Um ano depois das eleições legislativas que mudaram o quadro político do País, multiplicam-se as análises e os balanços daquilo que foi a actividade governativa nos últimos doze meses. Qualquer balanço pecará sempre por enfatizar aquilo que na perspectiva do observador será mais positivo ou mais negativo, pelo que lapalissianamente se poderá com rigor afirmar que não existem apreciações totalmente isentas e que a análise política, tal como o próprio exercício desta, é também a arte do possível. E às vezes a do impossível, como não raro se percebe pelas afirmações de Miguel Relvas ou os exercícios televisivos da deputada Teresa Caeiro.
Todos estamos cansados, e já basta suportarmos tão estoicamente o cumprimento do memorando com a troika, as discussões do país futebolístico ou sabermos que o presidente da República em mais um rasgo de génio vai condecorar um ex-ministro da ditadura entretanto transformado em especialista da propaganda por conseguir, penso eu, a proeza de ver a História recente de Portugal de baixo para cima, de viés e às vezes até mesmo de joelhos, como sucedeu quando andou por Macau a realizar programas para enaltecer a figura de um ex-governador, para não me abalançar a entrar pelos caminhos dos comentadores encartados (pagos).
O que aqui gostaria de registar foi aquilo que de mais notável pude constatar ao longo do ano que passou: a bipolaridade do executivo.
Todos se aperceberam que consoante as matérias havia dois pesos e duas medidas e que para o Governo e o PSD até o memorando com a troika foi obra exclusiva dos anteriores governantes, esquecendo-se os seus responsáveis que foram ouvidos antes e deram o seu aval, antes e depois, às metas nele consagradas. Depois, como também verificámos, daquilo que era possível fazer sem qualquer esforço (corte de gorduras do Estado, redução do défice por via da redução da despesa, reformas de fundo, manutenção dos subsídios de férias e de Natal, manutenção da carga fiscal vigente há um ano, e por aí fora), só o aumento das exportações apresenta resultados palpáveis. De resto, pouco ou nada se tem visto, enredados como temos estado em casos de paróquia.
O CDS, sem faltar no apoio à coligação nos momentos decisivos, no que tem sido reconhecidamente um parceiro leal, tem procurado manter-se afastado da teia de interesses, verdadeira camisa-de-forças, em que o primeiro-ministro e o ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares se movem. Se amanhã alguma coisa correr pior a ponto de se inviabilizar a chegada ao termo da legislatura deste Governo, Paulo Portas e a sua gente estarão em condições de se defenderem e de retirarem óbvios dividendos. E com razão. Não são eles os responsáveis, nem têm nada que ver, pelas ou com as recorrentes "broncas" de Miguel Relvas, com as ligações que este estabeleceu por via da política e dos aventais que vai usando de acordo com as conveniências, e menos ainda com a doença bipolar que desde o início assola o Governo. Seja com as rendas da EDP, as travessuras do "menino Álvaro", a falta de soluções para resolver o problema das PPP - dir-se-ia ser mais importante continuar a lavar roupa ainda que haja muita já lavada e a que continua suja não faça falta do que estancar o mal - ou o flop da pomposamente chamada "reforma autárquica" que teve o condão de manter intocado o número de municípios.
O drama da doença de que o Governo e os seus principais responsáveis enfermam é que não permite vislumbrar quando é que os próprios se aperceberão da sua situação e se predisporão ao tratamento, sendo certo que enquanto este não ocorrer o cenário será cada vez mais deprimente. Gente insuspeita na sua casa como Rui Rio, Lobo Xavier ou Manuela Ferreira Leite (não falo de Pacheco Pereira que é tido como sendo do contra) já avançou com algumas ideias, mas parece que os doentes estão mais preocupados em correr o país a doutrinar as massas do que em tratarem-se.
Dois exemplos colhidos esta semana evidenciam o agravamento da doença: a criação de uma nova empresa pública e a forma como o primeiro-ministro lidou com as declarações do seu conselheiro António Borges. A criação da empresa pública, ainda que eufemisticamente se diga que ocorre por via de "transformação", não deixa de ser mais uma, quando o objectivo do tal memorando que tem servido para justificar tudo e mais alguma coisa, era não só a eliminação de institutos e a privatização das empresas públicas, como a proibição de criação de mais alguma. Não sendo legítimo ao intérprete de qualquer texto legal dele retirar uma interpretação que não tenha um mínimo de correspondência verbal com o que nele se pode ler, nem distinguir onde o texto não distinguiu, acrescentando o que lá não está, subtilezas de que o ministro Gaspar deverá ter dificuldade em compreender, a decisão do último Conselho de Ministros de aprovar um diploma que transforma o Instituto de Gestão e do Crédito Público numa entidade pública empresarial não poderá deixar de ser vista como manifestação da doença, aliás na linha do "ir para além da troika" que já então antecipava a sua evolução.
De igual modo, o papel desempenhado por António Borges, dito conselheiro ou consultor do primeiro-ministro, mais conhecido como o 12º ministro mas que na realidade mais não é do que um "afilhado" dele e do PSD, pago a peso de ouro com o dinheiro dos contribuintes que estão a ser esfolados pelo ministro das Finanças, é um outro sinal da agudização da doença. Se o António Borges que Marc Roche desqualificou nas páginas da imprensa internacional, sem que se saiba que da sua parte tenha havido reacção, e que o deputado João Almeida (CDS/PP) com frontalidade criticou em pleno Parlamento, pode ganhar o que ganha à nossa custa, então o melhor é deixar que o programa da troika se cumpra por si. Pode ser que entretanto os doentes se "espetem" em qualquer lado e acabem internados compulsivamente. Ou, quem sabe, exportados para uma jurisdição offshore como uma "mais-valia" não tributável. E inqualificável.
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