terça-feira, abril 08, 2008

O KIM IL SUNG MADEIRENSE

Ao mesmo tempo que o secretário regional das Finanças do Governo da Região Autónoma da Madeira, Ventura Garcês, anunciava a apresentação ao ministro das Finanças do governo colonialista de Lisboa de mais dois pedidos de concessão de empréstimos, nos valores, respectivamente, de 50 e 290 milhões de Euros, um pândego deputado regional do PND propunha a construção - a notícia vem nas edições de hoje do DN e do Público - de uma estátua em bronze "ou outro metal nobre, com cerca de 50 metros de altura, que represente o amado líder da Madeira Nova, dr. Alberto João Jardim". Explica o proponente que essa estátua deverá ficar colocada "no cimo do antigo Forte de S. José, na entrada do porto do Funchal (Pontinha); que seja concebida de forma a possuir uma escada interior que permita aos visitantes a subida até à altura da cabeça dessa obra de arte, de onde poderão observar a baía e a mui nobre cidade do Funchal, através dos olhos do seu amado líder". Como se isso não fosse já suficientemente elucidativo da bizarria, ainda acrescentou que na base do pedestal deverão ser "colocadas pequenas rodas em aço, como nos antigos moinhos da ilha do Porto Santo, ligadas por correias transmissoras a um mecanismo propulsor interno, que permita que a estátua acompanhe o movimento do sol, como fazem os girassóis; que, na altura do zénite do astro-rei, emita a estátua um forte silvo, que simbolize para as gerações vindouras os imortais dotes oratórios de Jardim; que a energia necessária ao movimento de rotação e apito da estátua seja fornecida pelas ondas do mar".

É claro que não sei se os imortais dotes orátorios que consagraram Jardim terão alguma coisa a ver com o vernáculo e o insulto que o seu estilo elevou a linguagem de Estado ou se o apito também terá como objectivo afastar a passarada da estátua para que esta não venha a ser conspurcada pelas inevitáveis caganitas que pombos e gaivotas atraídos pela vista e grandeza da construção se pudessem lembrar de aí depositar. Compreende-se que não seria bonito ver o olho ou a boca do "amado líder" madeirense envoltos numa camada de trampa corrosiva. Os turistas nunca se habituariam a esse cenário susceptível de permitir o prolongamento do cheiro pelas suas recordações fotográficas. A técnica hoje faz milagres e não faltará muito para o dia em que isso aconteça.

Não querendo antecipar o futuro, importa que saibam que o proponente desta iniciativa - é fundamental tomar nota do nome - é um tal de Baltazar Aguiar, deputado regional, tendo os serviços da Assembleia Legislativa da Madeira solicitado, imagine-se, um parecer jurídico prévio sobre a respectiva admissibilidade.

Face a um cenário destes é legítimo duvidar do estado de sanidade das instituições madeirenses e perguntar se há alguma justificação para que o erário público sustente estas inanidades a coberto dos custos da insularidade.

Que o deputado Baltazar promova a iniciativa ainda se poderá perceber, embora com dificuldade, atentas as semelhanças que certamente haverá entre a Coreia do Norte e a Região Autónoma da Madeira. Hoje, pelo menos, em matéria de alternância política. Amanhã em matéria de estátuas.

Que o órgão legislativo regional não se demarque disto é trágico.

Mas mais trágico ainda é que um político como Jaime Gama ainda se tenha dado ao luxo de dizer o que disse sobre Alberto João Jardim no congresso da Associação Nacional de Freguesias. Naquilo que Gama disse não está, evidentemente, uma qualquer dissociação entre o institucional e o político. A não ser que a sua refinada costela socialista e republicana também esteja a pensar em ter uma estátua lá para os lados de São Bento. Neste caso, não tanto para consagrar os seus dotes oratórios, mas antes o seu próprio sentido de humor. Sabe-se que ninguém está livre das partidas que a idade e a perpetuação no poder vão pregando. Mesmo em democracia, que nessa matéria não deixa de ser generosa e distribui igualitariamente por todos.

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