Entrou hoje em vigor o novo Código do Trabalho, publicado no passado dia 12 de Fevereiro. A pressa foi sempre mal conselheira e a má produção legislativa dos últimos anos, em termos qualitativos, comprova-o. Não há tempo de sedimentação dos diplomas; não há segurança nem estabilização do sistema; a própria doutrina já tem dificuldade em acompanhar a produção legislativa e a jurisprudência não se consolida. Seja por alterações de pormenor ou mudanças de fundo, certo é que a máquina não pára. O Diário Económico na sua edição desta manhã dá relevo às declarações prestadas por António Vitorino numa conferência do Instituto de Defesa Nacional. Vitorino não é seguramente reconhecido por ser um crítico do PS, da acção do Governo ou do Primeiro-Ministro, mas possui a inteligência, o conhecimento e o estatuto que lhe conferem autoridade para poder pronunciar-se nos termos em que o fez. O diagnóstico é evidente aos olhos de qualquer magistrado, advogado ou simples estudioso das coisas do Direito e poucos serão os que não comungam do que por ele foi dito: "A Justiça vive um problema de ineficácia e inadequação. Temos um problema de ineficácia e de inadequação do sistema perante as necessidades da vida actual, social e económica mais sujeita à necessidade de uma revisão e alteração profunda". Se à actual equipa do ministério da Justiça, ao Governo e à maioria parlamentar podem ser muito justamente atribuídos os louros pela forma como o uso das novas tecnologias foi introduzido e tornado acessível à maioria dos operadores judiciários, também lhes pode e deve ser assacada uma enorme quota-parte da responsabilidade pelos graves, constantes e múltiplos erros que sobressaem da inadequação da produção legislativa mais recente e que tardam em ser reconhecidos. Mais do que uma prova de perseverança, isso é sinal de uma grande teimosia e de afastamento da realidade. A forma como entra em vigor o Código do Trabalho é prova disso mesmo. São inúmeras as disposições que dependem de outros diplomas que ainda não conheceram a luz do dia, entre os quais o futuro Código de Processo do Trabalho ou os novos regimes de segurança, higiene e saúde no trabalho. Aquilo que se podia ganhar com uma reforma global, consistente e estruturada, perde-se nas mantas de retalhos com que se é obrigado a lidar diariamente. A imagem com que se fica das reformas legislativas dos últimos anos, incluindo a que introduz o novo Código do Trabalho, que substitui integralmente o que foi aprovado no Verão de 2003, é a de uma carroça desgovernada a descer por uma ribanceira, com o condutor preso por um pé e arrastado pelo chão, com os burros numa correria louca, ao mesmo tempo que salta a carga e se perdem peças pelo caminho. O risco neste momento é o da equipa - carroça, burros, condutor e carga - chegar toda desconjuntada ao final da descida. Nessa altura, é provável que já pouco ou nada se aproveite. E se esse momento coincidir com as eleições legislativas, alguém vai ter de responder pelo óbvio.