segunda-feira, janeiro 12, 2009

OPORTUNOS

Só não vê o óbvio quem não quer. Estes dois textos de dois críticos indiscutíveis do primeiro-ministro, que Tomás Vasques oportunamente colocou no seu blogue e que aqui com a devida vénia se reproduzem, dizem tudo sobre o convite de Manuela Ferreira Leite e a resposta de José Sócrates ao pedido para um debate na televisão:

«A dr.ª Manuela Ferreira Leite "desafiou" o eng. Sócrates para um debate na televisão sobre política económica. Augusto Santos Silva rejeitou imediatamente a ideia. O primeiro-ministro, disse ele, debate com a oposição na Assembleia da República e em mais parte alguma; e não é culpa do Governo que a dr.ª Ferreira Leite não seja deputada. Por muito que nos custe, Augusto Santos Silva tem razão. Excepto em campanha eleitoral, nenhum primeiro-ministro aceitou até hoje o género de proposta que Ferreira Leite resolveu fazer. E nenhum a deve aceitar. Não se põe de parte, ou subalterniza, um órgão de soberania por causa da conveniência ou do estatuto de um qualquer indivíduo. O regime precisa de mais dignidade, não precisa de menos. E o destino do país não se pode decidir entre uma telenovela e um concurso.
A situação de Manuela Ferreira Leite não é, de resto, única. Que me lembre, antes dela, Marcelo Rebelo de Sousa e Pedro Santana Lopes (por um tempo) também ficaram de fora. Isto em certa medida mostra o amadorismo ou, se quiserem, o diletantismo das grandes personalidades do PSD. Mas não só delas. Desde o princípio que não houve coragem para estabelecer, como em Inglaterra, a regra simples de que os membros do Governo (do primeiro-ministro para baixo) e das direcções dos partidos saíam obrigatoriamente da Assembleia. E o resultado foi que a Assembleia se tornou, em grosso, um repositório de mediocridades, colectivamente subordinada aos privilegiados que de facto mandam. O deputado médio é hoje um triste figurante, sem influência e sem prestígio e, sobretudo, sem futuro
.» - Diletantismo, Vasco Pulido Valente, Público, 10.01.09

«José Sócrates tem razão. À manifestação de disponibilidade para um debate com o primeiro-ministro, expressa por Manuela Ferreira Leite, Sócrates mandou responder que não discute os planos do Governo da maneira que ela pretendia, mas só o faz no Parlamento. Por uma vez, não é possível acusar o primeiro-ministro de autoritarismo e de não querer debater com a oposição. Na verdade, é no Parlamento que estas coisas se discutem, é ali, ou deveria ser ali, que os esclarecimentos se fazem. À vista de todos, sob observação da imprensa, sem recados nem notícias dirigidas e com ampliação pela televisão e pela rádio. Com a possibilidade de conceder livre acesso à sociedade e aos grupos de interesses.
A situação de Manuela Ferreira Leite, que não é deputada, é ou deveria ser considerada anormal. Em certo sentido deveria mesmo ser evitada. Mal ela foi eleita presidente do partido, logo se percebeu que acabaria por tropeçar neste problema. O fenómeno não é novo e traduz a pouca importância que se dá em Portugal ao Parlamento. (…)
Tudo, no nosso sistema político, parece feito para diminuir o Parlamento. Até a eleição directa dos chefes, consagrada agora pela maioria dos partidos parlamentares, é, além de uma concessão despudorada ao populismo, uma facada na Parlamento. Sem falar, evidentemente, nos hábitos adquiridos de dar o primado à televisão para os debates, os anúncios de medidas e as tomadas de posição. Discuta-se no Parlamento. Dê-se liberdade aos deputados. E, se assim se fizer, talvez um dia o Parlamento tenha vida
.» - Razões, António Barreto, Público, 11.01.09