A entrevista que o secretário de Estado da Administração Local, Paulo Júlio, deu a Leonete Botelho e Margarida Gomes é, com todo o respeito, um verdadeiro tratado. Um guião de ilusionismo político.
O Público percebeu-o e dá conta disso no seu Editorial de hoje, aqui citado um pouco mais abaixo.
Com efeito, trata-se de uma "reforma administrativa" que se assemelha a uma fraude política destinada a criar a convicção junto da opinião pública de que de uma reforma se trata. Na verdade, como se depreende das palavras do secretário de Estado, a "reforma" até permite que autarcas que estavam impedidos de se recandidatarem por terem excedido o limite de mandatos possam vir a fazê-lo desde que haja, repare-se na subtileza, "mudança de circunscrição geográfica", isto é, "se uma freguesia ficar com mais ou menos território, por exemplo, o autarca já se pode recandidatar". Porque, explica a eminência, "não se trata já da mesma freguesia". Pois não. Será isso, aliás, que no futuro irá fazer a diferença entre uma qualquer "freguesia de S. Pedro" pré-reforma, à qual o actual presidente de junta de nome Pedro não se poderia voltar a recandidatar, e a futura "freguesia do Pedro", esta pós-reforma, onde aquele poderá começar do princípio a contagem dos seus mandatos.
Em concreto, no exemplo dado pelo secretário de Estado, estamos perante mais uma chico-espertice para contornar a lei de limitação dos mandatos que não indigna todos aqueles que antes criticavam, com razão, a falta de reformas de fundo dos Governos, e foram vários, anteriores.
A este quadro juntam-se afirmações tão profundas como a de que "temos de ser eficazes a descentralizar", ou mais ou menos graves, para quem fala de reforma, como a de que "este não é o momento político para se discutir a regionalização", que "o Governo deixa em aberto a fusão de municípios" e que "o número de municípios em Portugal é muito inferior à média europeia", sem que se perceba se com esta última se está a deixar a porta aberta para que amanhã, algumas das freguesias que se vão fundir, nome suficientemente feio para fazer muita gente espumar sem que haja necessidade de usar outros, se poderão vir a transformar num novo município para satisfação das sempre atentas clientelas locais.
Ou, ainda, uma afirmação tão estranha nos dias de hoje como a de que "o objectivo do Governo não é diminuir aquilo que é transferido para as autarquias (municípios e freguesias)".
Confirma-se que tudo fica pela cosmética, por um pequeno rearranjo que baixe o endividamento em 150 milhões de euros e não "chateie" muito os municípios, porque é nestes que o Sr. Relvas e o PSD têm alguma força e muito poder e não convém amanhã ser vaiado por quem garante o funcionamento da máquina e satisfaz as clientelas partidárias.
Mas se é para isto que se vai fazer uma reforma, então o melhor era ter ficado quieto. Porque fazer uma reforma só para dizer que se fez uma reforma, não reduzindo as transferências do OE, permitindo a eternização no poder autárquico de políticos que já estavam com guia de marcha, por via do expediente do redimensionamento de algumas freguesias, ou deixando de pagar a presidentes de junta para depois andar a pagar às "duas ou três pessoas de cada uma das freguesias agregadas" que irão integrar o "Conselho Social", "de modo a prosseguir a política de proximidade" - pro bono e a tempo inteiro? - que já é hoje levada a cabo, e com bons resultados pelas freguesias, como irem "buscar os medicamentos e levantar dinheiro", não é uma verdadeira reforma. Não é uma proposta séria nem é para ser levada a sério por ninguém. A não ser pelos novos "cromos" que o ministro vai desencantando para compor os grupos de trabalho.
Se o objectivo é fazer uma reforma, e ninguém duvida que ela seja necessária, então pense-se tudo com critério e rigor, incluindo a regionalização, o número e a dimensão dos municípios e as atribuições e meios que a cada um devem estar atribuídos no quadro de uma verdadeira reforma da Administração Local que melhore a governança impedindo o governanço público e notório a que temos assistido de uns quantos.
Estabeleçam-se primeiro os objectivos e a forma de alcançá-los com eficácia e em termos eficientes de um ponto de vista económico. A seguir calendarize-se e a partir daí cumpra-se, fazendo a adequada monitorização.
O secretário de Estado não tem culpa. Ele cumpre o que quem o nomeou lhe manda fazer. E confesso que depois da apressada extinção da IGAL e de se ter corrido com o seu inspector da forma que todos conhecem, não esperava outra coisa. O ministro é que, depois de ler a entrevista do seu secretário de Estado, devia pintar-se de preto, embora duvide que houvesse nas freguesias tinta disponível que chegasse para esse efeito. Mas entre todos alguma coisa se haveria de arranjar. Pro bono.
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