4 de Setembro
Há muita coisa que não é agradável de escrever mas que tem de ser escrita se nos abalançamos a escrever alguma coisa, sob pena de se não o fizermos sermos coniventes com homens, políticas e estratégias que contribuem para a ruína nacional. Seria muito mais fácil redigir meia dúzia de banalidades, de elogios e de "chistes" que mantivessem a tranquilidade, o sorriso nos rostos, a afabilidade nos encontros ocasionais e a esperança em quem lê. Fácil, cómodo e susceptível de gerar mais leitores. Não é esse o meu caminho.
Regresso hoje a um espaço de onde nunca saí. O Diário continuará aqui, por onde esporadicamente passou. A minha saída do Delito de Opinião foi pessoalmente dolorosa. A decisão aparentemente precipitada que a promoveu esteve de pousio durante algumas semanas. É mais fácil aguentar meia dúzia de anos de escrita semanal num jornal do que num blogue, em que a rapidez de publicação, a velocidade de apreensão dos conteúdos pelos leitores, a facilidade de interacção entre autor e destinatários, tornam tudo menos equilibrado. Guardarei a memória dos bons momentos e daquilo que é irrepetível: os sorrisos sãos, as palavras sinceras, nem sempre agradáveis, de quem connosco esteve desde o princípio e até ao fim tentou tornar conciliável aquilo que para sê-lo teria de ser desvirtuado. A moderação, o equilíbrio, a constância, tudo isso era, e é, fundamental. Na escrita e nas relações sociais. Na amizade sobretudo. O que não quer dizer que seja viável em todas as circunstâncias. A rejeição de uma dor envolve uma escolha sem que essa opção signifique o fim do sofrimento. Contudo, abre outras perspectivas, transforma as variáveis, protege realidades que nos são queridas e que queremos preservar, obrigando-nos a seguir um outro caminho. Há muitos percursos para nos levarem a um destino comum. Por vezes esses caminhos bifurcam-se mas o importante é chegarmos juntos a esse destino.
Reconheço que os meus últimos textos foram duros. Tinham de ser. A prova da sua necessidade está nos jornais de ontem e de hoje, nas declarações de alguns comentadores que estão a anos-luz de mim, gente que goza de um estatuto que eu não tenho. As citações ficarão para outra sede, mas quem ouviu ou leu as declarações recentes de Pedro Marques Lopes, Lobo Xavier, Vasco Graça Moura, Marques Mendes, Manuela Ferreira Leite, João Almeida, Pedro Mexia, Rebelo de Sousa, Luís Delgado ou do insuspeito Moreira da Silva, ou escutou os jovens da Universidade de Verão do PSD gritarem um patético “Soares é fixe” numa altura destas, não pode ficar indiferente. Esta gente não ensandeceu, não apela ao regresso de José Sócrates, não passou a ser de esquerda no espaço de três meses. Esta gente ainda pensa, vê, ouve, reflecte. Teme pelo futuro e, logicamente, duvida. Por muito grande que seja, ou tenha sido, a esperança.
Convenhamos que o problema não é de seriedade. Ou de deficiente comunicação, que como todos sabem é “coordenada” pelo ministro dos Assuntos Parlamentares sem que daí saiam resultados visíveis para a acção e popularidade do Governo e de Passos Coelho. O problema é mais de inexperiência, deficiente preparação e incompetência política na torre de comando. Esperteza não chega. E essas pechas não são disfarçáveis com publicitários brasileiros ou mergulhos no Copacabana Palace. O CDS já percebeu isso. A tarimba das “jotas” pode ajudar à ascensão, à chegada ao poder, mas não chega para fazer bons políticos, bons líderes e bons governantes. E o carisma não se encomenda. Quando em causa está a justeza e adequação das políticas só a qualificação, a experiência, o bom senso e o juízo ético importam. A política não é actividade para funcionários.
A reportagem publicada no último número da Visão sobre os amigos brasileiros do ministro Relvas vem demonstrar que o que escrevi nas páginas deste Diário irregular, e que tanta celeuma causou, foi brando. As declarações proferidas no processo dos sobreiros sobre a “agilização” de processos ou as entrevistas que antes aquele deu não me deixaram dúvidas. “Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és”, diz o povo. Confirma-se que com toda a probabilidade estaremos perante um novo Dias Loureiro. O GOL vai ter muito que explicar aos “irmãos” se quiser evitar uma dissolução sulfúrica. Imaginar que, sendo verdade o que os jornais relatam, Silva Carvalho não voltou a dirigir as secretas por mero acaso não aumenta a esperança. Impressiona. Preocupa.
Três meses bastaram para o País começar a agitar-se. Na espiral em que se estava era preciso mudar. Mas Portugal não pode depender de estagiários tardios e de tecnocratas insensíveis que pairam sobre a realidade.