Não é normal que um Presidente da República se queixe do que recebe e que para o fazer não se iniba de esconder os rendimentos que aufere e a verdadeira razão para o lamento. Não é normal que um candidato a primeiro-ministro com um mínimo de seriedade faça promessas que sabe não poder cumprir, por muito grande que seja a fé, seja quanto ao número de empregos cuja criação anuncia a troco de votos, seja quanto ao nível da pressão tributária que se propõe manter ou baixar logo que chegue ao poder. Como não é normal que um partido político sério utilize quando está no poder argumentos diferentes daqueles que usou quando era oposição e que resolveu desvalorizar apenas para se furtar ao escrutínio político e ao incómodo de ter de responder a perguntas cujas respostas se presume seriam desagradáveis e inoportunas para a sua imagem pública e a reputação que se esforça por construir. E também não é normal que numa sociedade democrática livre e transparente se ande permanentemente a iludir e enganar a opinião pública, enquanto se mantém uma postura pública incompatível com os jogos de bastidores. De igual modo, não é normal que conversas reservadas sejam escutadas à revelia dos intervenientes, à margem da lei, sem o seu conhecimento ou consentimento prévio, tenham essas conversas lugar através de uma linha telefónica ou ocorram numa parcela do espaço público. E também penso, já agora, que não é normal que um ministro das Finanças que também é a segunda figura do Governo de um Estado soberano, revele nos contactos com os seus hómologos europeus uma postura de tal forma subserviente e agradecida que se transforme na imagem de um mero serventuário, num funcionário público zeloso sem outra ambição que não seja a de cumprir agradando às suas chefias e aos credores do país. E normal não será que um ministro da Defesa e as chefias militares sejam publicamente enxovalhadas por comunicados de organizações para-sindicais dos seus subordinados e ainda os comentem. Nada disto é normal. Tudo isso é pouco sério e nada gratificante para o Estado, para o regime, para os partidos políticos ou os titulares do órgãos do poder político. Mas talvez por nada ser normal é que tudo seja aceite com tanta normalidade. E se resuma a uma luta política entre líderes (medíocres) de juventudes partidárias e filhos do regime que nunca foram capazes de deixar de o ser porque se recusaram a emancipar-se, porque rejeitaram as responsabilidades e os comportamentos da maioridade. A normalidade em Portugal é cada vez mais a anormalidade do dia-a-dia. Da forma como se vive, se respira e de como alguns conseguirão chegar a velhos. Se lá chegarem. Não tardará, por este andar, por esta resignação cega e contemplativa, por este sofrer que se aceita silencioso e reconhecido, que nos tornemos todos num país de anormais. Nesse dia tudo será normal porque a máscara se terá fundido com o rosto. E, por essa via, ter-se-á integrado na alma. No dia em que isso acontecer espero que a minha alma já se tenha libertado destas grilhetas. Se possível evaporado. Que parta comigo. Não sou o Poeta, por isso não pretendo que ela parta gentil para que eu viva cá na terra sempre triste. Porque nada é mais anormal nesta vida do que viver vendo a alma presa na terra e entre o povo que se ama só porque toda uma geração desgraçada nos conduziu a tão deprimente destino. E persiste.
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