terça-feira, dezembro 30, 2008

TER RAZÃO E PERDÊ-LA

O Presidente da República, Cavaco Silva, entendeu voltar ao convívio televisivo com os portugueses. Fê-lo num momento em que eles estavam preparados para tudo menos para ouvi-lo, assim reeditando a sua infeliz intervenção do Verão passado, para lhes justificar aquilo que eles já não entendem em circunstâncias normais e que decisivamente não querem compreender num período de festança. Por duas vezes o Presidente exerceu o direito de veto. Por três vezes a Assembleia da República votou favoravelmente o diploma que aprovou o novo Estatuto dos Açores. É inconstitucional? Pois é, mas então por que razão Cavaco Silva não o enviou logo para o Tribunal Constitucional com todas as dúvidas que tinha, incluído aquela que o obrigava a ouvir a Assembleia Regional em caso de dissolução? Se Cavaco entendia, desde o início, que a questão era política, então não tinha que vir agora recolocar a questão no plano jurídico-constitucional. Da mesma maneira, se o Presidente considerava a alteração tão importante a ponto de ter de justificar ao país a sua (contrariada) promulgação, sabendo, como o próprio referiu, que as regras eram claras e que jurara cumprir e fazer cumprir a Constituição, então não deveria ter usado de meias-palavras e de uma estratégia no mínimo temerária quando suscitou inicialmente a questão junto do TC. Todas as normas que lhe suscitavam dúvidas, mesmo as que apenas encerrassem um problema de natureza política, deveriam ter sido analisadas pelo TC. Só assim o Presidente se poderia proteger. Esteve, pois, muito mal quando pretendeu desculpar-se dizendo que tinha feito tudo o que estava ao seu alcance. Não fez. E por isso mesmo também não tem perdão. Falar de deslealdade e oportunismo pode acalmar a sua consciência mas não serve de paliativo para a falta de visão política subjacente aos vetos anteriores e à forma como conduziu a sua intervenção. Pelo número objectivo de inconstitucionalidades, já expurgadas, e pelas que ainda lá ficaram, é evidente que o Estatuto era de um ponto de vista jurídico um perfeito aborto, ainda que tivesse plena justificação política no quadro das autonomias regionais e da coexistência destas com o Estado unitário. Feito o deve e o haver deste pseudo-conflito entre Belém e São Bento, duvido que alguém tenha ganho alguma coisa. A não ser que o fortalecimento das autonomias regionais passe a partir de agora a implicar o enfraquecimento do Estado e o servilismo dos órgãos de poder da República aos senhores das ilhas, o que seria uma perfeita estupidez. Perder já se sabe quem perdeu: as instituições, a começar pela Presidência da República e, em especial, os partidos políticos. Com o PSD à cabeça. Quem tivesse ontem ouvido o seu líder parlamentar, diria que este partido nunca votou favoravelmente as inconstitucionalidades entretanto expurgadas. Mas depois da abstenção na terceira votação e das declarações de Paulo Rangel, ante a permanência de, pelo menos, mais duas inconstitucionalidades, fiquei com a certeza de que no seu íntimo o PSD sempre foi contra toda e qualquer alteração ao Estatuto dos Açores, e que só se absteve por mero tacticismo político. O desconforto não podia ser maior. O deles e o nosso.