A minha primeira palavra de hoje vai inteirinha para Aníbal Cavaco Silva.
Quem me conhece sabe que nunca gostei do estilo que ele cultivou. Nunca gostei da pose nem daquela gente de quem ele se rodeou enquanto primeiro-ministro (os “Costa Freire”, os “Cardoso e Cunha”, os “Santos Martins”, os “Deus Pinheiro”, os “Mira Amaral” e mais um ror de gente que é, em matéria de política, leia-se bem, tudo menos recomendável, independentemente do facto de poderem ser excelentes pessoas).
Por isso mesmo, fui dele feroz opositor e abandonei a simpatia pelo partido pelo qual travei importantes batalhas no meu tempo de faculdade, ainda antes de nele entrar. Por causa dele nunca me filiei no partido. E se entre o congresso da Figueira da Foz e o de Braga ainda pensei que seria possível construir um PSD melhor e capaz de governar decentemente o país, com aquela gente que lá ficou depois da morte de Francisco Sá Carneiro rapidamente desertei e vi fenecer o sonho.
Em Macau, já no extinto “Futuro de Macau”, apelei ao voto em Sampaio nas primeiras presidenciais que este ganhou. Mas estando em Macau era-me difícil dissociar o mau desempenho de Rocha Vieira do compromisso sampaísta, daquele permanente fingir que vou fazer para depois tudo acabar, sem ironia nem rasgo, tratado pelos jornais como conversas de sacristia.
Mais recentemente, não convencido do mito sebastiânico e ainda recordado do fiasco que foram aquelas eleições para o parlamento europeu, a que Mário Soares só concorreu porque alguém lhe fez crer que poderia ser presidente de tão nobre instituição (sempre a adoração pelo penacho), fui um dos que não o apoiando, contra aquela que era a vontade dos apparatchiks do partido, pensou que Alegre era mais genuíno, mais são, mais capaz.
Foi, pois, com um misto de amargura (com a Inês Pedrosa ao lado o Alegre nunca chegaria parte alguma) e receio (o Fernando Lima era um mau prenúncio) que vi Cavaco Silva ser eleito. Desde logo porque o imaginei rodeado daquela gente que diz amém a tudo para garantir a tença, o tacho ou a sopinha, como lhe queiram chamar. Depois porque já estava escaldado de uma dezena de anos de cavaquismo.
Ao ouvir ontem o discurso do 5 de Outubro, embora ainda não convencido, não posso deixar de subscrever na íntegra o apelo de Cavaco Silva. Pela primeira na história da democracia portuguesa do pós-25 de Abril vejo um Presidente da República, um alto dirigente do Estado, pegar o touro pelos cornos. Finalmente, haja alguém com bom senso e inegável prestígio que coloque o dedo na ferida.
Depois das preocupações com a Educação, do apelo ao entendimento nacional nas questões da Justiça e da forma, no mínimo sábia, como tem gerido estes primeiros meses de mandato, não posso deixar de dizer que os sinais são prometedores.
O homem pode ser de Boliqueime, a mulher pode não ser vistosa, o genro até pode ser um arrivista sempre à procura de uma oportunidade. Mas o certo é que com a educação que lhe deram, com aquilo que aprendeu, com a humildade de quem fez um caminho na vida (coisa de que Marques Mendes não se pode gabar) e soube trilhá-lo à medida das suas ambições e dos anseios do país em que acredita, é evidente que aprendeu muito nos últimos anos. Nesse aspecto temos de estar agradecidos a Paulo Portas.
Isso ainda não será suficiente para que se possa dizer que tem um pensamento político estruturado e consistente. Porém, nos tempos que correm não deixará nunca de ser uma tentativa lúcida e corajosa. Em matéria de combate à corrupção e de coragem política, Cavaco Silva não é Maria José Morgado. Nem se quer que seja. Chega uma de cada vez em cada geração. Todavia, é indiscutível que está a deixar os sinais de que os portugueses precisam. E isso, por muito que se lhe critique, por muitos defeitos que se lhe apontem, não deixa de ser significativo. Oxalá continue. Chega de demagogos e de presidentes meias tintas. A ética republicana vale bem um presidente.
P.S. Sendo Cavaco algarvio e conhecendo ele, com a distância que York e Lisboa conferem, as autarquias e “os partidos do Algarve”, interrogo-me se o Presidente não começou por enviar os recados a uns moços que para aí andam cada vez mais gordos, cada vez mais caciques e cada vez mais complexados. A melhor limpeza é a que começa na nossa casa!
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