A sindicância à Câmara Municipal de Lisboa revelou, entre outras coisas, as múltiplas promiscuidades entre técnicos da área do urbanismo, gabinetes privados e sociedades comerciais. E também mostrou a proliferação banal de situações de duplo emprego. Até aqui nada que não se soubesse ou suspeitasse já que acontece com demasiada frequência em muitos serviços públicos. Sabe-se, de há muito, que os funcionários públicos são mal pagos e que por esse país, quantas vezes nos lugares mais insuspeitos, grassa a maior miséria moral. Esta, aos poucos, foi-se instalando até começar a corromper a esfera pública, até se banalizar e ser aceite como normal por parte de funcionários mal pagos, de uma classe empresarial subserviente e sempre dependente da mama do Estado ou das autarquias e de uma classe política mais dada a salamaleques e penachos do que a servir. O que hoje se vê na Câmara de Lisboa suspeita-se que aconteça em quase todas as câmaras do país. Basta falar com os "interessados", basta atentar nos sinais exteriores de riqueza e no património acumulado por alguns funcionários públicos que não foram brindados com o euromilhões, para desconfiar. Sistematicamente enterrou-se a cabeça na areia, hábito que a maior parte da classe política aprendeu a aceitar e interiorizar sem grandes dúvidas. Em Macau, houve até um governador que se lembrou, hipocritamente, de limitar as ofertas a funcionários públicos ao valor de 500 patacas - ao tempo cerca de 50 euros, enquanto a maior parte, governantes incluídos, continuava a receber presentes de valor incomensuravelmente superior e se desviavam fundos públicos para os actos mais bizarros. A tudo o poder político, acolitado por uma magistratura quase sempre servil e acomodada, fechou os olhos. Tudo isto vem a propósito da Câmara de Lisboa e das múltiplas promiscuidades de agora se fala. Duplo emprego é nestes casos sinal de dupla miséria. Por isso mesmo, preocupa-me mais esta situação e o combate aos hábitos que ao longo dos anos se foram enraizando entre a nossa classe política, o funcionalismo público e algum empresariado - o julgamento da Brigada de Trânsito de Albufeira revelou muita coisa que já caiu no esquecimento - do que a charutada do presidente da ASAE nas primeiras horas de 1 de Janeiro de 2008. Pode não parecer, mas é bem mais importante saber quem ofereceu a este e ao seu colega, presumo que também aos acompanhantes, o jantar de 31 de Dezembro no Casino Estoril, e discutir se é legítimo que uma oferta dessas seja legitimamente aceite por aqueles, enquanto titulares de cargos públicos e atento o valor dos salários que auferem, ou se tudo isso não passa de um facto menor insusceptível de pôr em causa a dignidade da função, de abalar o prestígio do Estado e das suas instituições ou de, simplesmente, constituir um mau exemplo para famílias de funcionários públicos com dois e três filhos em idade escolar, que auferem, em conjunto, menos de 2000 euros por mês, compram tudo a prestações, pagam a gasolina a € 1,40/litro, suportam os encargos decorrentes da aquisição de habitações mínimas e mal construídas, e ainda têm de arranjar paciência para ouvir as queixas das associações de magistrados ou as mensagens de quem diariamente pede sacríficios aos portugueses.
sexta-feira, janeiro 04, 2008
DUPLO EMPREGO, DUPLA MISÉRIA
A sindicância à Câmara Municipal de Lisboa revelou, entre outras coisas, as múltiplas promiscuidades entre técnicos da área do urbanismo, gabinetes privados e sociedades comerciais. E também mostrou a proliferação banal de situações de duplo emprego. Até aqui nada que não se soubesse ou suspeitasse já que acontece com demasiada frequência em muitos serviços públicos. Sabe-se, de há muito, que os funcionários públicos são mal pagos e que por esse país, quantas vezes nos lugares mais insuspeitos, grassa a maior miséria moral. Esta, aos poucos, foi-se instalando até começar a corromper a esfera pública, até se banalizar e ser aceite como normal por parte de funcionários mal pagos, de uma classe empresarial subserviente e sempre dependente da mama do Estado ou das autarquias e de uma classe política mais dada a salamaleques e penachos do que a servir. O que hoje se vê na Câmara de Lisboa suspeita-se que aconteça em quase todas as câmaras do país. Basta falar com os "interessados", basta atentar nos sinais exteriores de riqueza e no património acumulado por alguns funcionários públicos que não foram brindados com o euromilhões, para desconfiar. Sistematicamente enterrou-se a cabeça na areia, hábito que a maior parte da classe política aprendeu a aceitar e interiorizar sem grandes dúvidas. Em Macau, houve até um governador que se lembrou, hipocritamente, de limitar as ofertas a funcionários públicos ao valor de 500 patacas - ao tempo cerca de 50 euros, enquanto a maior parte, governantes incluídos, continuava a receber presentes de valor incomensuravelmente superior e se desviavam fundos públicos para os actos mais bizarros. A tudo o poder político, acolitado por uma magistratura quase sempre servil e acomodada, fechou os olhos. Tudo isto vem a propósito da Câmara de Lisboa e das múltiplas promiscuidades de agora se fala. Duplo emprego é nestes casos sinal de dupla miséria. Por isso mesmo, preocupa-me mais esta situação e o combate aos hábitos que ao longo dos anos se foram enraizando entre a nossa classe política, o funcionalismo público e algum empresariado - o julgamento da Brigada de Trânsito de Albufeira revelou muita coisa que já caiu no esquecimento - do que a charutada do presidente da ASAE nas primeiras horas de 1 de Janeiro de 2008. Pode não parecer, mas é bem mais importante saber quem ofereceu a este e ao seu colega, presumo que também aos acompanhantes, o jantar de 31 de Dezembro no Casino Estoril, e discutir se é legítimo que uma oferta dessas seja legitimamente aceite por aqueles, enquanto titulares de cargos públicos e atento o valor dos salários que auferem, ou se tudo isso não passa de um facto menor insusceptível de pôr em causa a dignidade da função, de abalar o prestígio do Estado e das suas instituições ou de, simplesmente, constituir um mau exemplo para famílias de funcionários públicos com dois e três filhos em idade escolar, que auferem, em conjunto, menos de 2000 euros por mês, compram tudo a prestações, pagam a gasolina a € 1,40/litro, suportam os encargos decorrentes da aquisição de habitações mínimas e mal construídas, e ainda têm de arranjar paciência para ouvir as queixas das associações de magistrados ou as mensagens de quem diariamente pede sacríficios aos portugueses.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário