sexta-feira, março 02, 2012

Quatro notas soltas

1 - Rui Rio deu na quarta-feira passada uma excelente entrevista a Gomes Ferreira na SIC-Notícias. Não foi a primeira vez que foi entrevistado e marcou a diferença. Não vivo no Porto e não sei se ele foi um bom presidente da Câmara. Mas há factos que são incontornáveis e que vão muito para além do exercício da função. São os que têm a ver com a sua própria postura. Não sendo militante nem simpatizante do PSD e não me movendo por interesses oportunistas ou carreirismo serôdio, penso ser insuspeito para dizer o que digo dele. Pode-se não gostar do estilo, mas eu também não gostava do estilo de Sócrates, como não gosto do estilo Miguel Relvas, nem do estilo Cavaco Silva, mas Rio não é comparável com nenhum destes. Rui Rio é a antítese dos políticos que temos tido. É sereno, tem ideias consistentes e claras, tem formação cultural e académica, tem percurso profissional e político, é pragmático. E, além do mais, tem desapego ao cargo e à política e, embora discreto, carisma. Não concordo com muitas das suas ideias, mas a forma como ele é capaz de expô-las e defendê-las marca a diferença. Num sistema de políticos anódinos, sem qualificações ou mérito profissional relevante, inconsistentes, cujo carácter é feito de plasticina e esperteza saloia, será difícil resistir a um político como Rio. Por não depender da política tem liberdade e autoridade para falar como fala. E não deixa de ser curioso que sejam os líderes das duas maiores autarquias do País aqueles que ainda conseguem dar alguma confiança aos portugueses. Tudo o que estes dois têm - Rui Rio e António Costa - não têm os outros. Oxalá não se fartem da política e os portugueses ainda possam contar com eles durante muitos e longos anos. 

2 - A "reforma" autárquica do ministro Relvas continua a dar que falar. Como se viu pelo editorial do Público desta manhã, já aqui abaixo transcrito, o homem não tem emenda e pensa que todos os outros são parvos. É um caso perdido de incompetência política e pesporrência. E o entendimento de PSD e PS relativamente à interpretação da limitação de mandatos, com a peregrina tese de que o impedimento se aplica ao território e não à função, vai permitir a troca de cadeiras e de lugares entre os profissionais da política. Como já anteriormente escrevi, trata-se da cartelização do sistema político e do pior da partidocracia em todo o seu esplendor. O conluio e a interacção entre os principais partidos é por demais evidente. Para mal do sistema político, degradação do regime e continuação da acelerada perda de qualidade da democracia. E o argumento usado pelos partidos para subscreverem essa entorse aos princípios não colhe porque não será a primeira vez que um presidente de câmara salta de uma autarquia para outra levando consigo o seu pessoal político, toda a sua equipa de autarcas e de assessores, bem como todas as empresas que antes gravitavam na autarquia de onde saíram e que, graças a este expediente do ministro Relvas acolhido pelo PS "renovado" de António José Seguro, poderão continuar a fazer negócios na autarquia para onde se mudar o seu "homem". Não pode haver renovação enquanto os actores políticos de sempre se forem revezando nos cargos e nos órgãos, saltitando de uns para outros com a benesse dos partidos políticos. O que irá acontecer nas autarquias será exactamente o mesmo que já acontece hoje dentro dos partidos. Quando esgotam o prazo de validade num órgão mudam para outro, isto é, mudam para o poleiro do lado. Tudo com a maior transparência e na paz do Senhor. O povo e a democracia que se lixem.

3 - O Presidente da República fez hoje uma declaração, mais uma, de tarar. Foi no Congresso dos Magistrados do Ministério Público. De acordo com a Lusa, Cavaco Silva chamou a atenção do poder político "para a necessidade de reforçar o prestígio dos magistrados através de uma "cuidada reafirmação do seu estatuto de independência e autonomia". Uma vez mais o Presidente da República esqueceu-se de que não será essa a via pela qual se reforçará o prestígio dos magistrados. o que o Estado, através do poder político, tem de fazer é de melhorar as condições de funcionamento dos tribunais e simplificar a teia legislativa, eliminando as armadilhas, os "esquemas" e toda a série de artimanhas que têm impedindo que a justiça se faça a tempo e horas. Fazendo uma reforma ao estilo da que foi feita para os Tribunais Administrativos, do ponto de vista processual. Porque quanto ao mais, quanto ao prestígio dos magistrados, este só poderá ser reforçado por via do exercício das suas próprias funções, por via da legitimação das suas decisões junto da opinião pública através da produção de promoções, despachos e sentenças claras, fundamentadas e o mais justas possível. Mas para isso é necessário ter gente de carácter, gente que assuma o risco das suas decisões, gente de espírito livre, gente que não se deixe condicionar pelo poder político ou económico e que não passe a vida a fazer queixinhas. Gente que seja capaz de se distinguir pelo trabalho, pelo brio e pelo mérito com que o desempenha, gente que não tenha a mentalidade do funcionário e que se predisponha a despachar apenas para fazer circular o processo ou se livrar dele porque é incómodo. E se acima dos magistrados os Conselhos funcionarem, e forem capazes de exercer as suas competências, com toda a liberdade e plenitude, então teremos tudo para que eles se prestigiem e sejam olhados de uma forma diferente daquela com que os cidadãos cada vez mais os olham, isto é, com desconfiança. Compreendo que estas coisas sejam difíceis de compreender para um Presidente da República que tem dificuldade em assumir-se como tal e que renunciou ao vencimento da função que exerce, embora não tenha também renunciado às ajudas de custo respectivas, para receber umas reformas que lhe davam mais ao final do mês. É que as ajudas de custo da função presidencial são atribuídas também em função do vencimento que o Presidente aufere pelo exercício dessa função e não para que sejam acumuladas com as reformas por que optou. Quem assim actua e por essa forma desprestigia o exercício da função não tem qualquer autoridade moral ou ética para depois vir pedir o que pediu.

4 - Tive ontem o privilégio de voltar a ouvir António Vitorino falar sobre a Europa com a categoria a que me habituou, como ele próprio simpaticamente recordou, desde "os bancos da faculdade". A iniciativa promovida pela Câmara Municipal de Faro e o seu actual presidente, engº. Macário Correia, tem tanto de meritória quanto de propaganda, aliás na linha de uma campanha de renovação de imagem que em tempo de crise custou mais uns milhares ao erário público e aproveitou para acabar com as cegonhas no logotipo da cidade. Mas o que aqui importa sublinhar é a importância da iniciativa. Aquilo que a Câmara Municipal de Faro está a fazer devia ser a regra e não a excepção. E devia ser levado a cabo pelos próprios partidos políticos. Porque é fundamental dar novos instrumentos de participação aos cidadãos, porque é fundamental ter cidadãos esclarecidos e interessados, porque é fundamental criar oportunidades de participação e pôr as pessoas a pensar e a discutir os problemas em voz alta. E sem uma abertura do espaço público à cidadania tudo permanecerá como até aqui. Não há que ter medo, há que ousar, atirar as palas do partido para trás das costas e tomar a iniciativa. Seria bom que idênticas iniciativas tivessem tido lugar no passado, mas quanto a este ponto o actual presidente não tem culpa do que os outros que o antecederam não se lembraram, não fizeram ou não quiseram fazer.

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