quinta-feira, fevereiro 21, 2013

Outra vez "o Relvas"?

A razão, salvo raras excepções, nunca está só de um lado. E por vezes é conveniente deixar passar o alarido para se poder olhar com distância e claridade para os factos.
Os “episódios Miguel Relvas” são apenas o culminar de um processo de apartamento dos cidadãos dos seus actuais governantes que nada tem de novo nem de particularmente relevante. O que neles há a notar é a rapidez da erosão, a que não será alheia a degradação da situação social, política e económica a que temos assistido. A cara-de-pau do ministro das Finanças, depois de falhar todas as metas de 2012, a comunicar ao Parlamento que se havia enganado nas contas em 100%, é disso mesmo o melhor exemplo.
Posto isto convém dizer que a democracia não está em causa, que as liberdades e os valores constitucionais não foram postos em causa, e que tudo não tem passado de atitudes de rebeldia e propaganda às quais o ministro Relvas tem emprestado o seu estímulo.
Convenhamos que as coisas só têm a importância e o relevo que se lhe queiram dar. O que aconteceu com Passos Coelho na Assembleia da República no último debate era previsível que se repetisse depois de um grupo de comandos ter feito ecoar o grito de guerra no parlamento. Nessa altura eu critiquei a atitude por muito compreensível que pudesse ser, mas sabia que iria criar um mau precedente. Não me enganei. Na ocasião nem a senhora presidente da AR veio pedir a evacuação das galerias, nem a bancada do PSD, nem o cronista Henrique Raposo, se queixaram.
Agora que as coisas começam a piar mais fino já vêm falar, imagine-se, em fascismo. São eles e Mendes Bota quando este há uns anos comparava a ASAE a uma “nova PIDE”. Haja decência e tino, senhores.
Evidentemente que o que se passou no Clube dos Pensadores ou no ISCTE não é nem foi bonito. Porém, importa também perguntar qual a medida de participação de Miguel Relvas para o que aconteceu. Com Passos Coelho e Paulo Macedo os protestos fizeram-se ouvir. A seguir os manifestantes calaram-se ou foram-se embora e tudo prosseguiu. Com normalidade. Uns protestaram, os outros discursaram.
De diferente nos “episódios Relvas” foi a provocação, foi a petulância.
Quando um ministro com a pose, o estilo e a arrogância de Relvas, se predispõe a participar num protesto em que ele é o visado, ensaiando cantar de forma desafinada e sem sequer conhecer a letra uma canção simbólica da democracia portuguesa, só pode estar a querer gozar com aqueles que se manifestam.
De igual modo, quando um ministro cujo currículo académico e profissional tem tanto de medíocre quanto de sofrível e de nebuloso, com um diploma feito de equivalências e folclore, que nem a privatização de um canal da RTP conseguiu levar a bom porto, depois de andar a atirar foguetes no Copacabana Palace com Dias Loureiro e Marques Mendes, e mais a mais numa altura em que os estudantes mais carenciados não têm bolsas nem dinheiro para propinas e o país sofre a bom sofrer com a insânia dos economistas ao serviço do Governo, se predispõe a discursar numa das melhores escolas públicas portuguesas sabendo que a hostilidade em relação à sua figura vem em crescendo, só pode estar a provocar o pagode.
E a sua falta de vergonha e de senso é tão grande que nas tristes imagens que se viram ainda deu para ouvir Sua Excelência a dizer à segurança, que naturalmente não lhe fez a vontade, que queria sair, naquelas circunstâncias, pela porta por onde tinha entrado, no que não pode deixar de ser entendido como mais uma atitude provocatória e de desafio.
É verdade, nisso estamos todos de acordo, que o que se viu no ISCTE ou há dias em Gaia foi lamentável e não pode ser acolhido por ninguém. Não há “arruaças democráticas”, não há “enxovalhos democráticos”, não há “insultos democráticos”. A democracia tem de saber conviver com os excessos de alguns e há mecanismos para corrigir esses excessos.
Por isso mesmo, antes de se apontar o dedo aos “indignados”, seria bom que Passos Coelho e os membros do seu governo, em especial Miguel Relvas, percebessem, como escreveu Tony Judt, uma coisa muito simples: “A seriedade moral na vida pública é como a pornografia, difícil de descrever mas imediatamente identificável quando a vemos. Descreve uma coerência de intenção e de acção, uma ética de responsabilidade política. Toda a política é a arte do possível. Mas também a arte tem a sua ética”.
De outra forma, como esse mesmo autor também escreveu, a política transformar-se-á num fraco produto do qual só sairá o tagarelar constante e uma retórica infindável para disfarçar o vazio. Não creio que Judt conhecesse o ministro Relvas e se estivesse a referir a ele. Daí que as suas palavras tenham ainda mais significado quando se olha para o que se passou entre nós.

sexta-feira, fevereiro 15, 2013

Os contribuintes são cobaias?

Esta notícia do Público é reveladora do que abaixo referi: entrámos já na fase da "gozação" com os contribuintes, agora transformados em cobaias tributárias. A acção não tem nada de pedagógico, não visa informar, mas sim testar os limites da paciência dos contribuintes para se ver até onde estes se deixam atropelar, pisar, espezinhar.

Alguém que nos acuda

Aqui há uns meses, a propósito do arrendamento de uma casa de férias no Algarve, onde passou duas semanas de Agosto, o Diário de Notícias quis questionar o primeiro-ministro sobre se tinha pedido factura ao proprietário da casa onde se alojou. Pedro passos Coelho considerou a pergunta uma intromissão na sua vida privada e como tal escusou-se a prestar esclarecimentos.
Agora, o fisco anuncia a obrigatoriedade de todo o cidadão, por transacções de valor insignificante, exigir factura sob pena de lhe ser aplicada uma multa que pode ir dos € 75,00 a € 2.000,00. Pretende o fisco que os cidadãos se substituam a acção dos seus próprios fiscais e se transformem em bufos da máquina fiscal. Um verdadeiro nojo.
Um ex-secretário de Estado do governo de Passos Coelho, dirigindo-se ao seu secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, já se manifestou sobre o assunto, em termos que, não sendo os mais curiais num debate público, são seguramente os mais genuínos e que melhor espelham aquele que será o sentimento da maioria dos portugueses que paga impostos em relação a uma política fiscal fraudulenta e a uma actuação do fisco que raia o absurdo e se aproxima rapidamente do intolerável.
Independentemente da situação do país, a falta de senso (já nem digo bom, que este há muito desapareceu), o desatino das decisões que vêm sendo tomadas, a profunda iniquidade tributária e a forma despudorada como o fisco e seus agentes vêm actuando, em situação que se assemelha a um verdadeiro 'gangsterismo' fiscal em que tudo vale para aumentar a colecta - de cálculos de juros errados, a avaliações patrimoniais via "Google" e a interpretações das leis fiscais que invariavelmente acabam em prejuízo do cidadão que se quiser defender os seus direitos será obrigado a derreter rios de dinheiro a alimentar a ineficiência da máquina judicial - em qualquer outro país que tivesse uma opinião pública forte e uma elite política e intelectual com dimensão e dotada de uma aceitável consciência cívica, seria impensável e já teria gerado uma fronda.
Os resultados da execução orçamental de 2012 são um desastre, aproximando-nos rapidamente dos níveis de rendimento e dos padrões de vida de há três décadas, com uma miséria em crescendo e um empobrecimento geral das classes remediadas.
Bem sei que o que está a acontecer não é mais do que a penalização pela falta de empenho cívico e político da maioria dos portugueses que de há muito se resignou a entregar a política, a que diz respeito à vida de todos nós, a grupos de fedelhos mal estruturados, ignorantes e oportunistas que medravam nas organizações juvenis dos partidos políticos. Mas isso não justifica a passividade com que a generalidade dos portugueses continua hoje a encarar as coisas e a reagir aos maiores atropelos, enqaunto autarcas condenados continuam a fazer uso de expedientes dilatórios para se manterem em funções, e outros se permitem ler na lei aquilo que lá não está para proteger os interesses das suas camarilhas.
Há muito que apelei a uma fronda cívica, a um levantamento da sociedade civil contra o atavismo, a ignorância política e a prepotência tributária.
Perante um Estado tributário-pidesco, que quer transformar todos os portugueses em pides, bufos e fiscais ao seu serviço, com um poder político pantanoso (e merdoso), o problema já não se resolve com desabafos e expressões como a de Francisco José Viegas.
Por isso mesmo, deixo aqui um apelo à sociedade civil, aos homens bons deste país, à gente que consegue ler e ver para lá da opacidade dos partidos e que se habitou a lutar pelas suas ideias, que reconhece a existência de um sentimento nacional que se sobrepõe às conveniências conjunturais, ao tacticismo político, aos interesses de meia-dúzia de traficantes de influências e vendedores de banha da cobra, a gente que vai da direita à esquerda, de Adriano Moreira a António Barreto, de Pacheco Pereira a Pedro Lains, de José Reis a Medina Carreira, de Maria Filomena Mónica a Vasco Graça Moura, de Eduardo Lourenço a Bagão Félix, de Hélder Amaral a Francisco Louçã, e peço-lhes que se manifestem, que congregueme sforços, que unam num movimento único, genuíno, de defesa da cidadania e do interesse nacional que obrigue à capitulação da asneira e chame à razão o Presidente da República, obrigando-a a sair do seu sarcófago e a intervir.
Está na hora de Cavaco Silva fazer alguma coisa por Portugal e pelos portugueses que seja um pouco mais do que um acervo de frases triviais e inócuas.
Está na hora de ser formado um governo de iniciativa presidencial que conduza o país até ao final do cumprimento do memorando com a troika e que prepare o país para as legislativas de 2015.
Portugal não pode correr o risco de suportar durante mais uma dezenas de meses a incompetência, a ignorância, a teimosia e a pesporrência de Coelho, Gaspar, Relvas, Borges, Santos Pereira e de toda a sua trupe de coveiros pefumados.
Os portugueses têm o direito de viver com dignidade cumprindo as suas obrigações. E têm também o dever de exigir dos seus políticos o respeito pela razão, pela seriedade da actuação política e um mínimo de sentimentos de compreensão e humanidade perante a verdadeira tragédia social e moral que neste momento se abate sobre a maioria da comunidade. 

sábado, fevereiro 09, 2013

Leituras (5)


"Soft power arises in large part from our values. These values are expressed in our culture, in the policies we follow inside our country, and in the way we handle ourselves internationally". Joseph S. Nye Jr.

sexta-feira, fevereiro 01, 2013

Leituras (4)

 
 
"A situação social portuguesa é anti-cristã. As estruturas da economia nacional assentes na plutocracia e na formação de capital à custa do baixo nível de vida das classes trabalhadoras, representa um compromisso de êxito duvidoso entre as formas de expansão capitalista-industrial do século XIX e do dirigismo planificador do Estado moderno [..]. Já  não há emigração mas sim um êxodo em massa. O homem português não tem presente e não acredita no futuro [...] Exigimos o direito ao diálogo. A presença do pensamento católico na vida portuguesa justifica-se por oito séculos de história [...]" - Panfleto escrito por Joaquim Pires de Lima, em nome do Movimento Cristão de Acção Democrática, em Agosto de 1965, citado por Filipe Ribeiro de Menezes, p. 604