sexta-feira, fevereiro 27, 2009

O QUE EU GOSTARIA DE VER SAIR DO CONGRESSO

O combate à corrupção está na ordem do dia. A corrupção será, talvez, mais velha do que a mais velha profissão do mundo. Digo talvez porque admito que, algures, alguém poderá ter tido necessidade de corromper uma mulher para obter o favor pretendido. Ou talvez tenha sido aquela a oferecer os seus préstimos. Não sei. Porém, para aquilo que aqui quero dizer-vos isso é indiferente. Na actual legislatura foram aprovados alguns diplomas tendentes a modernizar a administração, a introduzir uma maior transparência no funcionamento das entidades públicas, a combater o branqueamento de capitais e a opacidade dos offshores, em suma, visando diminuir os mecanismos de que a corrupção se serve para medrar e se fortalecer. O que foi feito é pouco e manifestamente insuficiente (não confundir com as medidas anti-terroristas) para tornar esta terra num país mais decente e menos permeável à corrupção e, muito em particular, ao tráfico de influências. Neste momento, a luta contra a corrupção política, administrativa e empresarial é incontornável. Trava-se um combate sem quartel em Espanha (PP, Alcaucín, Marbella, etc), em França e em Itália (onde inclusivamente foi criado em Dezembro de 2008 um novo organismo, o SAET), embora neste último caso a teia berlusconiana procure limitar os sucessos recentes da polícia e da magistratura. Aqui ao lado são presos autarcas, são desfeitas redes de corruptos e o PSOE prepara-se para expulsar os autarcas envolvidos em tramas corruptivas. Entre nós, não obstante o sentimento dominante de agravamento da corrupção, com especial incidência ao nível autárquico e acentuado pela ampla mediatização dos casos, não se vê que haja uma melhoria efectiva nessa área. A própria acção da Justiça, nos pouquíssimos processos em curso, fica muito a desejar. Os processos prolongam-se indefinidamente, os inquéritos raramente são concluídos a tempo e horas, a aplicação e a medida de algumas raras penas é rídicula. A corrupção e o tráfico de influências são o verdadeiro cancro das democracias e estão aí para ficar se continuarmos a nada fazer, minando o futuro e comprometendo qualquer reforma. Era fundamental que o PS, promovendo uma maior transparência, desse um sinal de efectivo e actual combate à corrupção. Bem sei que isso não é fácil quando há cliques que estão dispostas a pactuar com o chico-espertismo e com a protecção de camarilhas que singraram, dentro e fora do partido, à custa da falta de sentido cívico, da tibieza do poder e de esquemas facilitistas amplamente divulgados e enraizados no tecido social por décadas de irresponsabildiade, laxismo e clientelismo. O programa do Governo, ainda em curso, para além de algumas medidas parcelares, não contém um capítulo exclusivamente dedicado ao combate à corrupção. Foi uma mácula que se podia ter evitado há 4 anos atrás. A própria moção de José Sócrates que será agora levada ao Congresso limita-se a um pequeno e inócuo páragrafo sobre essa matéria ("Por iniciativa do PS, o Parlamento aprovou novas leis contra a corrupção. E o PS prosseguirá essa luta, porque a corrupção e o tráfico de influências atentam contra os próprios fundamentos do Estado de Direito democrático"). Se o PS pretende, e eu acredito que sim, levar a cabo um programa verdadeiramente modernizador, então o combate à corrupção e a modernização da Justiça teriam de estar, no mínimo, ao nível do empenho nas novas tecnologias. Por tudo isso, e por forma a que amanhã seja possível avançar com uma regionalização digna do século XXI, era muito importante que o PS desse um sinal fortíssimo à sociedade portuguesa do seu empenho no combate à corrupção, designadamente aprofundando os mecanismos da transparência; fazendo aprovar legislação que contribua rápida e eficazmente para o fim da impunidade das sociedades offshore em Portugal; agravando substancialmente os tributos sobre a aquisição e detenção de bens imóveis por parte dessas sociedades (ainda que mediante a outorga de um período transitório e mesmo que isso irritasse o Dr. Mendes Bota e mais alguns caudilhos algarvios e madeirenses que vêem nelas as galinhas dos ovos de ouro); aprovando uma lei geral de combate à corrupção e ao tráfico de influências que reunisse a legislação dispersa e as disposições avulsas sobre a matéria. E, mais importante, que agravasse as penas aplicáveis à corrupção activa e passiva, ao tráfico de influências, à falsidade de depoimento, declaração e testemunho, ao suborno e ao favorecimento pessoal, aos crimes de peculato, de participação económica em negócio e de abuso de poder. Além disso, todos os ilícitos em matéria urbanística deveriam ser severamente criminalizados, visto que até hoje a simples aplicação de coimas ou as ordens de demolição não tiveram quaisquer efeitos dissuasores. Basta olhar para a zona do Garrão e ver as várias construções ilegais que há anos aguardam legalização ou demolição por parte da Câmara de Loulé. A criminalização dos ilícitos na área do urbanismo deveria, concomitantemente, impor a atribuição de carácter de urgência à tramitação dos processos administrativos e judiciais nessa área, a imediata execução das sentenças transitadas em julgado e uma maior fiscalização sobre todas as entidades licenciadoras e fiscalizadoras, incluindo sobre os respectivos técnicos. Não basta fiscalizar os autarcas eleitos e os membros das assembleias municipais. Todos os técnicos da administração pública ou autárquica que exerçam funções nas áreas do urbanismo, ambiente, inspecção e licenciamento deveriam ser obrigados à apresentação regular de declarações patrimoniais, sujeitas a óbvia confidencialidade, depositadas junto do Tribunal Constitucional e acessíveis apenas quando houvesse fundadas suspeitas de enriquecimento ilícito. Quando benefícios ilegítimos de centenas de milhares de euros são punidos com penas irrisórias de 5 mil euros e os corruptos saem a rir-se do tribunal, o sinal que se transmite à sociedade é de uma grande benevolência, de uma enorme condescendência com o crime de colarinho branco. É intolerável que alguém inserido num departamento da área do urbanismo possa dizer a um interessado qualquer coisa como "dê entrada ao requerimento que eu despacho quando o meu chefe estiver de férias". Enquanto isto puder acontecer no meu país, numa qualquer autarquia, será impossível construir uma sociedade assente em valores de transparência, solidariedade e justiça social. Nessas circunstâncias, a decência será sempre uma palavra vã e desconhecida da maior parte da população. Seria, ainda, necessário que entidades como a Inspecção-Geral da Administração Local fossem dotadas de meios que lhes permitissem actuar em tempo útil e que não fosse mais possível a um interessado, quando indagasse das razões dos atrasos na análise do seu processo, ouvir respostas do tipo "esse processo está com a jurista que foi de férias e ela só regressa dentro de duas semanas, ligue nessa altura" ou "não temos pessoal, já pedimos ao Ministério um reforço do quadro" e outras de idêntico cariz. Convém que não nos esqueçamos que os tribunais se limitam a aplicar a lei e que não será jamais possível exigir-lhes um maior rigor se as próprias leis forem benévolas. Bem sei que tudo isto poderia ter sido escrito numa moção sectorial que eu próprio levasse ao Congresso de Espinho. Mas como eu não recebo cartas de alforria e também ninguém me convidou para tal, não posso ir ao Congresso. E presumindo eu, pelo que tenho lido, que os senhores congressistas estejam mais virados para outras "prioridades" mais fracturantes, do tipo eutanásia ou casamento entre pessoas do mesmo sexo, limito-me a deixar aqui estas linhas. É esta a minha contribuição para o debate. Ainda que tudo fique como está, ainda que as moscas continuem a pousar no corpo são do partido e ainda que mesmo aquelas sejam sempre as mesmas e se continuem a reproduzir à sombra do poder, pelo menos ficam aqui estas linhas. Para que amanhã todos saibam por quem, quando e para quê é que foram escritas.