sexta-feira, janeiro 29, 2010
ECCO LA NUOVA F10
Aqui está o novo Ferrari F10 para o Mundial de Fórmula 1. Às mãos de Alonso e de Massa prepara-se para fazer miséria nas pistas desse mundo. Mais uma grande temporada a caminho. Estarei a sonhar ou já há muitos anos que não tínhamos a perspectiva de no mesmo ano imaginarmos o Benfica e a Ferrari campeões? Mais imagens aqui.
quarta-feira, janeiro 27, 2010
TEORICAMENTE, PORQUE TUDO É FICÇÃO
Teoricamente, hoje é dia de abertura do ano judicial.
Teoricamente, porque na prática ele está sempre a ser iniciado. De cada vez que um processo é autuado é sempre um novo ano que começa. Teoricamente, porque na prática e em regra começam sempre vários anos.
Teoricamente, porque na prática vão ser proferidos uns discursos quase iguais aos do ano passado, que na prática eram quase iguais aos de há dois anos, que por sua vez vez eram muito parecidos com os de há três anos. E assim sucessivamente, teoricamente, porque na prática são sempre iguais.
Teoricamente, porque na prática também as becas, as togas e os colares que vão lá estar são exactamente os mesmos que lá estavam há um ano e têm exactamente o mesmo cheiro e o mesmo brilho.
Teoricamente, porque na prática já todos sabemos que todos querem mais e melhor justiça, mais e melhores meios, mais e melhores profissionais, mais e melhor modernização da "máquina judiciária", maior "agilização".
Teoricamente, porque na prática não vai haver nada de novo.
Teoricamente, porque na prática este vai ser mais um ano que vai passar com os mesmos processos que há dois anos aguardam a inscrição em tabela a continuarem a aguardar, ao lado dos mesmos processos que foram objecto de redistribuição a serem de novo redistribuídos e com os mesmos despejos que estão há três anos para ser cumpridos a aguardarem mais um ano a abertura de conclusão ou o ofício da Segurança Social. E por aí fora.
Teoricamente, porque na prática já todos sabem que as custas estão pela hora da morte, que as UC são uma ficção do legislador a somar a tantas outras que a maior parte dos cidadãos vai continuar sem saber o que é nem para que serve e que a única coisa que alcança é que vai ser preciso converter em euros e transferir para um conta daquelas que ninguém sabe que existe no Ministério da Justiça.
Teoricamente, porque na prática todos esperam que as leis continuem a ser mexidas exactamente nos mesmos termos em que foram antes alteradas, republicadas e rectificadas para depois serem suspensas e, teoricamente, objecto de renegociações em "conferência de líderes".
Teoricamente, porque na prática vão todos continuar a queixar-se do sistema, do ministro, dos deputados, dos conselhos, dos sindicatos, de Celeste Cardona, dos advogados e, ultimamente, também do Bastonário e dos comentadores televisivos.
Teoricamente, porque na prática o segredo de justiça vai continuar a ser grosseiramente violado onde devia estar mais garantido e vão continuar a aparecer escutas nos jornais e no Youtube, umas mais ilegais do que outras igualmente ilegais e cuja ilegalidade é muito parecida com aquelas outras escutas que sendo também ilegais afinal eram legais mas também não deviam ter sido conhecidas porque afinal sempre eram ilegais por causa daquele despacho que foi produzido no decurso do processo e que acabou por não ser impugnado porque teoricamente também não era passível de recurso embora houvesse um professor de Direito que tivesse dito que sim, que era recorrível, contra a opinião comum dos doutores que um tipo ali na taberna da esquina dizia que não percebiam nada do assunto porque aquele, o outro, é que falava bem.
Teoricamente, porque na prática já todos esperam que devido ao défice e ao desequilíbrio das contas públicas a Fazenda Nacional vai continuar a liquidar sem curar de saber das leis em vigor, porque na prática ela também não sabe quais são as leis em vigor e, na verdade, o que interessa mesmo é obter receita para os cofres do Estado mesmo que para isso seja necessário entregar a um chefe de repartição todo o poder sobre a matéria e nem o ministro nem o secretário de Estado se atrevam a querer saber o que se passa, ainda que depois o Estado seja processado e o cidadão queira ser ressarcido daquilo que pagou em garantias bancárias para poder impugnar e recorrer durante anos a fio até vir alguém confirmar aquilo que já fora dito na primeira instância e até merecera, contra o parecer do Fisco, pareceres favoráveis do Ministério Público e dos próprios técnicos dos serviços.
Teoricamente, porque na prática, mesmo que seja este ano o ano da decisão do processo chamado "Casa Pia", como já era o ano passado, essa nunca será a decisão final e o processo vai prosseguir durante mais uns bons anos judiciais até outra decisão final que afinal poderá não ser proferida se entretanto houver lugar à prescrição. Teoricamente.
Teoricamente, porque na prática as preocupações de quem recorre à justiça vão ser exactamente as mesmas de quem a ela recorreu há um ano ou há dez.
Teoricamente, porque na prática o Estado vai continuar a ter muita dificuldade em cumprir as decisões condenatórias que lhe são impostas e o organismo condenado não vai pagar ao fim de nove anos porque, entretanto, esgotou a verba e não tem como pagar. E para pagar vai ter de pedir um reforço de verba ao ministro das Finanças para pagar o que devia ter sido pago há nove anos sem juros com a verba que desapareceu e que agora vai custar um balúrdio aos contribuintes enquanto o responsável vai fumando uns charutos e comprando e vendendo umas offshores.
Teoricamente, porque na prática vai continuar a ser possível a um sujeito fechar uma estrada, emparedar entulhar e emparedar as casas dos vizinhos, sem que a autarquia ou a IGAT, que entretanto já passou a IGAL e que anda há anos a estudar o assunto, decidam actuar, enquanto o vizinho pode continuar a abrir e a fechar estradas, limitando-se a GNR a levantar autos para assim dar tempo aos tribunais de decidirem o que nem sequer lá devia ter chegado caso o Estado de Direito funcionasse.
Teoricamente, porque na prática o novo ano judicial é como o Natal, é quando um homem quiser mesmo que nenhum homem o queira e com a única diferença que nestes casos, teoricamente, a coisa nunca acaba bem porque na prática há sempre um gajo que depois de muita violência e humilhação se chateia, não quer saber do ano judicial e do Estado de Direito para nada, enfia um balázio no vizinho e depois vem a televisão fazer a reportagem para no fim o culpado, teoricamente, ao fim de uma data de anos judiciais afinal não ser culpado e acabar, na prática, absolvido, sem mulher, sem filhos, sem amigos, sem dinheiro, sem trabalho e com um papel na mão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a condenar o Estado português, o sistema, os vizinhos, o morto e o ano judicial sem que o pobre saiba exactamente o que há-de fazer com aquilo, teoricamente, porque na prática ele sabe bem para o que serve.
Enfim, teoricamente, poder-se-ia assinalar a abertura de cada ano judicial com uma cerimónia diferente, sem tanta pompa e com menos circunstância, de maneira que todos os cidadãos percebessem o que se quer assinalar com tal cerimónia. Teoricamente, porque na prática, já o dizia o escritor, ninguém quer que nada mude para que tudo, na prática, fique exactamente na mesma. Teoricamente, porque na prática nunca fica nada na mesma. Porque, teoricamente, os presidentes dos clubes de futebol são parecidos com alguns juristas e deputados que, na prática, afinal são mesmo é dirigentes desportivos e percebem tanto de leis como de futebol e fazem regulamentos desportivos ao nível das leis que votam quando estão no Parlamento e que, teoricamente, são perfeitos, mas que depois, na prática, precisam de ser emendados e reinterpretados para se tornarem exequíveis em competições profissionais tão oficiais como cada ano judicial.
Teoricamente tudo é possível porque na prática nada é possível. Como na justiça desportiva. É esse o sentido da abertura de cada novo ano judicial. Teoricamente, é claro.
Porque na prática será indiferente chamar-lhe abertura do novo ano judicial ou, como refere a notícia, "a abertura do asno judicial". É que teoricamente somos todos asnos. Teoricamente, porque na prática uns são mais asnos do que os outros. Teoricamente. Na prática há uns que os pagam. Os anos e os asnos. Todos os anos, infalivelmente, e com juros. Mesmo que cheguem sempre a horas, cumpram os prazos e paguem as UC. Mas isto é teoricamente. A teoria é falível. Na prática nada disto acontece.
Teoricamente, porque na prática ele está sempre a ser iniciado. De cada vez que um processo é autuado é sempre um novo ano que começa. Teoricamente, porque na prática e em regra começam sempre vários anos.
Teoricamente, porque na prática vão ser proferidos uns discursos quase iguais aos do ano passado, que na prática eram quase iguais aos de há dois anos, que por sua vez vez eram muito parecidos com os de há três anos. E assim sucessivamente, teoricamente, porque na prática são sempre iguais.
Teoricamente, porque na prática também as becas, as togas e os colares que vão lá estar são exactamente os mesmos que lá estavam há um ano e têm exactamente o mesmo cheiro e o mesmo brilho.
Teoricamente, porque na prática já todos sabemos que todos querem mais e melhor justiça, mais e melhores meios, mais e melhores profissionais, mais e melhor modernização da "máquina judiciária", maior "agilização".
Teoricamente, porque na prática não vai haver nada de novo.
Teoricamente, porque na prática este vai ser mais um ano que vai passar com os mesmos processos que há dois anos aguardam a inscrição em tabela a continuarem a aguardar, ao lado dos mesmos processos que foram objecto de redistribuição a serem de novo redistribuídos e com os mesmos despejos que estão há três anos para ser cumpridos a aguardarem mais um ano a abertura de conclusão ou o ofício da Segurança Social. E por aí fora.
Teoricamente, porque na prática já todos sabem que as custas estão pela hora da morte, que as UC são uma ficção do legislador a somar a tantas outras que a maior parte dos cidadãos vai continuar sem saber o que é nem para que serve e que a única coisa que alcança é que vai ser preciso converter em euros e transferir para um conta daquelas que ninguém sabe que existe no Ministério da Justiça.
Teoricamente, porque na prática todos esperam que as leis continuem a ser mexidas exactamente nos mesmos termos em que foram antes alteradas, republicadas e rectificadas para depois serem suspensas e, teoricamente, objecto de renegociações em "conferência de líderes".
Teoricamente, porque na prática vão todos continuar a queixar-se do sistema, do ministro, dos deputados, dos conselhos, dos sindicatos, de Celeste Cardona, dos advogados e, ultimamente, também do Bastonário e dos comentadores televisivos.
Teoricamente, porque na prática o segredo de justiça vai continuar a ser grosseiramente violado onde devia estar mais garantido e vão continuar a aparecer escutas nos jornais e no Youtube, umas mais ilegais do que outras igualmente ilegais e cuja ilegalidade é muito parecida com aquelas outras escutas que sendo também ilegais afinal eram legais mas também não deviam ter sido conhecidas porque afinal sempre eram ilegais por causa daquele despacho que foi produzido no decurso do processo e que acabou por não ser impugnado porque teoricamente também não era passível de recurso embora houvesse um professor de Direito que tivesse dito que sim, que era recorrível, contra a opinião comum dos doutores que um tipo ali na taberna da esquina dizia que não percebiam nada do assunto porque aquele, o outro, é que falava bem.
Teoricamente, porque na prática já todos esperam que devido ao défice e ao desequilíbrio das contas públicas a Fazenda Nacional vai continuar a liquidar sem curar de saber das leis em vigor, porque na prática ela também não sabe quais são as leis em vigor e, na verdade, o que interessa mesmo é obter receita para os cofres do Estado mesmo que para isso seja necessário entregar a um chefe de repartição todo o poder sobre a matéria e nem o ministro nem o secretário de Estado se atrevam a querer saber o que se passa, ainda que depois o Estado seja processado e o cidadão queira ser ressarcido daquilo que pagou em garantias bancárias para poder impugnar e recorrer durante anos a fio até vir alguém confirmar aquilo que já fora dito na primeira instância e até merecera, contra o parecer do Fisco, pareceres favoráveis do Ministério Público e dos próprios técnicos dos serviços.
Teoricamente, porque na prática, mesmo que seja este ano o ano da decisão do processo chamado "Casa Pia", como já era o ano passado, essa nunca será a decisão final e o processo vai prosseguir durante mais uns bons anos judiciais até outra decisão final que afinal poderá não ser proferida se entretanto houver lugar à prescrição. Teoricamente.
Teoricamente, porque na prática as preocupações de quem recorre à justiça vão ser exactamente as mesmas de quem a ela recorreu há um ano ou há dez.
Teoricamente, porque na prática o Estado vai continuar a ter muita dificuldade em cumprir as decisões condenatórias que lhe são impostas e o organismo condenado não vai pagar ao fim de nove anos porque, entretanto, esgotou a verba e não tem como pagar. E para pagar vai ter de pedir um reforço de verba ao ministro das Finanças para pagar o que devia ter sido pago há nove anos sem juros com a verba que desapareceu e que agora vai custar um balúrdio aos contribuintes enquanto o responsável vai fumando uns charutos e comprando e vendendo umas offshores.
Teoricamente, porque na prática vai continuar a ser possível a um sujeito fechar uma estrada, emparedar entulhar e emparedar as casas dos vizinhos, sem que a autarquia ou a IGAT, que entretanto já passou a IGAL e que anda há anos a estudar o assunto, decidam actuar, enquanto o vizinho pode continuar a abrir e a fechar estradas, limitando-se a GNR a levantar autos para assim dar tempo aos tribunais de decidirem o que nem sequer lá devia ter chegado caso o Estado de Direito funcionasse.
Teoricamente, porque na prática o novo ano judicial é como o Natal, é quando um homem quiser mesmo que nenhum homem o queira e com a única diferença que nestes casos, teoricamente, a coisa nunca acaba bem porque na prática há sempre um gajo que depois de muita violência e humilhação se chateia, não quer saber do ano judicial e do Estado de Direito para nada, enfia um balázio no vizinho e depois vem a televisão fazer a reportagem para no fim o culpado, teoricamente, ao fim de uma data de anos judiciais afinal não ser culpado e acabar, na prática, absolvido, sem mulher, sem filhos, sem amigos, sem dinheiro, sem trabalho e com um papel na mão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a condenar o Estado português, o sistema, os vizinhos, o morto e o ano judicial sem que o pobre saiba exactamente o que há-de fazer com aquilo, teoricamente, porque na prática ele sabe bem para o que serve.
Enfim, teoricamente, poder-se-ia assinalar a abertura de cada ano judicial com uma cerimónia diferente, sem tanta pompa e com menos circunstância, de maneira que todos os cidadãos percebessem o que se quer assinalar com tal cerimónia. Teoricamente, porque na prática, já o dizia o escritor, ninguém quer que nada mude para que tudo, na prática, fique exactamente na mesma. Teoricamente, porque na prática nunca fica nada na mesma. Porque, teoricamente, os presidentes dos clubes de futebol são parecidos com alguns juristas e deputados que, na prática, afinal são mesmo é dirigentes desportivos e percebem tanto de leis como de futebol e fazem regulamentos desportivos ao nível das leis que votam quando estão no Parlamento e que, teoricamente, são perfeitos, mas que depois, na prática, precisam de ser emendados e reinterpretados para se tornarem exequíveis em competições profissionais tão oficiais como cada ano judicial.
Teoricamente tudo é possível porque na prática nada é possível. Como na justiça desportiva. É esse o sentido da abertura de cada novo ano judicial. Teoricamente, é claro.
Porque na prática será indiferente chamar-lhe abertura do novo ano judicial ou, como refere a notícia, "a abertura do asno judicial". É que teoricamente somos todos asnos. Teoricamente, porque na prática uns são mais asnos do que os outros. Teoricamente. Na prática há uns que os pagam. Os anos e os asnos. Todos os anos, infalivelmente, e com juros. Mesmo que cheguem sempre a horas, cumpram os prazos e paguem as UC. Mas isto é teoricamente. A teoria é falível. Na prática nada disto acontece.
quarta-feira, janeiro 20, 2010
MAIS UM QUE REGRESSA
Interessante entrevista de Nuno Lima Bastos ao Ponto Final. Ex-dirigente local e militante do PSD, homem de espírito aberto e independente, vale a pena ler o que ele diz sobre o antes e o depois da transição de Macau. Curiosamente, o título dessa entrevista foi há mais de uma década o tema de uma das minhas últimas crónicas nesse mesmo jornal, a anteceder a minha própria partida. A história repete-se. Os actores não. Boa viagem, Nuno.
terça-feira, janeiro 19, 2010
UM ACTO DE JUSTIÇA
Já aqui tinha deixado entender, fazendo minhas as palavras de Camões, o que penso sobre a atribuição de condecorações a eito, como é o caso das que têm sido distribuídas entre nós.
É evidente que o problema não começou com Cavaco Silva, correspondendo antes a uma prática instalada há décadas.
Ao olharmos para a galeria de medalhados do regime, para o número verdadeiramente indecoroso de agraciados e para os progressos que o país registou à custa desses mesmos medalhados (e isto é que importa sublinhar), facilmente concluímos que se esses medalhados tivessem metade do mérito que as palavras que lhes foram ditas lhes atribuíram, e o alto nível das condecorações oferecidas deixa perceber, o País não estaria como está.
De que serve ter um português à frente da União Europeia, outro ex-primeiro ministro como Alto Comissário para os Refugiados e milhares de medalhados por altos serviços prestados, se o Estado está como está, se temos mais de meio milhão de desempregados e se são cada vez mais os portugueses que não têm para pagar o aquecimento ou comprar uma posta de peixe?
Aquilo que deveria servir para manifestar o reconhecimento de todos, todos, os portugueses pelos relevantes serviços prestados à Pátria, ao Estado e à Nação pelos cidadãos condecorados, tornou-se num gesto corriqueiro destinado a agraciar funcionários públicos, ainda que bem pagos, e clientelas políticas e empresariais, sendo cada vez mais raros os casos em que a atribuição de uma medalha é consensual e de inteira justiça. Não aos olhos de quem atribui, mas aos olhos em nome de quem elas são apostas, único critério que deveria estar presente na hora da decisão.
Por tudo isso, enquanto português e cidadão, sinto verdadeiro asco quando vejo serem agraciados políticos profissionais - enquanto agraciado Pedro Santana Lopes não tem culpa nenhuma - e nojo sinto quando o critério da atribuição da honraria reside, inclusivamente, no facto de, in casu, como foi por diversas vezes referido, Santana Lopes ser o único primeiro-ministro que ainda não tinha sido condecorado. Como se tal critério pudesse valer entre gente inteligente, responsável e consciente do seu papel, ou como se houvesse condecoração maior, honra maior, do que ter servido Portugal e os portugueses como primeiro-ministro ou ministro da República.
Aliás, as mordomias inerentes a algumas funções, e a forma como o poder político retribui os seus pelo exercício de funções de Estado, promovendo esses servidores, alguns simplesmente medíocres, sem currículo, obra ou sequer qualificações que os guindassem aos lugares que ocuparam (e ocupam), a administradores de empresas públicas e participadas e banqueiros, num vergonhoso carrossel de lugares e recompensas até à sua reforma, muitas vezes à custa de erros políticos que deviam dar cadeia pelos custos que representam, parece-me forma de compensação mais do que suficiente, e já de si suficientemente indecorosa, que deveria bastar para que os medalhados sentissem alguma repulsa, já não digo vergonha, pelo recebimento deste tipo de condecorações.
Transformar um mandato sofrível, um desastre orçamental, um desconchavo governativo permanente que até mereceu acusações de traição em directo por parte de "amigos do peito" e companheiros de partido, por sinal o mesmo onde militou Cavaco Silva, que mais pareciam amigos da onça, num "acto de justiça", só pode ser entendido como um acto de pública ignomínia.
É, pois, natural, que o anúncio da candidatura de Manuel Alegre à Presidência da República, com tudo o que isso significa para um presidente em exercício, no seu primeiro mandato e a um ano de vista das próximas eleições presidenciais, não esteja no rol das preocupações de Cavaco Silva.
Hoje ficou-se a perceber um pouco melhor porquê. É que no rol das preocupações de Cavaco Silva, Presidente da República, estava exactamente condecorar Pedro Santana Lopes, ainda que para preservar uma "longa tradição", que tem tanto de paroquial quanto de atávica, mas que muito honra a Chancelaria das Ordens Honoríficas Portuguesas, se tenha acabado de espetar mais um prego no caixão deste regime.
Estranho o silêncio de uma certa direita, sempre atenta quando se trata de defender os seus valores, alguns dos quais não são seu exclusivo, mas que nada diz perante tamanha afronta à dignidade do regime, talvez ciente de que o seu silêncio ainda poderá vir a ser recompensado com uma aliança no futuro que lhe permita de novo ascender ao sacrossanto poder.
Seria bom que o próximo Presidente da República, e já agora o secretário-geral do Partido Socialista, fossem pensando nestas coisas para quando chegar a hora, não do Juízo Final, que isso é com outro rosário, mas de acertar contas com a República. E mesmo assim não sei se algum dia ela estará disposta a perdoar-lhes.
É evidente que o problema não começou com Cavaco Silva, correspondendo antes a uma prática instalada há décadas.
Ao olharmos para a galeria de medalhados do regime, para o número verdadeiramente indecoroso de agraciados e para os progressos que o país registou à custa desses mesmos medalhados (e isto é que importa sublinhar), facilmente concluímos que se esses medalhados tivessem metade do mérito que as palavras que lhes foram ditas lhes atribuíram, e o alto nível das condecorações oferecidas deixa perceber, o País não estaria como está.
De que serve ter um português à frente da União Europeia, outro ex-primeiro ministro como Alto Comissário para os Refugiados e milhares de medalhados por altos serviços prestados, se o Estado está como está, se temos mais de meio milhão de desempregados e se são cada vez mais os portugueses que não têm para pagar o aquecimento ou comprar uma posta de peixe?
Aquilo que deveria servir para manifestar o reconhecimento de todos, todos, os portugueses pelos relevantes serviços prestados à Pátria, ao Estado e à Nação pelos cidadãos condecorados, tornou-se num gesto corriqueiro destinado a agraciar funcionários públicos, ainda que bem pagos, e clientelas políticas e empresariais, sendo cada vez mais raros os casos em que a atribuição de uma medalha é consensual e de inteira justiça. Não aos olhos de quem atribui, mas aos olhos em nome de quem elas são apostas, único critério que deveria estar presente na hora da decisão.
Por tudo isso, enquanto português e cidadão, sinto verdadeiro asco quando vejo serem agraciados políticos profissionais - enquanto agraciado Pedro Santana Lopes não tem culpa nenhuma - e nojo sinto quando o critério da atribuição da honraria reside, inclusivamente, no facto de, in casu, como foi por diversas vezes referido, Santana Lopes ser o único primeiro-ministro que ainda não tinha sido condecorado. Como se tal critério pudesse valer entre gente inteligente, responsável e consciente do seu papel, ou como se houvesse condecoração maior, honra maior, do que ter servido Portugal e os portugueses como primeiro-ministro ou ministro da República.
Aliás, as mordomias inerentes a algumas funções, e a forma como o poder político retribui os seus pelo exercício de funções de Estado, promovendo esses servidores, alguns simplesmente medíocres, sem currículo, obra ou sequer qualificações que os guindassem aos lugares que ocuparam (e ocupam), a administradores de empresas públicas e participadas e banqueiros, num vergonhoso carrossel de lugares e recompensas até à sua reforma, muitas vezes à custa de erros políticos que deviam dar cadeia pelos custos que representam, parece-me forma de compensação mais do que suficiente, e já de si suficientemente indecorosa, que deveria bastar para que os medalhados sentissem alguma repulsa, já não digo vergonha, pelo recebimento deste tipo de condecorações.
Transformar um mandato sofrível, um desastre orçamental, um desconchavo governativo permanente que até mereceu acusações de traição em directo por parte de "amigos do peito" e companheiros de partido, por sinal o mesmo onde militou Cavaco Silva, que mais pareciam amigos da onça, num "acto de justiça", só pode ser entendido como um acto de pública ignomínia.
É, pois, natural, que o anúncio da candidatura de Manuel Alegre à Presidência da República, com tudo o que isso significa para um presidente em exercício, no seu primeiro mandato e a um ano de vista das próximas eleições presidenciais, não esteja no rol das preocupações de Cavaco Silva.
Hoje ficou-se a perceber um pouco melhor porquê. É que no rol das preocupações de Cavaco Silva, Presidente da República, estava exactamente condecorar Pedro Santana Lopes, ainda que para preservar uma "longa tradição", que tem tanto de paroquial quanto de atávica, mas que muito honra a Chancelaria das Ordens Honoríficas Portuguesas, se tenha acabado de espetar mais um prego no caixão deste regime.
Estranho o silêncio de uma certa direita, sempre atenta quando se trata de defender os seus valores, alguns dos quais não são seu exclusivo, mas que nada diz perante tamanha afronta à dignidade do regime, talvez ciente de que o seu silêncio ainda poderá vir a ser recompensado com uma aliança no futuro que lhe permita de novo ascender ao sacrossanto poder.
Seria bom que o próximo Presidente da República, e já agora o secretário-geral do Partido Socialista, fossem pensando nestas coisas para quando chegar a hora, não do Juízo Final, que isso é com outro rosário, mas de acertar contas com a República. E mesmo assim não sei se algum dia ela estará disposta a perdoar-lhes.
segunda-feira, janeiro 18, 2010
GEOMETRIAS NÃO-EUCLIDIANAS
Hoje lembrei-me de Álvaro de Campos e escrevi algumas linhas sobre as geometrias não-euclidianas. Também tenho medo que haja verdades que não passem incólumes à História. Aqui, no Delito de Opinião.
sexta-feira, janeiro 15, 2010
A COISA PROMETE
Refiro-me ao fim-de-semana. Começou já hoje com a notícia da atribuição de uma condecoração a um senhor que anda por aí; prosseguirá com o George Dandin, de Molière, no Teatro Lethes, e amanhã, logo de manhã, temos o homem do Presidente no Expresso. Vamos ver se me aguento sem dores de barriga. Vai ser um fartote!
quinta-feira, janeiro 14, 2010
UM PAÍS INEXISTENTE
O Haiti foi agora engolido por um terramoto. Antes tinha sido engolido pelos Duvalier e pelos Tonton Macoutes. A Guiné-Bissau foi engolida pela cocaína e pelos gangs que tomaram conta do país. São povos que sofrem sem que a comunidade internacional consiga, há décadas, fazer reverter a situação. As fotografias e a reportagem de Marco Vernaschi na última edição do L'Espresso dizem bem do estado a que chegou a antiga colónia portuguesa. A Guiné-Bissau não chega sequer a ser um Estado falhado. A Guiné-Bissau, para desgraça do seu povo e vergonha de todos nós, é um não-Estado.
SEGUNDOS DE TERROR
Um câmara de vídeo de Port-au-Prince dá-nos uma pequena ideia do que aconteceu ao final da tarde de 12 de Janeiro.
quarta-feira, janeiro 13, 2010
COMEÇA A SER UM CASO SÉRIO
Será que o senhor deputado ainda não percebeu que já anda a falar demais? Não seria bom que alguém lhe chamasse a atenção e moderasse a sua incontinência verbal? Não haverá ninguém no grupo parlamentar que lhe diga isso?
QUANDO DEUS SE AUSENTA
(Reuters)
A dimensão da catástrofe vivida a noite passada em Port-au-Prince, cuja imagem menos obscena é a que encima este post (mais imagens aqui), obriga-nos apenas a perguntar porquê? O Haiti é uma das nações mais pobres do mundo, onde uma violência extrema tem coexistido com a miséria, com a pobreza, com o roubo descarado dos recursos públicos, com a tortura, com a humilhação, com a corrupção, com o terrorismo de Estado. E, no entanto, no Haiti há gente. Gente que apenas aspira a um pouco de paz e de pão, gente para quem a satisfação das suas necessidades básicas já seria um poderoso tónico à sobrevivência, ao reencontro com os da mesma espécie que vivem na sociedade da abundância e do desperdício. Provavelmente poderia ter acontecido em qualquer outro local. Mas não, foi ali que se abriu um fenda, foi ali no meio de milhões de pobres, miseráveis e desgraçados que a terra resolveu tremer. Quando uma catástrofe como a que se abateu sobre o Haiti acontece há algo que nos ultrapassa e apela ao sobrenatural. Dir-se-ia que Deus se ausentou e deixou aquela gente entregue à sua sorte. Já não bastava o saque dos Duvalier, nem todas as réplicas de "Papa Doc" e "Bébé Doc" que se lhe seguiram. Ainda faltava mais alguma coisa. Faltava o golpe de misericórdia. Porquê? Que fizeram eles para merecer tal destino? Porquê?
terça-feira, janeiro 12, 2010
CUBANISMO
CUBANISMO: sistema nascido no regime político cubano que pretende conciliar a vontade de emigrar dos seus melhores quadros com as exigências de liberdade individual e a necessidade de obter divisas para o país, o que é conseguido através da celebração de acordos com países como Portugal, onde os médicos cubanos recebem 2500 euros mensais, como qualquer outro trabalhador com as mesmas qualificações, mas só podem dispor no seu dia-a-dia de 500 euros, sabendo que se se queixarem o futuro será ainda mais negro; doutrina defendida por alguns políticos e intelectuais portugueses que perante a evidência dos factos se remetem ao silêncio quando confrontados com situações de abuso patrocinadas pelos regimes cubano e venezuelano e que se verificadas com cidadãos do seu próprio país considerariam intolerável.
O DRAMA DA ASSINATURA
O drama que rodeará a decisão de Cavaco Silva sobre a assinatura do diploma que aprovou o casamento entre pessoas do mesmo sexo poderia ser um bom enredo para uma tragédia grega.
Se há coisa que eu não goste é de gente sem opinião, de tipos do género não se saber se são carne se peixe, que ninguém sabe o que pensam ou o que opinam sobre este ou aquele assunto da actualidade e que se vão acomodando ao sabor das correntes.
Independentemente de ser uma decisão política e de ter resolvido o problema de uma minoria, o diploma agora aprovado obrigará o Presidente da República a definir-se, coisa que até hoje ainda não fez. Nenhum português sabe o que ele pensa sobre o assunto.
Nós podemos imaginar o que ele pensará, mas nunca o ouvimos dizer preto no branco, na posição em que está, se é favor ou se está contra, se assim está bem ou se queria de outro modo. O dizer que não é prioridade não quer dizer nada. Para mim também não era e agora está arrumado.
Se o Presidente suscitar a questão da inconstitucionalidade, então estará a dizer ao Tribunal Constitucional que como está não está bem e arrisca-se a que o TC venha dizer que a adopção deverá ser incluída no diploma.
Uma decisão dessas obrigaria o Parlamento a alargar o regime à adopção, mas deixaria Cavaco Silva descalço, pois seria ele a promover que a Assembleia viesse dizer mais do que aquilo que foi aprovado.
Se nada disser e assinar simplesmente, será visto aos olhos da sua base de apoio como um renegado, quase como que um "traidor".
Se vetar politicamente, posição que apesar de tudo me parece a mais sensata e compreensível aos olhos da opinião pública, em função dos valores e princípios que tem defendido, marcará uma posição mas não se livrará de ser atacado à direita e à esquerda.
Qualquer que venha ser a solução, de uma coisa estou certo: no final, se tomar a decisão de se recandidatar, já não será o mesmo homem que em 2006 venceu as eleições presidenciais.
Se há coisa que eu não goste é de gente sem opinião, de tipos do género não se saber se são carne se peixe, que ninguém sabe o que pensam ou o que opinam sobre este ou aquele assunto da actualidade e que se vão acomodando ao sabor das correntes.
Independentemente de ser uma decisão política e de ter resolvido o problema de uma minoria, o diploma agora aprovado obrigará o Presidente da República a definir-se, coisa que até hoje ainda não fez. Nenhum português sabe o que ele pensa sobre o assunto.
Nós podemos imaginar o que ele pensará, mas nunca o ouvimos dizer preto no branco, na posição em que está, se é favor ou se está contra, se assim está bem ou se queria de outro modo. O dizer que não é prioridade não quer dizer nada. Para mim também não era e agora está arrumado.
Se o Presidente suscitar a questão da inconstitucionalidade, então estará a dizer ao Tribunal Constitucional que como está não está bem e arrisca-se a que o TC venha dizer que a adopção deverá ser incluída no diploma.
Uma decisão dessas obrigaria o Parlamento a alargar o regime à adopção, mas deixaria Cavaco Silva descalço, pois seria ele a promover que a Assembleia viesse dizer mais do que aquilo que foi aprovado.
Se nada disser e assinar simplesmente, será visto aos olhos da sua base de apoio como um renegado, quase como que um "traidor".
Se vetar politicamente, posição que apesar de tudo me parece a mais sensata e compreensível aos olhos da opinião pública, em função dos valores e princípios que tem defendido, marcará uma posição mas não se livrará de ser atacado à direita e à esquerda.
Qualquer que venha ser a solução, de uma coisa estou certo: no final, se tomar a decisão de se recandidatar, já não será o mesmo homem que em 2006 venceu as eleições presidenciais.
SATISFAÇÃO
Em ano de centenário da República, a preocupação que os movimentos de Manuel Alegre estão a gerar à direita e à esquerda, motivando a cada momento discursos de apreensão e a vontade de introduzir grãos de areia na engrenagem, não pode deixar de me fazer sorrir.
Não tenho dúvidas de que a excelente entrevista ao Expresso ainda irá fazer correr muita tinta e obrigará muita gente a beliscar-se.
É verdade que também não sei se será ele o melhor candidato, nem se será "o candidato", mas como também não acredito em líderes providenciais, mas apenas em homens educados, cultos, sérios, decentes e motivados, confesso que me dá muito gozo ver tanta gente sem saber para que lado se virar.
Com um Cavaco Silva que a meio do mandato já vivia em estado de letargia, sem saber se sentia mais desconforto com o resultado obtido com a venda das acções que possuía da SLN e que num primeiro momento omitiu, se com a permanência de Dias Loureiro no Conselho de Estado ou com as notícias que vinham do Público e do Diário de Notícias, é bom que quem se preocupa com o futuro deste país e do seu povo, vendo um pouco mais longe do que a linha do horizonte e sabendo o que está nas suas costas, diga logo ao que vem e o que quer.
Alegre poderá não ser o presidente de todos os portugueses - coisa que nenhum conseguiu ser apesar de Jorge Sampaio ter sido o que mais próximo esteve disso (só não conseguiu agradar a Santana Lopes, mas também não era fácil) -, como Cavaco Silva também não é, e em cada dia que passa é ainda menos, mas sempre poderá vir a ser "Um Presidente como nós". E isso já seria alguma coisa numa nação em profunda crise.
segunda-feira, janeiro 11, 2010
NOVE
Está quase a estrear o novo filme de Rob Marshall. Trata-se ,de um musical que conta no elenco com Nicole Kidman, Kate Hudson, Penélope Cruz, Marion Cotillard, Stacy Fergunson e Sophia Loren. O argumento é de Anthony Minghella. O trailer oficial está aqui e vale a pena dar uma vista de olhos. A coisa promete.
sábado, janeiro 09, 2010
NÃO DEIXEM DE LER
Este post da Teresa Ribeiro no Delito de Opinião. Há exposições cujo mau gosto é tão atroz que não as deixa passar despercebidas.
sexta-feira, janeiro 08, 2010
DÚVIDAS
Será que também vão questionar o Governo sobre a localização proposta para a IKEA no concelho de Loulé? Ou será que isso já não é com eles? E o engº Macário Correia está de acordo que a obra se faça em zona de reserva agrícola nacional? Também considera que é tudo transparente e que são só mais uns hectares?
MAIS UM AUTARCA-MODELO
«O que está aqui em causa é saber se é mais importante preservar alguns hectares de terreno agrícola, quando há cada vez menos agricultura no Algarve, ou viabilizar um projecto diferenciado que significa um investimento de 300 milhões de euros na região e a criação de três mil postos de trabalho directos» - Seruca Emídio, presidente da Câmara Municipal de Loulé, no Barlavento, sobre o projecto da IKEA para o seu concelho.
O melhor mesmo é acabar com a agricultura e com os agricultores e transformarmo-nos todos em térmitas. Sempre poderíamos ir comendo alguma madeira, sei lá, sobreiros, contraplacado de fusão produzido por algum "chef" da Estação de Loulé. É tudo muito transparente, como é bom de ver.
O melhor mesmo é acabar com a agricultura e com os agricultores e transformarmo-nos todos em térmitas. Sempre poderíamos ir comendo alguma madeira, sei lá, sobreiros, contraplacado de fusão produzido por algum "chef" da Estação de Loulé. É tudo muito transparente, como é bom de ver.
BEM ME PARECIA
Aqui está a confirmação da paz podre. Na continuação da luta a APDE não poderá ser acusada de falta de franqueza ou deslealdade. Pessimista? Eu?
A LUTA CONTINUA
Talvez ainda não fosse 1h quando ouvi Isabel Alçada anunciar o acordo a que chegara com a maioria dos sindicatos dos professores. Senti que a sua satisfação era genuína, bem-intencionada. Fiquei, por isso mesmo, satisfeito por perceber que a "guerra" tinha chegado ao fim e que, finalmente, o ensino ia viver algum descanso, que os professores e os alunos iriam finalmente poder trabalhar em sossego. Pura ilusão. Logo a seguir entrou Mário Nogueira para a mesma mesa de onde acabara de sair a senhora ministra e, vai daí, rapou de uma cábula e começou a assinalar os pontos onde o "acordo" ficou para depois. No meio da lengalenga que debitou às massas madrugada fora para assinalar que por agora era assim mas que a negociação irá continuar, deu para perceber que tudo se resumia a um velho chavão da vulgata comunista: a luta continua. E que o acordo a que os professores chegaram só é para valer até ver. Só então realizei que estamos apenas num interlúdio e que na 5 de Outubro se continuará a viver numa paz artificial. Até que Mário Nogueira volte a esticar a corda. O acordo que de boa fé a ministra Isabel Alçada anunciou aos portugueses só foi possível naquela altura e ao fim de 14 horas de negociação porque os sindicatos perceberam que estavam a perder força junto da opinião pública. E por ser assim é que os sindicalistas se sentiram na necessidade de justificar o acordo junto dos seus. Quando assim é não há boa fé que resista.
quinta-feira, janeiro 07, 2010
VINTE E QUATRO HORAS
Vinte e quatro horas é um tempo ínfimo na vida de uma nação. Mesmo em relação ao cidadão médio, vinte e quatro horas representam a mais pequenina fracção do todo que é a sua própria vida. Podem atrasar mas não inviabilizam.
Quem olhe com alguma atenção para dois ou três factos conhecidos nas últimas vinte e quatro horas não pode deixar de ficar aturdido. Aturdido e revoltado.
Em 2005, uma das primeiras medidas do então ministro da Justiça foi reduzir a metade o período de férias judiciais que vigorava há décadas. Logo vieram as corporações criticar a demagógica medida, realçando o quanto ela tinha de errado, invocando a necessidade da manutenção do status quo vigente já que não era essa a razão maior para os atrasos na justiça. Todavia, a medida parecia colher algum aplauso junto da opinião pública e avançou.
Quatro anos volvidos, período que como todos sabem é ligeiramente superior a vinte e quatro horas, o novo ministro da Justiça confrontado com a perfeita inutilidade da medida então tomada e dando razão às críticas que vinham de um lado e do outro da barricada - muitas diligências continuavam a não se fazer depois de 15 de Julho porque já havia magistrados de férias e poucas eram as diligências agendadas entre 1 e 15 de Setembro porque também havia quem ainda não tivesse chegado de férias - anunciou a sua alteração. Agora, pelo que percebi, não se visa a reposição do sistema anterior a 2005, mas tão só suspender os prazos entre 15 e 30 de Julho, mantendo durante o mês de Agosto os tribunais encerrados.
A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) já veio dizer que está contra essa decisão "corporativa", pois no seu entender ela apenas prossegue "os interesses dos advogados" e "só serve para resolver o problema das férias dos advogados". Eu não sei o que têm as férias dos advogados de tão extraordinário que desencadeiem a "ira" da associação sindical, tanto mais que trabalho sozinho e não tenho a quem recorrer para poder ir de férias descansado, embora também saiba que quando um juiz está de férias há colectivos que ficam pendurados. E não são poucas as vezes, como toda a gente sabe, em que os processos também não andam mesmo quando os senhores juízes não estão de férias, por razões que só eles sabem, e que os prazos para eles são normalmente considerados como meramente indicativos, ao contrário do que sucede com as partes, razão para a qual há processos há vários anos à espera de uma decisão enquanto o cidadão contribuinte espera, desespera e continua a pagar a sofreguidão fiscal.
Ao mesmo tempo que a ASJP se pronunciava por causa do problema das férias, os portugueses ficaram a saber que cerca de 99,5% dos professores eram habitualmente classificados entre o Bom e o Muito Bom, ou seja, houve menos de 0,5% de professores classificados com Regular ou Insuficiente, o que leva a ministra da Educação a considerar que nem todos poderão chegar ao topo da carreira, sob pena de termos carreiras quadradas e não piramidais. E que a mim me leva à conclusão óbvia de que os alunos portugueses são todos burros, já que com professores tão bons não há outra explicação para as taxas de insucesso escolar e os níveis arrepiantes de ignorância e iliteracia a todos os níveis patenteados.
A FENPROF, que como diria Manuel Laranjeira é uma organização representativa de uma parte dos professores dirigida por um conjunto de líderes messiânicos encabeçados por um Moisés, que a meu ver transmite à opinião pública a ideia de que os seus seguidores deverão ir constantemente errando na sua luta até que lhes seja indicado o caminho da salvação, veio logo esclarecer a nação de que a ministra fazia demagogia e que as suas declarações foram "infelizes", já que os números divulgados iludiam o facto de a esmagadora maioria dos professores terem sido "avaliados com base em critérios difíceis de diferenciar" (sic). Por tal razão, mesmo antes de se voltarem a reunir, já retomaram a ameaça feita em 30 de Dezembro de "recorrer imediatamente à Assembleia da República". Quer isto dizer que sem a Intersindical para impor os seus pontos de vista, o recurso, em caso de falhanço, deverá ser feito ao Parlamento, já que lá deverá haver alguém disposto a defender e impor ao Governo legítimo da nação as teses da FENPROF.
Tudo isto me faz ainda mais confusão quando lá fora, um dos mais influentes jornais de Itália, lido em toda a Europa e no mundo, o Corriere della Sera, escreve que a inteligência de um emigrante português está a revolucionar o futebol italiano, a ponto de dizer que ele poderá não conhecer o jogo como o conhece um técnico italiano, "mas usa-o melhor" e que o erro dos seus colegas foi terem-no julgado pelos parâmetros italianos. A sua força não está na adopção de modelos conhecidos, nem no instinto, mas acima de tudo na inteligência, o que o conduziu a romper com os modelos tradicionais, formando uma equipa praticamente inatacável. O resultado está à vista: a sua equipa comanda destacada o campeonato italiano pelo 2º ano consecutivo e prepara-se para arrecadar mais um título. Ver o que Mourinho faz em Itália, ou o que antes fez em Inglaterra, e olhar para o que entre nós se vai fazendo, não pode deixar de ser devastador.
Se há pouco referi Laranjeira não foi por acaso. É que 100 anos depois, tudo aquilo que ele disse e escreveu sobre nós continua actual e, lamentavelmente, ignorado.
Entre outras coisas, escrevia ele nesse texto lapidar que é "O Pessimismo Nacional", que pelo espírito continuamos a ser um povo da pedra lascada e isto porque apenas "uma fracção do cérebro português acompanhou o espírito contemporâneo na sua gigantesca evolução; e precisamente porque essa minoria civilizada não soube ou não pôde impor-se à maioria da nação e arrastá-la consigo neste avanço progressivo; precisamente desse desnivelamento - é que deriva essa crise sobreaguda do pessimismo em que se está debatendo o povo português", acrescentando que "essa harmonia que parece reinar na engrenagem social portuguesa é uma harmonia toda fictícia", "a nossa organização social é uma organização mentirosa, sem estabilidade, sem unidade, uma ficção de engrenagem civilizada, encobrindo a torpeza dum parasitismo desenfreado e impudente".
Ao ler e ouvir o que dizem a ASJP, a FENPROF, ao ler o que lá fora escrevem sobre Mourinho ou o que ontem com toda a lucidez afirmou Jaime Gama ao empossar a nova comissão parlamentar dedicada à corrupção, dizendo não querer no final um tratado de sociologia da corrupção mas um relatório com propostas concretas e em tempo útil, não posso deixar de ler e reler o que escreveu Manuel Laranjeira. E de me interrogar constantemente sobre o que, malfadadamente, teimosamente, insisto em ler, ouvir e ver.
Como escrevia Laranjeira, "é preciso começar desde o princípio", "refazer tudo, refundir a sociedade portuguesa de baixo para cima, incansavelmente, obstinadamente, com o desespero tenaz e glacial de quem se debate contra a morte", canalizando rios de "energia perseverante", "sob pena de nos vermos morrer ingloriamente, indignamente, relesmente, com o desprezo dos outros - e de nós mesmos".
Afinal, o que está em causa é evitar que continuemos a assistir ao triunfo dos "sem-vergonha", dos "sem-escrúpulos", dos que têm por princípio moral "viver a vida sem ideal", alterando esta "ficção de organização civilizada" em que definhamos para que os poucos que temos com "verdadeira envergadura messiânica" não continuem a morrer esquecidos, abandonados e desiludidos numa qualquer universidade californiana ou num tugúrio, "aborrecendo os homens e a vida". Enfim, acabando de uma vez por todas com os "messias de quadrilha", esses que têm "um ventre esfíngico e mais difícil de saciar do que o ventre misterioso das nações vivas, quando andam à caça das nações mortas para as devorar".
Não me interpretem mal. Nada tenho contra a ASJP, a FENPROF ou este ou aquele ministro. Vivemos todos na mesma casa, na mesma colmeia, e cada um vai defendendo os seus interesses, saciando a sua fome como pode. Às vezes também como não pode, como se vai vendo com alguns banqueiros, alguns empresários e alguns autarcas. Mas continuo a pensar que qualquer cidadão honrado que leia o que Laranjeira escreveu, ouça as notícias de hoje e acompanhe o que se passa, não pode deixar de ficar possesso com aquilo que andamos a fazer a nós próprios. Seria bom que todos ganhássemos juizinho.
E, já agora, se não for pedir muito, que se dê a conhecer Laranjeira nas escolas. Ou, pelo menos, o que ele escreveu. Nesse combate é que a ASJP, a FENPROF e o governo de José Sócrates se deviam empenhar. É que talvez depois disso, quem sabe se daqui a uns anos, não seria bem mais fácil às futuras gerações conciliarem as férias judiciais com a avaliação dos professores, o combate à corrupção com o interesse nacional e, ainda por cima, saberem quem foram Laranjeira, Antero ou Soares dos Reis.
Vinte e quatro horas é muito tempo neste país. Desgraçadamente.
quarta-feira, janeiro 06, 2010
NOVIDADES
Com 2010 chegaram mais dois blogues (eu sei que chegaram mais mas estes é que me interessam) à blogosfera. Um, pela gente que ali se reúne, é convenientemente designado por Albergue Espanhol, embora o nome tenha pouco de original e já tenha existido um precedente blogosférico. De qualquer modo, o facto de nomes como Pedro Correia, António Figueira, José Adelino Maltez e Carlos Abreu Amorim andarem por lá não me é indiferente. O outro passou a ser a nova morada de Medeiros Ferreira e Joana Amaral Dias e chama-se Córtex Frontal. Independentemente das naturais divergências de opinião, sendo ambos blogues onde as pessoas existem e se assina por baixo o que se escreve, única forma de se contribuir para o aprofundamento da democracia e da cidadania, dou-lhes as boas vindas e desejo-lhes os maiores sucessos.
terça-feira, janeiro 05, 2010
LIBERDADE DE VOTO vs LIBERDADE DE ACÇÃO
1 - O ano de 2009 terminou com uma crise social, económica e financeira, grave. Terminou mas, infelizmente, não acabou com ela.
2 - Crise política para já não há, nem será bom para o país que venha a haver. No entanto, a leitura que tem sido feita por alguns analistas dos discursos alusivos à quadra que amanhã terminará, proferidos pelo primeiro-ministro e pelo Presidente da República, parece ver nas entrelinhas sinais de divergência onde eles não existem.
3 – Se bem que, quer um quer o outro, tenham as respectivas agendas condicionadas, pela crise mas também pela situação internacional e o calendário das presidenciais, não é rigoroso que entre eles exista divergência em relação às questões essenciais que preocupam os portugueses.
4 – Digo-o com a convicção de que ambos estão preocupados com o evoluir da conjuntura, com os níveis dramáticos que o desemprego está a atingir (o Algarve começa a ser um caso extremo), com o aumento da pobreza, com a queda do investimento produtivo e das receitas, com a necessidade de se fazer descer o défice público até níveis aceitáveis, em suma, os dois têm consciência da necessidade imperiosa de resolver os problemas criados por meia dúzia de banqueiros e de economistas irresponsáveis.
5 – O problema é que a eficácia de acção desses protagonistas esbarra num parlamento fragmentado, numa justiça totalmente inoperante e profundamente desacreditada aos olhos dos cidadãos, situação dificilmente reversível na próxima década, e num conjunto de actores políticos que vão perdendo credibilidade a um ritmo superior ao das tonitruantes declarações que proferem.
6 – Ao contrário de outros, que vêem nisso uma questão de afirmação do regime e dos princípios constitucionais, estou convencido de que a confrontação a propósito do “casamento entre pessoas do mesmo sexo” não constitui o alfa e o ómega da luta política entre o Governo e a Presidência e que o resultado que sair da discussão parlamentar será ingrato para qualquer uma das partes, remetendo para segundo plano as discussões que interessam ao país.
7 – Sem querer antecipar cenários, acredito que o PR vai vetar a lei que sair do Parlamento sobre essa matéria, seja por razões políticas, seja por razões constitucionais.
8 – Para o PS e o Governo será sempre uma questão incómoda, já que o respeito por um compromisso eleitoral, de alcance e consequências bastante limitadas, convenhamos, em especial pela importância que lhe quiseram atribuir, não afastará os demais e obrigará a uma maior atenção a outros temas que começam a ser bem mais prioritários, como a regionalização, a urgente criação de emprego útil, ainda que com a alavanca do Estado, e a protecção de outras minorias, silenciosas e sem poder de grito, que se não forem devida e rapidamente atendidas poderão acabar em situações extremas de pobreza a que ninguém poderá ficar alheio e pelas quais seremos todos responsáveis.
9 – Se não houver uma rápida inversão do discurso, mas acima de tudo da agenda, corporizada nas infelizes intervenções que fecharam 2009, a erosão da confiança no PS e nos seus dirigentes será mais difícil de salvaguardar do que encontrar um líder para o PSD.
10 – O aprofundamento das clivagens ideológicas dentro do grupo parlamentar do PS, o divórcio entre as prioridades de Lisboa e as regiões, e o rebentamento indiscriminado de petardos por parte de alguns dirigentes menores que não podem passar sem o quinhão de protagonismo que o regime lhes deu - o que tem vindo a acontecer com a indisfarçável complacência, quando não aplauso, do secretário-geral –, terá o seu momento alto na votação das diversas alternativas que o Governo e os partidos colocarão à Assembleia da República sobre o “casamento entre pessoas do mesmo sexo”.
11 – Não dar liberdade de voto aos deputados do PS sobre essa matéria tornará mais difícil esconder a fragilidade da coligação dominante do partido e acentuará a natureza transitória da actual liderança e daqueles em quem ela se apoia, agitando o espectro da antecipação de eleições e dando novos e beligerantes argumentos a quem, inicialmente de forma sorrateira, a partir do Verão passado de modo mais evidente, penetrou em Belém e a partir daí, perdidos os pruridos de equidistância, tenta condicionar a agenda política.
12 – A natureza ideológica do confronto que hoje se vive entre as diversas sensibilidades internas do PS, obriga a uma actuação moderada dos seus dirigentes e a um exercício discreto da liderança, tão inteligente quanto pragmática, o que será dificilmente compaginável com os gritos estridentes de alguns vice-presidentes do grupo parlamentar que parecem gozar de um beneplácito cesarista.
13 – A opção por uma estratégia de distribuição de incentivos selectivos, dentro do partido mas igualmente à direita e à esquerda para viabilizar o orçamento, como forma de acomodar diferentes modos de entender e de pensar, revelar-se-á seguramente contraproducente se com essa estratégia se estiver a condicionar a liberdade de voto dos deputados do PS em matérias das quais não depende o futuro do regime, nem o sucesso da legislatura.
14 - Admitir que a discussão de um tema tão fracturante na sociedade portuguesa, como é o do “casamento entre pessoas do mesmo sexo”, poderá ser resolvido com a imposição da disciplina de voto ao grupo parlamentar, é aceitar que a futura liberdade de acção do primeiro-ministro para o cumprimento de todas as demais obrigações que decorrem do programa eleitoral do PS possa ficar refém de oportunismos circunstanciais cujos custos para o partido e para o país poderão ser maiores, e mais fatais, do que os temporais que assolaram o Oeste.
15 - Só José Sócrates poderá decidir se prefere dar liberdade de voto aos deputados do PS e garantir o sucesso da legislatura e das presidenciais, ficando ele próprio com mais liberdade de acção, ou se, ao invés, garantindo a disciplina de voto, preferirá agudizar as clivagens internas, perdendo força e autonomia, dentro e fora do partido.
NÃO SEREMOS
"Quando o político está preparado, quando são escolhidos colaboradores que sabem executar as respectivas tarefas, vemos rapidamente resultados maravilhosos que parecem milagres. Mas, para isso, temos de acreditar realmente na nossa missão e não sermos indulgentes com aqueles que apenas agem em prol dos interesses e do bem-estar" - Francesco Alberoni, aqui, no i.
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