sexta-feira, dezembro 16, 2011

Diário irregular

16 de Dezembro

Não há declaração infeliz, aparte ordinário, dito jocoso ou simples calinada que não dê para justificar horas e horas de tempo de antena. Analisa-se o emissor, o perfil, o currículo, as implicações políticas e, depois, espreme-se tudo muito bem a ver se sai algum sumo. Em matéria de informação televisiva e de espaço de debate, seja político ou desportivo, perdeu-se a noção de tempo em televisão. Já não se trata de informar ou debater mas de apenas escaranfunchar. E alguns houve que se especializaram nisso. O que também revela a dimensão do seu carácter e a sua impreparação para desempenharem as funções que exercem nos mais nobres horários televisivos. O despropósito das questões, a forma como estas são colocadas, tantas vezes sibilinamente, não para que o esclarecimento ou a compreensão dos destinatários aumente mas tão-só para melhorar a audiência, o share, encontrar as respostas que se pretende para condicionar quem ouve e vê, e enaltecer o dislate, dando-lhe dimensão e importância nacional, fazem parte dessa forma de fazer jornalismo. Não admira que ande tudo histérico.

Reiniciou-se o período de produção legislativa acelerada. Os ciclos sucedem-se e de cada vez que muda o Governo é isto. Será que esta gente não entende que a estabilização do tecido legislativo é fundamental para o País se poder concentrar numa série de assuntos igualmente importantes a que urge dar solução? Só deixarão marca positiva aqueles que tiverem uma perspectiva de futuro. 

O embaixador da Argentina deu uma excelente entrevista ao jornal i. Para lá do bom futebol, do tango, das mulheres deslumbrantes e de uma literatura de nível quase estratosférico pela qualidade dos seus autores, a Argentina continua a ser um daqueles países com muito para dar ao mundo. E tirando aqueles momentos em que vejo os argentinos demasiado parecidos connosco, o que talvez explique a distância em que os nossos dois povos têm vivido, é um daqueles países em que continua a valer a pena acreditar. A forma como saíram do curralito e do curralón e se desenvencilharam da crise de há uma década devia servir para aprendermos alguma coisa. 
   
Daniel Oliveira disse ontem uma frase, a respeito do nosso servilismo perante o FMI e a Alemanha e a vontade que os nossos dirigentes têm de a tudo dizerem ámen, que tem tanto de simples quanto de magnífica: "a credibilidade do devedor mede-se pelos resultados económicos". Os nosso partidos, e em particular os actores políticos, têm dificuldade em entender isto. Por isso perdem tanto tempo a insultarem-se, a discutirem o sexo dos anjos e a bajularem os agiotas em nome da nação.

A selecção e recrutamento das nossas elites continua a dar bons exemplos do que não devia acontecer. A distorção é tal que até gente com alguma preparação e uma qualidade que se trabalhada poderia dar bons frutos se perde em situações caricatas. Tristes e que dão que pensar. Pessoalmente tenho horror a sessões de doutrinação partidária, mas de vez em quando os partidos, e o PS não foge à regra, mandam os seus dirigentes pelo país fora para, sob o pretexto de explicarem os méritos da acção governativa - quando estão no poder -, ou os desafios da oposição - sempre que perdem o poder -, pregarem aos militantes, manterem o tecido partidário mobilizado e tentarem que este se mantenha em sintonia com as posições das respectivas direcções. O caso que ocorreu com o deputado vice-presidente da bancada parlamentar do PS mostra como o actual sistema de partidos está errado. Aliás, o que sucedeu com Pedro Nuno Santos já aconteceu com outros dirigentes e de outros partidos, caso do PSD, do CDS ou do Bloco de Esquerda, e até com autarcas, em reuniões idênticas. Há sempre um jornalista "infiltrado" que aparece depois a fazer o relato do que por lá se disse. Não raras vezes são desmentidos, mas quando há gravação o desmentido é mais complicado. Invariavelmente, os dirigentes quando são apanhados apressam-se a corrigir o sentido da interpretação das suas declarações - no caso vertente risíveis - quando não há nada para esclarecer ou corrigir. Está dito, toda a gente percebeu, foi clarinho como a água, para quê insistir?

Normal seria assumirem o erro, mas não é o que acontece. Em regra, a emenda é pior do que o soneto. Uma vez mais assim foi. E o mais grave nem é a forma tão liminar como a si próprios se desqualificam, aumentando a desconfiança que já existe em relação à classe política. Não há nisso qualquer coragem ou gesto que mereça ser enaltecido. Manuel Alegre equivocou-se quanto a este ponto ainda que lhe fique bem a defesa. O que deve ser sublinhado e condenado não são as declarações infelizes, inócuas e infantis do autor, irrelevantes até pelo número de vice-presidentes da bancada do PS, mas sim que há dirigentes políticos que cândida e publicamente assumem possuir um discurso para dentro do partido e outro para fora. Como se isso fosse normal, politicamente aconselhado ou servisse para alguma coisa.

A duplicidade discursiva, a admissão de diferentes registos consoante as conveniências, um para comensais e crentes e outro para "infiltrados", agnósticos e ateus, constitui uma marca da forma como os partidos são hoje geridos. Do seu fechamento e da pouca conta em que têm os seus militantes ou os destinatários da mensagem. E, a avaliar pela idade desta última "vítima" da comunicação social, mais um sinal de pouca esperança na mudança de mentalidades.

O problema, em rigor, releva mais do foro da ética e da moral. E vem de trás, de muito lá para trás. Ou, se quisermos, mais do exercício da cidadania do que propriamente da politica, que acaba por ser uma extensão daquela onde tudo se reflecte e tem consequências,para nós e para os outros, se não estivermos preparados para a exercermos em bases sãs.

De qualquer modo, não será por isso que deixarei de resistir. E de lutar pela mudança de mentalidades. Dentro e fora das agremiações a que pertenço. Privado é só o que penso, guardo para mim e não exteriorizo. Ou o que se passa para lá da porta da minha casa e que não tem interesse, relevância nem repercussão pública. Tudo o mais é público. E transparente. Dos afectos aos discursos, da crítica ao elogio. Porque só assim nos poderemos conhecer melhor. E reciprocamente nos respeitarmos no consenso e na dissensão.    

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