terça-feira, julho 16, 2013

Quanta saudade...

 
"Que futuro pode ter uma sociedade sem esperança e sem poesia? Uma sociedade em que a esperança se reduziu progressivamente à mera sobrevivência individual e cujos valores se personificam em modelos como Silvester Stallone ou Madonna? Vejo a sanha com que os nossos líderes políticos e os "pivots" dos telejornais espezinham furiosamente os restos da tragédia em que descambou a utopia comunista e pergunto-me se, neles, nesses terríveis destroços, eles odeiam os crimes do socialismo real (o maior dos quais terá sido, provavelmente, o da traição à utopia igualitária) ou se não é, antes, a própria ideia de utopia e de esperança que, incapazes de compreender, eles sobretudo odeiam e perseguem. (...)

Em Portugal, a metástase cavaquista do fenómeno contamina até hoje os que, pessoas e partidos, aparentemdente deviam estar do outro lado. O "fim das ideologias" e o "fim da História" são saudados euforicamente por quase todos e os raros que persistem em alguma forma de fidelidade ou de fé são olhados despeitadamente de viés como sobreviventes dinossáuricos.",  JN, 07/10/1992  

quinta-feira, julho 11, 2013

Um Presidente vocacionado para cenários de terror


 
A comunicação que o Presidente da República fez ontem ao País constituiu um dos mais altos momentos de inaptidão política de que há memória na nossa democracia.

Convirá dizer, antes de mais, que não me custa aceitar as razões apresentadas pelo PR para a não realização de eleições. Também tenho sérias dúvidas de que as mesmas resolvessem o problema, atenta a falta de consistência da oposição, mas ao contrário dele não me sinto imbuído de uma áurea que me permita numa democracia decidir o que é melhor para os "súbditos" sem consultá-los.

A argumentação de ordem económica e financeira também é compreensível. O cumprimento do memorando de entendimento com a troika e chegar ao final do período de ajustamento em Junho de 2014 sem ter de pedir um segundo resgate, e com a garantia de que tal não acontecerá nos anos seguintes, é claramente um objectivo nacional e que não deverá ser escamoteado.
 
Mas posto isto, que é a parte compreensível da mensagem de ontem, tudo o mais é ininteligível.
 
Depois de ter andado durante mais de dois anos a fomentar a solução da coligação PSD-CDS/PP para obviar ao desconforto provocado pelo chumbo do PEC4, que fora tão elogiado pelos banqueiros e pela chanceler alemã como as políticas de Vítor Gaspar, verifica-se que o PR se tornou em mais um factor de instabilidade, aliás com reflexo imediato na agitação dos mercados que se registou esta manhã. 
 
Durante dois anos o PR assistiu ao esboroar da coligação, por vezes fazendo apelos no sentido de levar os protagonistas à união e à razão, sempre sem tomar posição que vincasse o seu estatuto e autoridade, assim perdendo força e capacidade de intervenção.
 
Desta forma, perante o avolumar de sucessivos fracassos em matéria económica, de controlo do défice e do desemprego, de ausência de reformas dignas desse nome, com um falhanço fiscal em toda a linha que desacreditou o ministro das Finanças e o primeiro-ministro, o resultado só poderia aquele a que se chegou com uma coligação e um governo liquefeitos, com a confiança pelas ruas da amargura e os mercados desconfiados quanto à nossa capacidade de chegarmos a Junho de 2014 sem um segundo resgate. Ou seja, chegamos a Julho de 2013 numa situação em tudo contrária à que foi prometida quer pelo PR quer pelos partidos que formam a coligação e venceram as eleições legislativas de Junho de 2011.
 
A solução proposta pelo PR não é neste momento solução de coisa alguma. É antes uma "não- solução". Em especial, porque volta a colocar-se à margem dessa mesma solução, deixando os partidos e o País entregues a si próprios, sem que de facto se vislumbre qual a solução final se os partidos - como é previsível - não se entenderem. 
 
Certo é que o PR não aceitou o que lhe foi proposto pelo primeiro-ministro Passos Coelho, pelo que o Governo irá assim continuar a "governar" em estado semi-comatoso, com um líder desacreditado e com um número dois e ministro dos Negócios Estrangeiros cujo sentido de Estado e palavra política deixam tudo a desejar, enfim, com uma ministra das Finanças de ocasião e sem estatuto, isto é, com o governo no limbo.
 
O PR voltou a ficar nas meias-tintas. Já não se trata de uma leitura minimalista dos seus poderes, mas antes de uma leitura desajustada e tardia desses mesmos poderes. Como agora é patente, o PR nunca devia ter viabilizado um governo como o que saiu das eleições de Junho de 2011.
 
Tal como então defendi, e isso se tornou mais evidente com o decurso do tempo e à medida que as pequenas crises - políticas, económicas e constitucionais - agravavam a crise mais geral, há muito que o PR deveria ter tido a iniciativa de promover a formação de um novo governo no actual quadro parlamentar. Ontem como hoje mostrou-se incapaz e revelou estar isolado e sem capacidade de manobra.
 
Quanto aos partidos, a começar pelo PS, seria bom que reanalisassem a actual situação política e os factos ocorridos nos últimos três ou quatro meses e colocassem a mão na consciência.
 
Finalmente, uma palavra final para Passos Coelho e que se resume a uma única pergunta: desautorizado pelo PR da forma como foi pela comunicação de ontem, de que está à espera para apresentar a demissão? Quanto mais tarde o fizer maior será a agitação dos mercados que ele tanto estima e maiores os riscos de condicionamento do regime por força das pressões externas. Se for isto o que pretende Passos Coelho poderá continuar como até aqui. Se tiver ainda alguma réstea de sentido patriótico então é melhor que se despache e se demita, assim facilitando a vida a quem, mesmo contra vontade, terá de encontrar uma solução que remedeie as asneiras que se andaram a fazer durante dois anos e numa altura em que tudo era possível menos o falhanço.  
    
  
 
       

sexta-feira, julho 05, 2013

Para fazer política é preciso ter batido com a cabeça muitas vezes...

O que Medina Carreira diz tem todo o sentido. E muito embora as generalizações sejam sempre perigosas, é hoje indiscutível que são mais os maus exemplos do que os bons exemplos.
As "jotas" são hoje um cancro do regime e mais do que nunca os partidos deveriam caminhar no sentido da mudança. A preparação dos jovens para a política faz-se nas escolas, na vida e nos partidos, após os 16 anos. Enquanto organizações autónomas dentro dos partidos as "jotas" não servem para nada. Basta olhar para o Parlamento e para os sucessivos Governos, dos titulares aos restante pessoal dos gabinetes, para já não falar nas empresas públicas, para se perceber o que tem sido produzido e qual tem sido o produto do trabalho das "jotas".
Há também bons exemplos, pois há, mas esses não precisavam das "jotas" para singrarem e se imporem. Os outros, os medíocres, é que sem elas não teriam obtido uma "licenciatura", não teriam sido autarcas, assessores, adjuntos, deputados e membros do Governo, não teriam sido administradores de empresas públicas, nem teriam arranjado empregos à custa destas. E isto é verdade tanto à direita como à esquerda.  

quinta-feira, julho 04, 2013

Uma PPP com a Maya?

Comprova-se que com a saída de Vítor Gaspar do Governo já não será possível recorrer ao Borda d'Água. Respostas para a crise, pelas declarações do sempre afável Marques Guedes, só mesmo através da leitura dos astros. Não há nada como a sinceridade.

Com meia dúzia como este estávamos safos


A entrevista que o Prof. Adriano Moreira ontem deu à TVI24 é toda ela um tratado de clarividência política. O modo afável, simples e directo como aborda as questões e a análise fluída, linear e esclarecedora, com uma clareza de raciocínio e lógica notáveis, são atributos que apesar dos anos continuam a fazer dele um dos grandes comentadores da actualidade política. É indiscutivelmente um dos grandes senhores do nosso tempo. Numa terra onde escasseiam os verdadeiros talentos na política seria bom que o ouvissem mais. Em especial o Presidente da República. E, se não for pedir de mais, espero que a TVI24 coloque a totalidade da entrevista online
 
"Nunca vi nada de equivalente na vida política" (sobre a actual crise e as circunstâncias em que aconteceu);
 
"O País vai a caminho da bancarrota";
 
"Nos últimos dois anos não fez nada do que anunciou" (sobre Passos Coelho);
 
"A fome não é um dever constitucional. Tudo tem limites";

"O Presidente da República deve assumir a autoridade que se espera do Presidente da República".   

quarta-feira, julho 03, 2013

Graças ao Luís Brandão

 
Mantens-te de pé como uma torre infeliz. Um coração sem alento
conserva-te vivo, desoladoramente vivo, obscuramente ineficaz.
O que buscas no bosque não é uma árvore, nem uma rosa silvestre.
O que buscas, o que desejas para ti, não é teu. O objecto do teu sonho não é senão o fruto do trabalho daqueles que não têm tempo para sonhar. Já não conversas com os vivos, as tuas palavras ostentam um brilho inútil, lembram-me uma candeia tentando iluminar o sol.
O teu cansaço é o de uma orquestra que acabou o concerto e não recebeu um único aplauso, a não ser o dos músicos que elogiam o seu maestro. O público já te virou as costas e sai com a frustrada sensação de um espectáculo medíocre, de um
tempo perdido.
Não te manterás de pé por muito tempo.

Joaquim Pessoa, in ANO COMUM.

terça-feira, julho 02, 2013

Um dia atípico

 
Dedicado a Sua Excelência o senhor Presidente da República e ao senhor primeiro-ministro. Em nome de Portugal e dos portugueses que estoicamente aguentam a insânia que grassa na associação de estudantes do ensino secundário que tomou conta do PSD e do Governo da nação.

A carta

Verdade seja dita que em cada dia que passa me sinto cada vez mais distante de Portugal e dos portugueses. E no entanto estou no meio deles, vivo no meio deles, penso no meio deles. Às vezes também com eles. Os meus defeitos serão os deles, as minhas virtudes, se algumas tiver, também serão as deles. Não consigo, talvez por isso, pensar em "off" da mesma maneira que outros conseguem falar. Dentro de mim tudo se passa em "on" e o "off" será sempre um prelúdio do fim.
 
Confesso que tenho alguma dificuldade em perceber os ínvios caminhos de algumas inteligências que têm o condão de transformar em obscuro o que é claro, de substituírem a transparência pela opacidade, de confundirem um segmento de recta com uma elipse.
 
Numa democracia adulta, com gente séria e intelectualmente honesta, a comunicação não tem segredos, a informação é facilmente acessível a qualquer cidadão e a interpretação dos factos estará sempre balizada pela realidade. O vazio não faz parte da cartilha comunicacional.
 
É certo que a ironia não sofrerá do mal de ausência, mas será sempre de mau gosto ironizar com o corpo ainda quente do moribundo. Porque ele poderá sempre despertar, ressuscitar, voltar ao mundo dos vivos, ainda que o faça em "off", enquanto os seus olhos rodam pela distância que os separa daqueles que procura encontrar.
 
A carta do ex-ministro de Estado e das Finanças não é um testamento político. Menos uma justificação de modéstia. Vítor Gaspar resolveu fazer uma partilha em vida e deixou preparada a habilitação de herdeiros. E isso justifica a chamada de Maria Luís Albuquerque à pasta das Finanças. Não há nisto nada de irónico. Ou de meteorológico, para recordar o almanaque de que todos falam. 
 
O legado que fica nem sempre representa o resultado de uma vida de trabalho. Por vezes será apenas o produto de uma vida vivida em "off", mesmo quando bem vivida.
 
O que ficou não constitui uma confissão de impotência, não significa um acto desesperado, nem é o epílogo de um período conturbado. E não será, seguramente, um acto de lealdade política ou de agradecimento. Uma carta constituirá sempre um testemunho para a posterioridade. Em "on". Tudo o que de bom ou de mau contiver ficará indelevelmente gravado.
 
Eu prefiro os que pensam, dizem e escrevem em "on". Sem rede. O incómodo que isso provoca é não raro uma forma de nos trazer à realidade, de nos fazer olhar à nossa volta, de nos ajudar a crescer.
 
O mesmo não digo da hipocrisia em "on". Esta não é um problema de carácter. Nem sequer da falta dele. É um problema de visão. Mas entre a falta desta em "on" e a franqueza em "off", ainda assim prefiro a primeira. 
 
Numa democracia a decência está sempre em "on". Numa democracia a gente séria não teme as palavras; sabe reconhecer os gestos, e responsabiliza-se. Gente séria não teme a transparência, enquanto qualidade que nos permite ver e inferir, ou os juízos que outros façam das nossas acções. Gente séria não funciona em "off". Está sempre em "on". Os outros, se quiserem, poderão sempre repudiar o legado. Em "on". De outro modo não funciona.