domingo, março 29, 2009

GRAN TORINO

Ver um filme numa sala às escuras, com bom som, com óptima imagem, num ecrã com dimensão e ... sem pipocas, penso que continua a ser o sonho de qualquer cinéfilo. Quando, ainda por cima, não há mais ninguém na sala, não se vê por perto nenhum desses bandos de adolescentes semi-anormais que falam alto, mastigam pipocas de boca aberta e põem as patas em qualquer lado; nem por perto há uns sujeitos que deixam os telemóveis tocar para depois avisarem os respectivos interlocutores de que estão no cinema, duvida-se da nossa sorte. Se a isto juntarmos, como se todo o ambiente não fosse já bastante para nos proporcionar um instante de felicidade, o privilégio de ver uma obra de excepção, então a sensação deve ser parecida com a de ganhar o Euromilhões. Pois foi o que me aconteceu. Ele, o anti-burocrata, o actor sério e honesto, o realizador de excepção, o cidadão empenhado, o velho mayor de Carmel que em 1986 venceu as eleições com uns esmagadores 72,5%, não precisava de fazer mais nenhum filme. Tinha tudo. Há muito que tinha conquistado um lugar único na galeria dos verdadeiros heróis. Mas quis fazer mais qualquer coisa. E conseguiu. Nem sequer precisou de ter ao seu lado uma dessas divas que fazem sonhar os homens e mover o mundo. Para quê? Com Gran Torino ele limitou-se a garantir a imortalidade. Só pode garantir a imortalidade quem de uma forma tão simples e directa pode dar uma lição de vida. Um dia, no seu epitáfio, a única coisa que se poderá escrever dele será que foi um homem decente. De um homem não vale a pena dizer mais nada. Recordar que foi rico, que conquistou a glória ou entrou nos livros, tudo isso é desprezível quando se está perante um homem decente. Basta dizer que foi um homem decente. Está lá tudo. Eu que diariamente procuro fugir à bestialidade, e que ingenuamente sonho com a decência e um epitáfio simples, acho que não há nada de mais belo que se possa dizer de um homem. Dizer que um homem e a sua obra foram decentes é dizer tudo. Um homem decente é um homem que nos dias de hoje, no meio da merda, consegue viver paredes-meias com a perfeição. O Clint é um deles. Gran Torino a melhor prova.