14 de Janeiro de 2012
“I democratici che non vedono la differenza tra una critica amichevole e una critica ostile della democrazia sono anch’essi imbevuti di spirito totalitário. Il totalitarismo, naturalmente, non può considerare come amichevole alcuna critica, perché il principio dell’autorità finisce necessariamente col contestare il principio dell’ autorità stessa” – Karl Popper, La società aperta e i suoi nemici. Platone totalitário, Roma, Armando Editore, 1973, vol. I, pp. 265.
Volta o Diário quando os dias começam timidamente a prolongar-se pela tarde. Ainda quando o céu sobe e se espraia azul, as sombras permanecem seguindo-nos, inexoráveis, como as algemas que tardam em libertar-se. Portugal tem sido assim. Temo que assim continue por mais uns longos anos.
“As natas”, diz o fulano. Fala “delas” sem que eu o perceba. Alguém a meu lado traduz e diz-me que se refere a pastéis. Pastéis de nata. Não os imaginava no feminino, mas se calhar o homem até tem razão. Se há quem mude de género porque não gosta ou teve azar naquele que lhe saiu em sorte, por que não também os pastéis? Com tanto videirinho e chico-esperto a ocupar a pantalha só faltava entrar um patusco para dar cor e animação ao enredo.
Atropelam-se nas justificações, tropeçam nas suas próprias palavras. Há uma forma totalitária de olhar para os outros nas palavras e nas acções. Ao totalitarismo estatal que a todos se impõe e que é atrofiante da mais ligeira ousadia sucede-lhe agora o totalitarismo dos gangues. O Estado a gente sabe como combater. Os gangues não. E tudo se torna mais difícil quando não se percebe de onde eles chegam. A percepção é a de que saem do nada. Aparecem na lista e pronto.
Não vale a pena olhar para o que está a acontecer focalizando. Neste caso, a focagem retira a visão de conjunto, tende a estriar a atenção entre sulcos paralelos. Convém perceber a forma como tudo se articula e conjuga na aparência do desconhecimento, da casualidade, da conjugação astral. Felizmente que nem todos são tolos.
Os magistrados queixam-se de que não são respeitados, de que não lhes dão ouvidos. O poder político tem sido medíocre nessa relação mas são cada vez mais os que não se dão ao respeito. Se é verdade o que o JN hoje escreve na primeira página, é incompreensível que alguém, que pelo menos aos olhos da lei e da imprensa é apresentado como sendo do sexo masculino, deponha num tribunal de cabeça tapada, com um barrete de leopardo enfiado até às orelhas. A justiça não devia ser um circo ainda que os palhaços aí sejam ouvidos. Um tribunal não é um bordel.
Os anos que passei com os chineses, trabalhando entre, com chineses e não raras vezes em exclusivo para eles, convivendo com empresários, militares, artistas e simples batoteiros ou vigaristas, permitiram-me perceber a lógica deles melhor do que o prof. Catroga. Este diz que ficou “agradado com a lista”. Para ele foi tudo claro, simples, linear. Tudo se resumiu a uma questão de caras conhecidas. A um ex-ministro com o seu currículo devia ser proibido fazer figuras tristes. O homem parece não se importar. Antes não se importou de fazer de bibelot para dar a ideia de que o Governo de José Sócrates não nomeava só os da sua cor para as empresas públicas. Agora esqueceu-se de dizer que foi por um triz que Jaime Pacheco, o treinador de futebol do ano no Beijing Goan, não foi parar ao Conselho de Supervisão da EDP. Imagine-se o que seria, segundo a sua percepção do critério dos chineses, se Júlia Pinheiro, Teresa Guilherme ou uma daquelas aventesmas que regularmente passa pelos seus programas fossem conhecidas na China? Estariam agora sentadas entre o ex-patrão do primeiro-ministro e o general reformado Rocha Vieira a tratar dos “pintelhos” das eólicas.
A nomeação de Catroga, Rocha Vieira, Paulo Teixeira Pinto, Ilídio Pinho ou Celeste Cardona – esta senhora devia estar presa por ser a responsável pela pior e mais maléfica reforma que alguma vez se fez na Justiça, a da acção executiva, e que em muito foi responsável pela chegada da troika – é escabrosa.
Mas mais escabroso é que tipos com a situação financeira de Catroga – a receber uma reforma de quase uma dezena de milhar de euros –, de Rocha Vieira – que embolsou milhões em Macau, mais um subsídio de integração no final do mandato e agora goza os prazeres de uma reforma de muitos milhares na Quinta Patiño –, de Ilídio Pinho – milionário – ou de Paulo Teixeira Pinto – ex-presidente do BCP reformado por doença e a receber uma pensão vitalícia de centenas de milhares de euros – ainda vão receber mais uns milhares para o tal Conselho de Supervisão. Se Cristo descesse à terra mandava-os crucificar no alto de um monte alentejano. Por falta de solidariedade cristã para com o seu semelhante. Por ainda não terem dito uma palavra de renúncia em relação àquilo que vão receber, sem que precisem ou lhes faça falta para viverem confortavelmente, a favor de instituições de apoio à pobreza. É nestes momentos que se vê quem enche a boca com a doutrina social da Igreja e quem a pratica. Os portugueses que sofrem com as actuais condições do País precisam de gestos simples, de palavras oportunas, em especial de exemplos decentes.
A ministra da Justiça está preocupada com a Maçonaria. Se um dia fizer parte dessa ou de outra organização congénere serei o primeiro a referi-lo na minha declaração de interesses. Quanto a isso podem ficar tranquilos. Mas a senhora ministra, que é uma pessoa estimável, ao contrário do que pensa o meu bastonário, está equivocada quanto à essência do problema. Bastar-lhe-ia ter passado por Macau para ter percebido que há uma diferença entre a fidelidade a princípios e a valores e a fidelidade a grupos. A destes é irracional, canina, mais dificilmente perceptível porque mascara a realidade. Pergunte ao seu chefe de gabinete como foi Macau no “último terço da transição”. Estou certo de que o meu amigo João Miguel Barros lhe explicará com toda a paciência, como é seu timbre, que há ligações transparentes bem mais perigosas e menos higiénicas para uma democracia do que a falta de escrutínio de algumas consciências de que se desconfia.
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