terça-feira, setembro 30, 2008

LEGALIDADE E ÉTICA

Há justificações, como as que ontem foram dadas por uma vereadora da Câmara de Lisboa, a propósito da atribuição de casas e do pagamento de rendas de favor - ainda ninguém o disse, mas o facto de não se tratar de uma casa de habitação social não invalida o facto de se tratar de uma renda de favor face aos valores de mercado, mesmo há 18 anos atrás -, que escusavam de ser dadas. O problema não é de legalidade ou ilegalidade. Nem tudo o que é legal é ética ou moralmente aceitável. E quando estão em causa cargos públicos isso é ainda mais evidente. As fronteiras são nítidas. Quer se queira quer não, auferir de rendimentos muito superiores à média do país, superiores mesmo em relação a técnicos superiores da Administração Pública, gozar uma reforma de mais de 3.000 mensais, exercer cargos públicos ao longo de dezenas de anos e continuar a beneficiar de uma renda de favor, não é ilegal. Ter um contrato de arrendamento com uma entidade municipal por uma renda de favor também não é ilegal. Ter recebido uma casa camarária com uma renda de favor, de acordo com os critérios vigentes á época e ainda que ninguém saiba quais eram, também não é ilegal. Defender os seus próprios interesses também não é ilegal. E que tudo isso é compatível com a militância partidária também se sabe e não é ilegal. O que fica mal é dizer que nada disto afecta o exercício de funções públicas, que não belisca os fundamentos éticos do exercício do cargo ou da intervenção política. É claro que uma coisa tem a ver com a outra e nada é inocente. Bem sei que titulares de cargos políticos, actuais e anteriores, o desvalorizam, dizendo que tudo isso obedecia a uma prática de anos e que também não era ilegal. Mas isso não serve de desculpa e os fundamentos éticos do exercício da actividade política em democracia há séculos que estão definidos e não é sequer admissível pensar que eles tenham mudado nos últimos 20 anos. O problema, aceitando como verdadeiros os dados que vieram a público, não é, pois, de ilegalidade. Mas quando se afirma que nada disso belisca os fundamentos éticos da intervenção política só pode levar-nos a questionar sobre a sinceridade de alguma militância. O óbvio pode ser legal. E não é por ter sido, o que eu duvido, uma ingenuidade que deixa de ser criticável. É que há ingenuidades legais eticamente inaceitáveis. Manuel Alegre podia dizer alguma coisa sobre isto, ajudar-nos a reflectir. Este debate também serve para avaliar a qualidade da nossa democracia.