Non sono niente.
Non sarò mai niente.
Non posso volere d'essere niente.
A parte questo, ho in me tutti i sogni del mondo.
(Fernando Pessoa)
No meu ano propedêutico, enquanto aguardava o correr dos dias para seguir o meu caminho, passei muitas tardes e noites enfiado nos ciclos da Cinemateca. Também no desaparecido Monte Carlo e a jogar bilhar no Cine-Jardim, mas estes agora não vêm ao caso. Na altura ainda não existia o actual edifício da Cinemateca e era no Palácio Foz que acompanhava o meu primo Luís Manuel, o Luís Eloy, o Tozé Soares, o Rui Vicente, o Bispo, o João Pedro e muitos outros de quem, entretanto, perdi o contacto e a memória próxima, nas maratonas que a Cinemateca organizava. De parecido só mesmo as jornadas dos aniversários do Quarteto, mas aqui o custo era bem superior. Semana sim, semana sim, lá marchava mais um ciclo, com bilhetes ao preço da uva mijona. Do ciclo de cinema sobre jornalismo à semana do cinema cubano, dos westerns a Truffaut, de Orson Wells a Marco Bellochio, passando por Antonioni e Fassbinder, eram barrigadas sucessivas de bom cinema. Foi então que melhor me apercebi da importância do trabalho do João Bénard da Costa e do cinema como instrumento fundamental na formação do carácter de um indivíduo. Depois parti para longe, mas não mais deixei de acompanhar o cinema que se fazia entre nós e lá fora, lendo jornais e revistas, em especial a Première, e de cultivar a paixão assim criada. Se hoje tenho uma vaga ideia do que é cinema, ao João Bénard da Costa e à Cinemateca o devo. Do seu director passei a ter notícia apenas pelas crónicas que regularmente ia publicando, e também por algumas polémicas (saudáveis) em que se ia envolvendo com uma certa intelectualidade bafienta da nossa praça. O João Bénard da Costa tinha a noção do que era cinema e sabia transmiti-la aos outros. Esta manhã, confrontado com a morte dele, resta-me esperar que o Pedro Mexia saiba honrá-la promovendo uma condigna homenagem. Que tal um pequeno ciclo com os filmes preferidos dele e fazê-lo percorrer o país? Ele havia de gostar.