terça-feira, dezembro 20, 2011

Perfeitos imbecis

Eu e a minha mulher, entre os dois, temos mais de 21 anos de ausência de Portugal. Quando em 1999 decidi regressar, fi-lo em virtude de algumas razões pelas quais eu entendia dever regressar. Porque os nosso pais estavam mais velhos e doentes e tinham o direito ao nosso convívio nos seus anos mais tristes. Porque gostava de ter um filho que nascesse e crescesse em Portugal e que, ao contrário de mim, não tivesse andado em bolandas durante décadas entre África e Portugal e depois acabasse emigrado no Extremo Oriente. Nessa altura eu já tinha acabado o meu curso e tinha iniciado o meu estágio, que interrompi quando fui à procura de uma nova vida e de outras hipóteses de trabalho que já então aqui não abundavam. Com a mesma idade tinha o ministro Miguel Relvas o 12º ano e começava a sua carreira política como deputado do PSD. Tentei uma primeira vez sem grande sucesso o regresso. Com poucos ou nenhuns conhecimentos, depois de alguns anos fora, teria sido mais cómodo continuar lá por fora. Mas eu quis regressar. De pouco me valeu acreditar porque três anos depois estava de novo de saída. E lá por fora fiquei durante mais seis anos. Teimoso, insisti em novo regresso e, apesar das dificuldades, por cá continuo. E continuo porque entendo que há combates que devem ser travados na própria terra. E não no estrangeiro. O combate por um Portugal melhor tem de ser travado em Portugal e não num qualquer exílio mais ou menos dourado. E porque como qualquer outro cidadão tenho o direito de aqui viver. De aqui pagar os meus impostos. Por isso regressei e melhor ou pior, ultimamente pior, por cá me fui acomodando. Para tanto tive inclusivamente de deixar de viver na terra onde mais tempo passei, onde tenho a família e amigos e me fiz homem. Só que continuando por cá, no rectângulo, e sendo o país pequeno isso também não seria grave. Entretanto, tipos como o actual primeiro-ministro ou o seu ministro dos Assuntos Parlamentares convidam agora os portugueses a emigrar. Fazem-no em razão de um sistema de selecção, recrutamento e ascensão dentro da classe política, que permitiu que os melhores saíssem da política e nela ficassem cábulas como eles que singraram à custa da política e dos conhecimentos que nela adquiriram para chegarem onde chegaram. Porque foi esse sistema "demeritocrático", como escreveu recentemente um autor italiano, que lhes permitiu ascender até onde ascenderam. Foi devido à incompetência e falta de visão de políticos como eles, que permitiram o desbaratamento dos fundos comunitários, a destruição do tecido produtivo nacional, das pescas à agricultura, o enraizamento de fenómenos como a corrupção e o tráfico de influências, a delapidação do erário público com uma máquina administrativa improdutiva e ineficiente, para já não falar na evasão fiscal e nas mordomias e reformas de estalo outorgadas a políticos semi-analfabetos, entre outros males menores, que chegámos até aqui e que homens como eles se permitem hoje convidar os melhores e os mais capazes (não falo de mim) a emigrem, a procurarem no estrangeiro aquilo que mais de trinta anos de vida democrática foram incapazes de construir. Por mim, enquanto puder resistirei. Porque as razões que me fizeram antes voltar permanecem quase todas válidas e são as mesmas que me motivam a ficar. Porque há combates que mais do que nunca têm de ser travados em Portugal, sob pena deste país ficar entregue aos mercenários da política, a demagogos e a traficantes de influências. O meu avô Miguel Correia passou pelo Tarrafal e acabou deportado em Moçambique. Por esse motivo o meu pai nasceu em Cabo Verde e está registado no Barreiro, acabando a viver em Moçambique, onde eu nasci. O meu tio João morreu no Brasil porque daqui foi escorraçado no tempo da ditadura. O meu tio José morreu em Inglaterra. Outros ficaram pela África do Sul ou Moçambique. E foi daqui, como de Angola ou de Timor que também alguns de nós, muitos de nós, foram recambiados para Portugal. Em 1999 decidi voltar. Aqui me têm. Por cá ficarei resistindo. Por muito que isso me custe. Quanto mais não seja até que Passos Coelho e Miguel Relvas me digam como poderei explicar a um pai com oitenta e três anos, numa cadeira de rodas e semi-paralisado por um avc, a uma mãe doente com oitenta e cinco, e a um padrinho cego com noventa e cinco, a quem devo quase tudo o que aprendi e a quem acabaram de rapar mais uns pozinhos da reforma, que se eu amanhã saísse de Portugal provavelmente não me voltariam a ver e abraçar durante o pouco tempo de vida que lhes resta.

Era escusado um Comissário Europeu ter vindo dizer isto. Há propostas, como diria um amigo meu, que nem ao maior filho da puta se fazem. Mas eles foram capazes de pensar numa dessas propostas e dizê-la. E ainda se deram ao luxo de pesporrrentemente querer justificá-la perante as televisões. Como se todos pudessem emigrar para Moçambique tendo por sócio Nuno Morais Sarmento. Ou para Angola tendo por patrão a família "dos Santos". Um dia poderei perdoar-lhes. Esquecê-lo jamais.

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