terça-feira, maio 29, 2012

Quem dera que fosse só nas secretas


É claro que Francisco Pinto Balsemão tem toda a razão quando refere a necessidade de ser feita uma "limpeza" nos serviços de informações. Mas o problema é que a "miséria moral" de que ele fala e justifica essa limpeza não existe só nos serviços secretos. Desde há um ror de anos que essa mesma miséria moral, promovida nos anos de ouro do cavaquismo à sombra de personagens tão intrigantes quanto obscuras, que se elevaram aos mais altos cargos da nação, depois continuada no guterrismo e no barrosismo e que atingiu todo o seu esplendor nos últimos governos, faz parte da vida política nacional. Faz parte do código genético de muitas das empresas do regime, da actividade bancária e bolsista das últimas décadas, está neste Governo, nos partidos políticos, no parlamento, na justiça, nas universidades e nas autarquias, nas polícias, no futebol, nos estádios do Euro 2004, nas notícias dos jornais e até nos programas televisivos, aos quais não escapa nesse quadro deprimente e avassalador a amada SIC do dr. Balsemão. A bem dizer, a miséria moral tornou-se numa marca distintiva das grandes obras do regime e são poucas as ilhas de decência que não foram atingidas por ela. Desta vez tocou-lhe a ele como podia ter tocado a qualquer outro. Eu também gostava que essa limpeza se fizesse. Há anos que me bato por ela sem que o dr. Balsemão e outros como ele liguem peva. Mas não sei, aliás duvido, que algum dia essa limpeza se faça, e que sendo feita tenha algum resultado. Como Francisco Pinto Balsemão também sabe, o que não falta neste país são clones e candidatos a clones. Só que o drama, quanto a estes, é que os modelos escolhidos são normalmente o espelho dessa miséria moral. E neste país o que não falta são candidatos a espelho. Para a maior parte, nesse percurso,  tudo serve: comentários anónimos, cartas em cacifos, relatórios de coscuvilhice, oferecimento de serviços vários, sugestões, palmadinhas nas costas, atropelos vários e, se necessário, umas voltas num qualquer green. O desgosto do dr. Balsemão não será diferente do meu. Ou do de qualquer outro cidadão. A única diferença é que ele pode dar-se ao luxo de viver fora do regime. Fora desta miséria moral. Eu não. Também gostaria de poder pensar assim, mas acontece que não posso.  Sou obrigado a conviver com eles: com o regime e com a sua miséria moral. Cada dia que passa tenho mais dificuldade em emigrar e a falta de trabalho só para alguns é que funciona como uma oportunidade. Nem todos podemos aspirar a ser ex-primeiros-ministros. Eu e mais dez milhões de portugueses estamos prisioneiros do regime. São os meus impostos, os nossos, que sustentam esta miséria moral, que nos agrilhoa ao passado e ao presente e torna incerto o nosso futuro. Se o dr. Balsemão quiser dar uma ajuda à minha, nossa, libertação e fazer alguma coisa para se proceder à limpeza, para se acabar com essa miséria moral, é só dizer. E não é preciso que nos seja mostrado um cherne. Hoje em dia basta uma sardinha.         

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