sexta-feira, fevereiro 22, 2008

AS CONTRADIÇÕES DA SEDES

A SEDES, uma já vetusta e respeitável associação por onde passou e onde está uma parte importante da classe empresarial, dos gestores e dos economistas do regime, de vez em quando produz uns comunicados, numa linguagem assaz confusa, vaga e contraditória, comunicados supostamente destinados a alertarem o país para aquilo que os seus iluminados espíritos consideram ser as suas indiscutíveis verdades.

Desta vez, a SEDES resolveu brindar-nos com um alerta sobre o estado do país, provocado, em seu entender por "um mal-estar difuso, que alastra e mina a confiança essencial à coesão nacional", por uma "degradação da confiança dos cidadãos nos representantes partidários, praticamente generalizada a todo o espectro político", pela constatação da combinação de uma comunicação social sensacionalista e de uma justiça ineficaz, ante a progressão da criminalidade violenta e crescimento do "sentimento de insegurança ente os cidadãos", para concluir dizendo que tudo isto é ultrapassável através do "desbloqueamento da eficácia do regime" - que quererá isto dizer? - através de uma maior participação da sociedade civil, por via dos partidos, que segundo a SEDES carecem de regeneração, e o Presidente da República!

Começo logo por notar que não obstante a vacuidade do comunicado da SEDES, a comunicção social sensacionalista que a associação critica encarregou-se de o colocar nas primeiras páginas dos jornais, das rádios e das televisões. Se lermos com atenção verificamos que, em rigor, o comunicado da SEDES não diz nada. É mais um conjunto de banalidades esotéricas e inconsequentes, à semelhança de todos os seus comunicados anteriores, que não acrescenta nada de novo à resolução dos problemas nacionais. Para além do óbvio oportunismo e alarmismo que cria, na linha do artigo de um general na reserva recentemente saído no Expresso, é esta mesma SEDES que agora critica os partidos políticos e as desgraças do regime que há bem pouco tempo saudava o acordo entre o PS e o PSD na área da Justiça, o qual era "necessário para resolver os bloqueios estruturais que põem em risco o desenvolvimento da sociedade portuguesa", já que "só pela via do consenso político se podem reformar, com expectativa de durabilidade e consequente previsibilidade comportamental, áreas essenciais da nossa vida social e cuja organização actual bloqueia ou ameaça bloquear a nossa capacidade de desenvolvimento". E a SEDES manifestava esperança que esse acordo pudesse ser alargado a outras áreas como a Administração Pública, a Educação e a Segurança Social.

Mas aqui, convém recuar ainda um pouco mais, e ir até ao comunicado da SEDES de 9 de Julho de 2002, assinado por João Salgueiro, Faria de Oliveira, João Ferreira do Amaral, João Proença, João de Almeida Serra, Luís Barata e Vítor Bento, para constatarmos que, então, a SEDES defendia nada mais nada menos que um "pacto de regime" (!) atenta a circunstância de já nessa altura "haver um acirrar da conflitualidade política" conducente a um "caminho de perda colectiva", "tanto mais que a crise é mais profunda do que as suas emanações económicas podem sugerir". A SEDES propugnava então por uma "serena reflexão" e a obtenção através das principais forças políticas e sociais do país do "consenso necessário para corrigir rapidamente os desequilíbrios com que o País se confronta e para regenerar a base moral da sociedade". Dizia a SEDES que era pela via do consenso que seria possível reeditar sucessos anteriores - adesão à União Europeia e entrada na moeda única - para concluir defendendo um conjunto de medidas - inadiáveis presume-se - que ali identificou como "recuperar a ética como referência fundamental da vida económica e social", "criar condições de competitividade sustentada da economia portuguesa", "criar condições para a retenção de relevantes centros de decisão económica no País, sem se deixar cair no proteccionismo limitador do pleno desenvolvimento das capacidades nacionais", "definir uma clara estratégia europeia", "reformar a Administração Pública", "reformar o sistema de Justiça" e "reformar o sistema de educação", visando o aumento da competência, do rigor e da responsabilidade.

Ora, num momento em que estão a ser conduzidas algumas das reformas mais importantes das últimas décadas, a começar pelas da Segurança Social, da Saúde, da Justiça, da Administração Pública e da Educação, rompendo com uma série de problemas acomodados e procurando corrigir desequilíbrios estruturais da sociedade e do Estado, a SEDES parece ignorar tudo isso e resolveu, uma vez mais, derivar para a diletância e a vacuidade.

A SEDES esquece que é ela própria a imagem do imobilismo e dos atavismos do regime que critica, e em vez de apontar caminhos, soluções, perde-se em afirmações gongóricas, destituídas de qualquer sentido prático e de coerência.

A desagregação do tecido social e político do país há muito que começou, e contou para isso com o patrocínio de muitos dos membros da SEDES nas diversas instituições por onde passaram, nalguns casos mesmo tentanto impedir e contrariar reformas essenciais, como as da introdução de uma maior transparência do sistema bancário e de mecanismos de maior rigor e protecção dos consumidores.

Vir agora dizer, como faz a SEDES, que o regime está bloqueado e chamar a atenção para o descrédito em que a clase política está não resolve nada. Trata-se de pura verborreia inconsequente. O diagnóstico dos problemas do regime há muito que foi efectuado. Não foi preciso a SEDES vir fazê-lo.

O que se pedia à SEDES, o que a sociedade civil e o país esperavam dela, era que em vez de generalidades inócuas, fizesse uma crítica directa, consistente e consequente às medidas que têm vindo a ser tomadas pelo Governo de José Sócrates, ao papel que a oposição tem desempenhado, que apontasse erros nas reformas empreendidas, caminhos e metas capazes de serem discutidas, integradas numa estratégia e escrutináveis. Mas a SEDES não fez nada disso preferindo antes falar em inanidades como bolas de berlim e colheres de pau, numa crítica velada à ASAE. Tudo, penso eu, porque os membros da SEDES falam muito, mas receiam o confronto directo, temem o confronto com os sátrapas do regime, com as suas opiniões e com os seus interesses. Enfim, numa palavra, receiam comprometer-se. Daí que, o que aos membros da SEDES sobra em boa vontade, acaba por lhes faltar em talento e em coragem. É normal. Todos sabemos que é mais cómodo emitir de tempos a tempos comunicados não comprometedores, dando uma no cravo e outra na ferradura. Disso a SEDES também não têm culpa. A SEDES não tem culpa de nada porque também há muito que os seus membros foram colhendo os frutos do regime sem assumirem as suas próprias responsabilidades para com a sociedade civil no estado de coisas que denunciam. A SEDES tornou-se no espelho do regime e é ela própria a imagem da ineficiência do sistema político. O seu último comunicado é a melhor prova disso.

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