terça-feira, maio 15, 2012

O "caso Relvas"



Se não antes, pelo menos a partir de hoje passámos a ter um "caso Relvas". Mais um, dirá Clara Ferreira Alves. A ida do ministro dos Assuntos Parlamentares à Comissão de Assuntos Constitucionais não esclareceu o que devia ter sido esclarecido, mas também não consta que o ministro quisesse efectivamente dizer mais do que disse. A trapalhada salta à vista.
Mesmo admitindo que o ministro não pediu nenhum estudo ou projecto de reestruturação dos serviços de informações, o que até não será difícil de acreditar atendendo ao perfil conhecido de Jorge Silva Carvalho - tipos destes aparecem sempre e em todo o lado -, e que também não deu a conhecer ao primeiro-ministro o que por aquele patusco James Bond lhe foi endereçado, ficou por perceber como é que um tipo tão inteligente como Miguel Relvas não se questionou sobre o conteúdo dos clippings que recebia, nem sobre a sua origem e inclusão no rol dos eleitos para essa "dávida".
Se eu amanhã passasse a receber clippings de um qualquer ex-espião, sem os ter requisitado ou subscrito, certamente que duvidaria da minha inclusão como um dos contemplados. Ao menos tentaria perceber as razões.
Dando de barato que, como foi afirmado na Comissão, o clipping de informação que recebia "era mal feito" - também não custa acreditar - e que o seu conteúdo seria inócuo - embora, como também sublinhou Pacheco Pereira, nada do que é produzido por um serviço de informações seja irrelevante, posto que a própria escolha dos conteúdos já é por si reveladora de opções que deveriam permanecer secretas e para consumo dos serviços - não se compreende que alguém com as responsabilidades de Miguel Relvas aceitasse ir recebendo tais clippings como se em causa estivesse o anúncio das promoções de um supermercado.
Com efeito, se o ministro não queria fazer parte da lista - não percebi se dos e-mails recebidos era possível extrair a identidade dos demais destinatários - deveria, desde logo, ter tomado uma primeira decisão, que era o que eu teria feito: pedir a sua remoção da lista ou bloquear a sua recepção.
Depois, poderia também ter falado com o emissor, questionando-o sobre o próprio envio desse clipping e manifestando a sua opinião sobre a respectiva utilidade e, já agora, o seu desagrado pelas incorrecções ("era mal feito") que, segundo ele, revelava.
Em terceiro lugar, tratando-se de matéria reencaminhada de terceiros, admitindo-se que não desconhecia a origem, isto é, a fonte, e que o conteúdo certamente seria actual, e bem sabendo das funções que já ao tempo Silva Carvalho exercia na Ongoing, o mínimo que eu esperaria de um ministro da sua craveira era que tivesse discretamente alertado os responsáveis, a começar por Júlio Pereira, para que este esclarecesse e investigasse o que se estava a passar e por que motivo um ex-dirigente dos serviços que passara directamente para uma empresa privada lhe veiculava esse tipo de informação.
Não sei se uma situação desse tipo, envolvendo o envio de um eventual projecto que ninguém aparentemente encomendou sobre matéria tão sensível, ou a insinuação de nomes e de propostas tão desonestas como a nomeação de fulano e de beltrano para determinados lugares, em última instância, e não querendo fazer dele um bufo perante tal situação, não teria sido perfeitamente compreensível e aceitável para que o ministro protegesse os serviços de informações e o Estado que agora, como no passado, durante tantos anos, lhe paga o ordenado, antecipando o que se lhe seguiu. Isto é, os incómodos para ele, a chacota para os serviços e o desprestígio para o Estado.
Viu-se que o ministro tentou desvalorizar o incidente, procurando escapar aos salpicos que o atingiram, ao querer misturar frivolidades - um aniversário com centenas de pessoas - com um assunto demasiado grave e que se permitiu - ele inclusivé - que fosse demasiado longe. Mesmo com um aventalinho que o proteja, não me parece que este assunto possa ficar por aqui. E que ao ministro - aceitando, por uma vez, a sua ingenuidade - baste lavar as mãos, enxugá-las no avental, como faria qualquer cozinheiro de tasca, e seguir em frente. É que se o ministro contar com o avental para enxugá-las, então correrá o risco das ditas nunca mais se apresentarem, independentemente de outras consequências, limpas aos olhos dos seus concidadãos.
Aventais da loja do chinês e ainda por cima salpicados por terceiros não oferecem garantias de higiene e protecção.
E, como o ministro seguramente já percebeu, uma coisa é contar com a compreensão e o apoio de Passos Coelho, mandar na JSD, dizer umas larachas a Judite de Sousa, ser entrevistado por Mário Crespo ou impedir a contratação do Futre para a RTP. Outra coisa é governar com a confiança dos seus semelhantes.
O Indiana Jones, que nunca foi ministro em Portugal, não era tipo para fazer as coisas com tamanha displicência. Além de que hoje em dia já nem os heróis confiam na sorte.

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