A comunicação que o Presidente da República fez ontem ao País constituiu um dos mais altos momentos de inaptidão política de que há memória na nossa democracia.
Convirá dizer, antes de mais, que não me custa aceitar as razões apresentadas pelo PR para a não realização de eleições. Também tenho sérias dúvidas de que as mesmas resolvessem o problema, atenta a falta de consistência da oposição, mas ao contrário dele não me sinto imbuído de uma áurea que me permita numa democracia decidir o que é melhor para os "súbditos" sem consultá-los.
A argumentação de ordem económica e financeira também é compreensível. O cumprimento do memorando de entendimento com a troika e chegar ao final do período de ajustamento em Junho de 2014 sem ter de pedir um segundo resgate, e com a garantia de que tal não acontecerá nos anos seguintes, é claramente um objectivo nacional e que não deverá ser escamoteado.
Mas posto isto, que é a parte compreensível da mensagem de ontem, tudo o mais é ininteligível.
Depois de ter andado durante mais de dois anos a fomentar a solução da coligação PSD-CDS/PP para obviar ao desconforto provocado pelo chumbo do PEC4, que fora tão elogiado pelos banqueiros e pela chanceler alemã como as políticas de Vítor Gaspar, verifica-se que o PR se tornou em mais um factor de instabilidade, aliás com reflexo imediato na agitação dos mercados que se registou esta manhã.
Durante dois anos o PR assistiu ao esboroar da coligação, por vezes fazendo apelos no sentido de levar os protagonistas à união e à razão, sempre sem tomar posição que vincasse o seu estatuto e autoridade, assim perdendo força e capacidade de intervenção.
Desta forma, perante o avolumar de sucessivos fracassos em matéria económica, de controlo do défice e do desemprego, de ausência de reformas dignas desse nome, com um falhanço fiscal em toda a linha que desacreditou o ministro das Finanças e o primeiro-ministro, o resultado só poderia aquele a que se chegou com uma coligação e um governo liquefeitos, com a confiança pelas ruas da amargura e os mercados desconfiados quanto à nossa capacidade de chegarmos a Junho de 2014 sem um segundo resgate. Ou seja, chegamos a Julho de 2013 numa situação em tudo contrária à que foi prometida quer pelo PR quer pelos partidos que formam a coligação e venceram as eleições legislativas de Junho de 2011.
A solução proposta pelo PR não é neste momento solução de coisa alguma. É antes uma "não- solução". Em especial, porque volta a colocar-se à margem dessa mesma solução, deixando os partidos e o País entregues a si próprios, sem que de facto se vislumbre qual a solução final se os partidos - como é previsível - não se entenderem.
Certo é que o PR não aceitou o que lhe foi proposto pelo primeiro-ministro Passos Coelho, pelo que o Governo irá assim continuar a "governar" em estado semi-comatoso, com um líder desacreditado e com um número dois e ministro dos Negócios Estrangeiros cujo sentido de Estado e palavra política deixam tudo a desejar, enfim, com uma ministra das Finanças de ocasião e sem estatuto, isto é, com o governo no limbo.
O PR voltou a ficar nas meias-tintas. Já não se trata de uma leitura minimalista dos seus poderes, mas antes de uma leitura desajustada e tardia desses mesmos poderes. Como agora é patente, o PR nunca devia ter viabilizado um governo como o que saiu das eleições de Junho de 2011.
Tal como então defendi, e isso se tornou mais evidente com o decurso do tempo e à medida que as pequenas crises - políticas, económicas e constitucionais - agravavam a crise mais geral, há muito que o PR deveria ter tido a iniciativa de promover a formação de um novo governo no actual quadro parlamentar. Ontem como hoje mostrou-se incapaz e revelou estar isolado e sem capacidade de manobra.
Quanto aos partidos, a começar pelo PS, seria bom que reanalisassem a actual situação política e os factos ocorridos nos últimos três ou quatro meses e colocassem a mão na consciência.
Finalmente, uma palavra final para Passos Coelho e que se resume a uma única pergunta: desautorizado pelo PR da forma como foi pela comunicação de ontem, de que está à espera para apresentar a demissão? Quanto mais tarde o fizer maior será a agitação dos mercados que ele tanto estima e maiores os riscos de condicionamento do regime por força das pressões externas. Se for isto o que pretende Passos Coelho poderá continuar como até aqui. Se tiver ainda alguma réstea de sentido patriótico então é melhor que se despache e se demita, assim facilitando a vida a quem, mesmo contra vontade, terá de encontrar uma solução que remedeie as asneiras que se andaram a fazer durante dois anos e numa altura em que tudo era possível menos o falhanço.