sexta-feira, agosto 24, 2012

Mais uma salganhada da dupla maravilha

Não sei se os votos que António Borges obteve nas últimas eleições legislativas lhe dão alguma legitimidade, e em especial autoridade, para dar uma entrevista como a que ontem deu a Judite de Sousa na TVI.
Também não sei se os € 225.000,00 que aparentemente aufere, de acordo com uma notícia que fez manchete no Correio de Manhã, lhe permitem sobrepor-se ao ministro que tutela a RTP e anunciar os contornos dos processos de privatização das mais importantes empresas públicas. Como se fosse um responsável político.
E menos ainda sei se foi mandatado pelo primeiro-ministro para se pronunciar nos termos em que o fez.
Mas o que eu já sei, e todos os que ouviram a entrevista perceberam, é que o ministro da tutela desapareceu dos jornais e das televisões, evaporou-se, levou sumiço. E agora temos António Borges, a sumidade que enquanto director do FMI dizia que a crise económica estava contida, a anunciar a privatização do serviço público de rádio e de televisão.
Calculo que alguém aparecerá hoje a dizer que ainda nada está decidido, que tudo o que Borges disse não passou de um conjunto de opiniões pessoais, posição que recorrentemente tem vindo a ser assumida pelo Governo de cada vez que é apanhado em falso ou em flagrante delito.
A argumentação de António Borges sobre as virtualidades do modelo que defende é de tal forma indigente, politicamente canhestra e economicamente inviável, numa perspectiva de interesse público, que a expressão de espanto e incredulidade no olhar de Judite de Sousa enquanto o ouvia não precisava de complemento.
O atrevimento, que cada vez mais se parece com uma cruzada petulante e insolente, começa a ser de tal ordem que Borges já se permite dizer, à falta de uma estratégia sensata para o audiovisual e de quem dê politicamente a cara pelas asneiras, que o Estado fará uma concessão total do serviço público de televisão e rádio a um operador privado por um período entre 15 e 25 anos, mantendo a propriedade pública da empresa e sem dizer como será responsabilizado o concessionário se ao fim de meia dúzia de anos ou no final do período não tiver cumprido com o caderno de encargos. Quem ficará com os prejuízos?
Para além da imoralidade que é, e absoluta falta de sensibilidade que revela, de colocar sobre os privados com os quais se prepara para fazer mais uma negociata, a responsabilidade pelos despedimentos que o Governo quer fazer mas não tem a coragem de assumir, fiquei com a ideia de que a "privatização" ou "concessão" que se quer fazer será um negócio parecido com o da Lusoponte ou das PPP em que no final quem ficará a perder serão sempre os contribuintes. A bem dizer aqueles que irão entregar ao concessionário privado a contribuição dos cidadãos para o audiovisual, ou seja, a bagatela de 140 milhões de euros anuais durante o tempo que durar a "concessão".
É claro que António Borges embora receba centenas de milhares de euros para dar entrevistas e seja um consultor com estatuto de ministro, não passa de alguém irresponsável politicamente e cujas declarações serão rapidamente desvalorizadas pelos responsáveis políticos pela sua nomeação. Como convém.
Mas o que fica na opinião pública, e aquilo que é deveras patente, é que o problema de quem manda está muito para além da inexperiência, da convicção ignorante ou da incompetência, para entrar em grande velocidade no refinado campo da maldade em política. 
Estiveram por isso bem os que estando ao lado da maioria parlamentar que garante o emprego do senhor Borges - como o deputado João Almeida do CDS/PP - ou na oposição, sem tibieza, criticaram a veleidade do fulano e exigiram esclarecimentos ao evaporado ministro Relvas.
Os portugueses que votaram em 5 de Junho pensavam estar a escolher o Governo de Portugal e o um destino melhor. Enganaram-se redondamente.
Quem venceu as eleições legislativas de 2011 não foi o PSD. O vencedor foi uma agência de satisfação de clientelas políticas e de amigos de ocasião orientada por amanuenses que consideram que a melhor maneira de salvar o país é salvarem-se a si próprios, garantindo o seu destino a custo zero, sem nenhuma vergonha, com lata q.b. e o incontornável amparo da teta dos contribuintes para o que der e vier.

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