O Bastonário da Ordem dos Advogados, em entrevista a Judite de Sousa, falava nos juízes que oferecem "porrada" aos advogados. Na minha infância, esse era um termo proibido lá em casa. Isso era linguajar de carroceiro. Mas, também há tempos, uma ilustre senhora deputada falava nos mesmos termos. E também já ouvi Alberto João Jardim falar assim. Este último, aliás, fala publicamente em "gajos" e "gajas" como se estivesse sempre numa estrebaria, embora na Madeira haja muito boa gente que não fala assim. Começou, pois, a ser normal falar em tais termos, ou pelo menos socialmente aceitável, o que é ainda pior. E, mais grave ainda, já não será apenas uma moda. Ser deselegante e usar uma linguagem ordinária em público começa a ser um must para muita gente. Por ocasião das celebrações do Dia do Advogado, numa conferência no Clube Farense, um ex-bastonário referia-se a um dos ex-membros da sua equipa e bastonário que lhe sucedeu como o "Sr. Alves" e a um outro como "este senhor que lá está". Quem o disse não é propriamente um carroceiro, nem eu o tenho nessa conta, mas não deixa de ser deselegante. Também um destes dias, numa praia, ouvi uma mãe, se é que como tal se poderá chamar a tal criatura, dizer ao filho, que não devia ter mais de 4 anos e teimava em encher-se de areia e meter-se na água para adiar o fim do dia, qualquer coisa como isto: "és igualzinho ao cabrão do teu pai". Ao lado, o dito cujo sacudia a toalha e assistia impávido à cena. Quando na sexta-feira passada li no suplemento literário do Público (ípsilon) uma passagem do "livro" de Margarida Rebelo Pinto, dito "Português Suave", tive a certeza de que os tempos mudaram de vez. E que eu começo a ficar definitivamente fora do tempo. Out of time, como diz essa célebre canção dos Rolling Stones que não me canso de ouvir. Mas para que não haja dúvidas sobre aquilo a que me refiro aqui fica a transcrição integral do texto que me fez cair em mim: "passei a vida inteira aos encontrões com gajos giros que são parvos, com gajos sérios que são enfadonhos, com indecisos confusos, com mentirosos e predadores, experimentei tudo e mais alguma coisa, aprendi a distinguir à légua um tipo porreiro de um filho da puta, aturei drogados, jogadores compulsivos, palermas com um feitio de merda e com pilas pequenas, ensinei os gajos a f.... e a fazer m....... como deve ser, e quando finalmente encontrei um gajo decente (...) e que gostava mesmo de mim e me dava alguma estabilidade sem me aborrecer (...) o cretino morre na auto-estrada". Esclareço que as reticências são minhas, que este é um blogue sério e que aqui o palavrão não é indiscriminado. No original não tem pontinhos. Ora, quando uma reportagem televisiva me esclareceu que a apresentação do "livro" da dita criatura foi feita por Paulo Teixeira Pinto, um tipo que intelectualmente muito prezo e que sabe distinguir um naco de boa prova de uma boa merda, e o ouvi dizer, quando questionado pela repórter, sobre se aquele era o melhor "livro" de tal "escritora" (parece que já escreveu 14 e que se farta de vender!), Teixeira Pinto, tão diplomática quanto hipocritamente, respondeu dizendo que a autora lhe tinha dito ser tal obra a mais consistente e que ele não duvidava disso. Pois eu, a avaliar por tal passagem, também não duvido. Mas, como diria o Pinheiro de Azevedo, chateia-me que seja assim. E fico ainda mais incomodado por uma vez, sem saber quem era a sujeita, ter comprado uma das suas "obras", fiando-me na publicidade que a apresentava como uma das revelações da literatura portuguesa, e de ter, ainda por cima, oferecido a "obra" à minha amiga Catarina. A esta hora, ela, que é uma alma excepcional e nunca me falou nas qualidades íntrinsecas da "obra", já me deverá ter perdoado. Depois de saber da asneira que fizera, jurei não voltar a oferecer um livro a alguém que estimasse sem o ter lido previamente. Neste momento, depois de recordar o que disse Paulo Teixeira Pinto e de ouvir todos os senhores que anteriormente referi, estou com dúvidas sobre se a dita Margarida não estará já à frente do seu tempo. E se o problema não será da gente como eu. Um ensimesmado nunca dá pelas mudanças nos tempos. O Pessoa que o diga.
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