Quando ontem à noite ouvi as declarações de Miguel Cadilhe, na conferência de imprensa que deu para criticar a decisão do Governo Português, tive de confirmar com quem estava ao meu lado que estava a ouvir bem o que ele dizia. Miguel Cadilhe afirmou peremptoriamente que o BPN (Banco Português de Negócio) e as suas administrações só prevaricaram porque o controlo do regulador não foi eficaz. E que, nessa medida, a instituição não devia ser penalizada com a intervenção do Estado, que considerou excessiva, já que havia outras alternativas. Com tal afirmação, Miguel Cadilhe veio defender a teoria da irresponsabilidade. Em boa verdade, o que ele disse foi que quando um tesoureiro de uma empresa desvia, dolosamente, fundos dessa mesma empresa e dos seus clientes, fundos que estão à sua guarda, e o faz em seu próprio benefício ou de terceiros, para jogar na bolsa ou comprar uns brincos para a mulher, só o faz porque a entidade patronal que lhe deu emprego e nele confiou não o controlou devidamente. Na perspectiva de Cadilhe, se numa visita de rotina o patrão pergunta ao tesoureiro se está tudo bem e este manhosamente responde que sim, a obrigação do patrão é desconfiar do empregado, suspendê-lo e instaurar-lhe um processo disciplinar. Ou seja, noutro exemplo, para Cadilhe um gatuno só assalta um banco porque a polícia não está lá para impedir o assalto no momento em que este acontece. Pode-se, e deve-se, criticar a actuação do Banco de Portugal, em especial depois de todos os alertas feitos e da desconfiança do mercado, das autoridades de Cabo Verde e de outros banqueiros em relação a algumas práticas menos claras do BPN. Alguns desses alertas datariam já de 2002, como Camilo Lourenço recordou, mas Miguel Cadilhe não pode desculpabilizar a(s) administração(ões) que o antecederam, passando um atestado de irrresponsabilidade e de indigência mental aos administradores que nelas estiveram, em relação aos ilícitos gravemente danosos que aparentemente foram cometidos e que justificaram a intervenção do Estado. Basta pensar em Oliveira e Costa, em Rui Machete e na plêiade de politicos do PSD e do cavaquismo que passou pelo banco para que tal teoria não seja aceitável. É claro que a Miguel Cadilhe e aos accionistas do BPN convinha muito mais que os contribuintes, através do Estado, caucionassem a sua gestão e avançassem com mais uns milhões para as mordomias. Só que após tal aval ter sido prestado durante anos, através das sucessivas omissões do Banco de Portugal, não havia agora razão para o Estado acreditar na boa-fé da sua administração e na de accionistas que pediram dinheiro ao banco para financiarem as suas próprias empresas. A melhor prova de que a decisão de intervir era a única possível e a mais acertada neste momento foi dada pelo próprio Miguel Cadilhe. As dúvidas que existiam ficaram dissipadas na conferência de imprensa. Depois da intervenção, o Estado tem que chamar à pedra os responsáveis do Banco de Portugal. Aquilo que os contribuintes lhes pagam justifica essa chamada.