Normalmente, quando a Igreja se imiscui nas questões do Estado laico, o resultado não é bom para nenhuma das partes. O facto de Portugal ser um país muito dado a missas e pregações não faz dele um santuário. De igual modo, quando o poder político legisla não o faz, ou não deveria fazer, em benefício de grupos perfeitamente identificados aproveitando o descalabro conjuntural. A questão do casamento civil dos homossexuais é isso mesmo, uma questão do foro civil. Certo ou errado, responsável ou irresponsavelmente, essa poderá ser uma opção do Governo, do actual ou de qualquer outro. O que a Igreja não pode é querer substituir-se ao Estado e procurar condicionar de forma muito pouco cristã as opções políticas de um Estado laico. A inclusão da questão do casamento civil dos homossexuais na moção de José Sócrates é uma estupidez e uma cedência sem sentido ao oportunismo num momento crucial da vida do país e ante a catadupa de problemas graves que todos temos que enfrentar. Não porque essa não seja uma questão importante - o que não quer dizer prioritária - que não deva ser resolvida em termos equilibrados, diria mesmo decentes, conferindo direitos e protecção a quem deles, sem qualquer espalhafato ou acinte, necessita. Mas porque neste momento ela encobre uma opção política meramente conjuntural, destinada a obter apoios em período pré-eleitoral junto de um determinado sector da sociedade, cuja voz tem normalmente mais força do que aquela que corresponde ao seu verdadeiro peso social e eleitoral, é que ela se torna criticável e em nada contribui para a separação das águas entre a Igreja e o Estado. E ainda que isto seja verdade, também nada legitima a intervenção, em especial no tom e no estilo ameaçador com que foi feita pelo padre Manuel Morujão, da Conferência Episcopal Portuguesa.