As últimas intervenções e declarações do primeiro-ministro José Sócrates começam a revelar, para além do ar crispado e impaciente, uma certo cansaço, natural em quem tem procurado conduzir reformas inadiáveis sob pressão da opinião pública e de múltiplas corporações, e ainda tem de ouvir, não a crítica política justa, certeira e oportuna, mas o impropério cantado aos quatro ventos, como aconteceu ontem no Barreiro e há mais uns dias atrás no Funchal. Em demoracia não é tolerável esse tipo de intervenção. Como também não é admissível que um presidente de um governo regional, por sinal também membro do Conselho de Estado, vá para o órgão legislativo local sentar-se na bancada que lhe está atribuída para daí insultar deputados, grupos parlamentares e os órgãos de governo legítimo da República, oferecendo, como se fosse um arruaceiro qualquer, pancada a um deputado. Mas todos estes factos não podem servir de justificação para a forma como o primeiro-ministro tem conduzido o Governo nas última semanas, tanto mais que nos aproximamos de um ciclo eleitoral difícil, exigente, e que mais por razões conjunturais do que por força das oposições vai ser competitivo. As sondagens têm dado alguma razão a José Sócrates, mas a volatilidade natural desses resultados e a sua fiabilidade limitada, bem como a crise internacional, não podem permitir que se confie nelas e que se continue a ignorar o que se está a passar. Neste campo, a actuação dos ministérios da Educação e das Finanças constitui exemplo daquilo que não deveria verificar-se. Uma política de verdade e de rigor exige antes de mais, a quem a aplica, elevados padrões de auto-responsabilização e uma actuação irrepreensível de um ponto de visto ético, um comportamento à prova de bala. E também exige que se saiba explicar à opinião pública o porquê de determinados comportamentos, das decisões que se tomam e que a todos afectam e o respectivo sentido de oportunidade. É impossível transmitir uma imagem de seriedade, de rigor e de competência quando se decide sem ouvir e sem o mínimo bom senso, para logo depois fazer sucessivos recuos e ir dando, aos bochechos, explicações atabalhoadas sobre esses mesmos recuos. O mérito da intervenção de Luís Amado na proposta de Guantánamo foi nesse ponto uma pedrada no charco. Seria bom que José Sócrates tivesse isto presente e recordasse que o autoritarismo iluminado não só não dá votos em democracia como não contribui para a realização de reformas em clima de relativa tranquilidade. Cavaco Silva que o diga. E as corporações - professores, médicos, magistrados, polícias ou militares -, Manuel Alegre e a resistência natural à mudança, não podem servir de desculpa para tudo.