Quando alguém diz que acredita normalmente não se conhecem, nem se perguntam, as razões por que acredita. Pode ser por convicção no que se ouve, por se acreditar que por trás das palavras há um pouco mais do que a estética do discurso, ou até por inexplicável crença ou simples simpatia. Também há quem acredite por interesse egoístico e oportunístico. Alguns há que acreditam porque são tontos, ingénuos ou imbecis. E sobram ainda outros que não acreditam, que fazem de conta que acreditam e que têm o desplante de querer convencer os outros de que o que vêem é a realidade, sendo capazes de ir buscar os argumentos mais díspares e estrambólicos para justificarem o teatro.
Carlos Abreu Amorim é um neófito da política. Não o é da vida nem do direito. O que, felizmente, não o impediu de ser deputado. E muito bem. Não precisa de um lugar mal remunerado de deputado para viver. Não depende da política para ser gente. Além de ser um homem inteligente. E não foi o facto de muitas vezes discordar das suas opiniões que me levou a estranhar as suas palavras em defesa de Alberto João Jardim. Mas, que diabo, será que CAA não tinha outro argumento para defender as inanidades governativas do Bokassa do Funchal em matéria de finanças e défice público regional do que ir buscar o exemplo e a herança de José Sócrates? Então as asneiras de Sócrates perdoam o descontrolo, os insultos e as canalhices regionais que colocam em causa a nossa imagem internacional? O que se fez no Continente serve de justificação a Jardim? Quando um homem culto e inteligente se coloca no lugar de um serventuário iletrado para fazer dos outros parvos é sinal de que entrou na política por engano. O melhor será sair dela tão rapidamente quanto entrou para não acabar fazendo a figura dos seus pares. Seria terrível se o confundissem com Guilherme Silva.
Houve quem ficasse incomodado com o que escrevi no Delito de Opinião sobre a impreparação de Passos Coelho e a falta de seriedade do triunvirato que dirigiu o PSD até às eleições de 5 de Junho passado. Até houve quem viesse falar em “ressabiamento”, como se eu, que sempre falei pela minha própria voz, correndo em pista própria e seguindo a minha própria cartilha, pudesse sentir-me ressabiado em relação a alguém por quem nunca nutri simpatia. Agora, começa a ficar tudo muito claro. Na semana passada deixei uma pequena nota, que leu quem quis, sobre o fiasco que era anunciar, quase três meses depois do Governo tomar posse, a extinção de mais de uma centena de serviços, sem dizer o que se faria aos funcionários e esquecendo-se que isso representaria uma poupança de apenas 100 milhões. Pensei que estavam a atirar areia para os olhos das pessoas, sabendo-se que em causa está um pedido de ajuda à troika de mais de 80 mil milhões e depois de durante meses termos ouvido dizer que a redução do défice se faria à custa da redução da despesas e não dos aumentos dos aumentos. Um aldrabão de feira não diria melhor. Mas há sempre quem aplauda qualquer número de circo. Então na blogosfera, e desde que começaram a surgir os novos “Abrantes” ao serviço de Passos Coelho, até o chapéu tiram aos farsantes.
Esta noite, Marcelo Rebelo de Sousa veio dizer que os cortes na despesa são “curtinhos” e que dão a ideia de terem sido “feitos em cima do joelho”. Bom, se fosse só a ideia não seria mau. O pior é que foi e é mesmo assim. Marcelo sublinhou que a melhor prova disso foi o Governo ter anunciado a extinção de um organismo internacional que não depende dele e que, por isso mesmo, não pode ser extinto por decreto do Governo. Quem assumirá a paternidade da asneira? Será preciso continuar a dar o benefício da dúvida? É claro que não.
Mas Marcelo foi mais longe, colocando em dúvida que o Governo, isto é Passos Coelho, continue a viajar em classe económica. Também eu vou aguardar o esclarecimento sem deixar de notar que a estratégia que tem vindo a ser seguida por este Governo, dir-se-ia que copia quase na perfeição a de Rocha Vieira em Macau. Também este quando lá chegou começou a cortar nos lápis e no papel higiénico por causa do “despesista” (houve quem lhe chamasse nomes mais feios em privado) Carlos Melancia. Poucos saberão como começou. Hoje todos recordam como acabou, a começar por alguns colaboradores deste Governo que passaram por Macau. Sabem bem do que falo. O saudoso Mário Bettencourt Resendes deixou uma síntese notável no DN um ano depois da criação da RAEM.
Quanto à Caixa Geral de Depósitos, o perfeito disparate que foram as alterações no modelo de gestão e a vontade de satisfazer as clientelas do PSD e do CDS/PP já começam a dar resultados. O Expresso escreveu que “o verniz estalou” e que ninguém se entende na CGD. A escolha da Caixa Banco de Investimento e de uma empresa de nome “Perella” para liderarem um negócio de milhões – as privatizações da REN e da EDP -, à revelia da lista de entidades e dos critérios previamente definidos para escolha das instituições que poderiam acompanhar essa operação, com a aparente conivência do “seminarista” das Finanças – são mais um exemplo da tão apregoada transparência e não podem deixar de nos interrogar sobre a rapidez com que tudo isto está a acontecer.
Enquanto isso, ficamos todos a saber que o único ministério que não vai sofrer “cortes” é o da Administração Interna, dirigido por um dos membros do triunvirato que tomou conta do PSD. Miguel Macedo justifica com as necessidades de segurança. Porém, a razão é bem mais prosaica. Num momento como este que atravessamos a última coisa que o Governo admite – não por qualquer preocupação que se prenda com o interesse nacional, mas tão-só com a sua imagem – é ver polícias ou militares na rua a manifestarem-se. Essa seria a machadada final na credibilidade do Governo e do regime. Pode ser que me engane, mas mais cedo ou mais tarde, talvez mais cedo do que tarde, eles acabarão de novo na rua. Porque o dinheiro não é elástico e não há, como disse Vítor Gaspar, nenhuma receita “milagreira”. Pois não, mas quando o óbvio é tão óbvio, não será difícil perceber que as eleições regionais da Madeira marcarão o ponto de viragem. Qualquer que seja o resultado destas, com ou sem maioria absoluta, Alberto João Jardim será sempre um cadáver político no regaço da maioria.
Entretanto, seria bom que alguém dissesse ao ministro Mota Soares que querer obter a devolução de verbas da Segurança Social que foram atribuídas por erro dos serviços, a quem tendo direito a ser apoiado por essa entidade não teria, em concreto, direito à ínfima parte que lhe foi creditada em excesso, revela uma grande falta de senso e de sentido de justiça, para já não falar na violência de tal medida. É que essas verbas, se foram atribuídas em excesso não o foram por culpa de quem as recebeu, por um lado; e, por outro, porque foram recebidas de boa fé pelos destinatários que as viram creditadas nas suas contas bancárias. E, depois, porque essa gente vive com mil euros por mês estando em situação de carência e tendo filhos para sustentar. Pedir-lhes nesta altura a devolução, ao fim de anos e em relação a gente que chega ao fim do mês com muitas dificuldades para comer – não o gastaram para ir de férias ou comprar acções – não será o mesmo que pedir a Joe Berardo que pague os juros do que pediu emprestado para comprar acções do BCP. Se o objectivo do Governo é dar o exemplo, então que comece por quem pode defender-se. Ou por quem criou problemas a todos actuando dolosamente, de má fé e à revelia da lei, gozando com a nossa cara e com a nossa bolsa.
Já faz um ano. A saudade é a mesma. Por isso voltaria a escrever o que então escrevi. Com um pouco mais de ternura. Porque esta é sempre pouca quando se tem e se pode dar sempre mais do que se dá.
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