a natureza do mesmo. Será que essa jornalista sabia o que estava a fazer naquele local e àquela hora? Alguém lhe disse que aquilo não era um programa de humor e que ela não era a Maria Ruef?

4. O resultado da sondagem que foi divulgada sobre o sexo dos votantes, o elevadíssimo nível de participação, por comparação com o que sucedeu em Inglaterra, a participação por escalão etário e a “originalidade” das escolhas, reflecte a infelicidade do programa e do formato. Não sei se algum português minimamente consciente se revê naqueles resultados, mas creio que eles constituem a prova insofismável da ignorância dos participantes.

5. A apresentação de uma lista, por muito completa e abrangente que ela se apresente, acaba sempre por ter um peso inusitado perante um conjunto de pessoas que prima pela má preparação e o desconhecimento, a começar pela própria História de Portugal. Neste aspecto, e para além da gloriosa intervenção do presidente da Associação de Estudantes da Universidade do Minho, que referiu ser importante “sermos irresponsáveis” e “responsáveis” ao mesmo tempo, o que fará dele, sem dúvida, um político brilhante num futuro não muito distante, assinalo a lúcida intervenção daquela jovem estudante de comunicação social que, apesar das dificuldades de expressão que sentiu, questionou a colocação da Rosa Mota ao lado do Rei D.Diniz e a capacidade dos participantes para efectuarem as suas escolhas.

6. Se a ideia não é vincular os participantes no concurso à lista fornecida, então para quê divulgá-la, convidar os telespectadores a votarem e depois dar o espectáculo do aditamento dos nomes que ficaram de fora?

7. Ficámos a saber que por cada telefone fixo poderão ser efectuadas três chamadas para canalizar votos para o programa. E para os sms ou para as chamadas de valor acrescentado há limite? Estranhei que ninguém referisse o problema do custo das chamadas e do negócio que isso representa. Seria bom sabermos qual o custo do programa e quais os lucros obtidos à custa dos participantes em matéria de comunicações e de publicidade. A avaliar pelo número de participantes que já votaram, mais de 400.000, isso representará, grosso modo, um valor de 240.000 euros, partindo do princípio que os votantes se repartem pelas chamadas telefónicas e pelos sms.

8. Estranhei, ainda mais, que nem Fernando Nobre, nem Isabel Alçada, nem Reis Torgal, já que a Joana Amaral Dias é muito nova, se lembrassem de recordar ao diletante do Prof. José Hermano Saraiva que ele foi ministro de Oliveira Salazar e que conviveu alegremente com os gorilas e com as cargas de cavalaria sobre os estudantes universitários. O actual ministro da Justiça, se bem me recordo, foi uma das vítimas dele e chegou a estar preso por causa disso. Mas isto talvez fosse politicamente incorrecto de se recordar naquele momento, com grave dano para as gerações mais novas que desconhecem esses factos e admiram a figura de um sujeito que faz programas pretensamente históricos, por encomenda e sem qualquer rigor (cfr. os programas que ele fez em Macau para a TDM no tempo do general Rocha Vieira e o chorrilho de imprecisões, a demagogia e a propaganda que neles foi incluída).

Continuo a pensar que o programa, mesmo analisando-o sobre uma vertente lúdica, é um perfeito disparate. A demagogia casa bastante bem com a ignorância, mas não se coaduna com o rigor, com a seriedade e com o respeito que os Grandes Portugueses, e são muitos, merecem.

E quanto a critérios, seja em matéria de formatos televisivos, na discussão de questões históricas ou, ainda, na escolha de um grande português, só existe um. É o que combina o bom senso com a decência.

Sem comentários:

Enviar um comentário