Manuel Alegre, um incansável lutador, poeta de altíssimo nível e prosador de excelência, que a tudo isso alia o facto de ser socialista, deputado e vice-presidente da Assembleia da República, resolveu iniciar uma cruzada contra o seu próprio partido (será?) e o Governo de José Sócrates, por discordar das opções deste último. De há uns tempos para cá, sempre que pode, Alegre critica alto e bom som as políticas do seu partido, o que é um direito seu e uma virtude dos inconformistas não formatados. Ontem resolveu associar-se a uma manifestação promovida pelo Bloco de Esquerda, pomposamente designada por comício-festa, no melhor estilo da esquerda festivaleira, onde todos falam e ninguém diz nada de útil. Levou com ele Helena Roseta, Henrique Neto, Ana Benavente e mais uns quantos. Pelo que percebi, entre outras coisas, reclamam o direito de se encontrarem com quem querem e onde querem. Parece-me bem. A liberdade é isso mesmo e não ter vergonha dos amigos. Só que por momentos senti que todos os convivas terão mergulhado numa espécie de PREC (renovado) prenhe de saudosismo. Cantaram canções de intervenção, algumas horríveis, desancaram numa certa esquerda que não alinha na sua encenação e Alegre aproveitou para fazer um discurso no melhor estilo do demagógico populismo bolivariano cultivado por Chávez. É verdade que há pobreza, que muita é escondida, que há desemprego e dificuldades. Nada disso é novo. Alegre diz ter um compromisso com os cidadãos que votaram socialista e que hoje estão desempregados. Clamou pela liberdade e pelo direito à diferença, como se estes estivessem ameaçados e só porque um qualquer aparatchik do partido o criticou. Apesar de tudo continua a parecer-me bem que haja gente como o Manuel Alegre. O que me causa alguma espécie é por que razão sendo ele militante do Partido Socialista se presta a associar-se a manifestações destinadas, não a discutir a esquerda ou os caminhos que esta deverá seguir, mas a gerarem maior insatisfação e crispação. Será que Alegre preferia que tudo estivesse como estava, que as reformas, designadamente as da Administração Pública e da Segurança Social, não fossem feitas, e que o défice continuasse a crescer? Por momentos pensei que este Manuel Alegre não tivesse nada a ver com aquele outro que foi a Macau caucionar as políticas neo-marcelistas e spinolistas de Rocha Vieira, Jorge Rangel e Alarcão Troni. Depois cheguei à conclusão que só podia ser o mesmo. O Manuel Alegre que eu me habituei a ler e a admirar tinha outra têmpera, outra fibra, e não era dado a folclores ou a alinhar em aproveitamentos ignóbeis das dificuldades alheias. É certo que nunca o vi como um bom samaritano, mas também sempre pensei que nunca seria pessoa de ficar contrariada ou a remoer. O PS tornou-se apertado e curto para Alegre. Já não é só um problema de baínhas. Se o fato já não lhe serve é altura de ele mandar fazer outro, para que se sinta melhor. A liberdade é isso mesmo. O direito à escolha, à livre opção. Uma coisa é a crítica livre e certeira. Outra é alinhar numa paródia demagógica, trauliteira e desprestigiante. Alegre arrisca tornar-se num fantasma, prisioneiro do passado e de um quixotismo destemperado. E é pena. Tem categoria para muito mais e para muito melhor.
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