sexta-feira, fevereiro 16, 2007

FORMATAÇÃO PERFEITA


O Público noticia hoje que uma senhora juíza, ante a recusa de um suspeito em autorizar a recolha de saliva para um exame médico, ordenou à Polícia Judiciária que recolhesse a amostra necessária à realização do exame de ADN pela força.

Tal como acontecia há uma década atrás com o general Rocha Vieira, que não acreditava em nada do que lia e achava que tudo o que sobre o seu governo se escrevia era mentira, também eu pensei que se tratava de uma brincadeira de Carnaval. Depois, lendo um pouco mais atentamente, cheguei à conclusão de que não se tratava de uma brincadeira. Aliás, trata-se de assunto demasiado sério para ser encarado de ânimo leve. E as declarações de António Marinho e de Carlos Pinto de Abreu, este último na qualidade de responsável da Ordem dos Advogados, conferem mais credibilidade à notícia.

Não sei se o Conselho Superior de Magistratura que tão lesto se mostra a abrir processos e inquéritos aos magistrados que não dobram a cerviz aos seus humores, irá usar da mesma celeridade em relação ao caso da referida senhora juíza.

O juiz-desembargador Eurico Reis falava há dias em juízes que saíam do Centro de Estudos Judiciários "formatados". Isso não constitui novidade, já que a estandardização e uniformização dos padrões de recrutamento e selecção dos magistrados portugueses há muito que é um dado adquirido. Podem nunca ter saído de Portugal, nem para ir aos caramelos a Badajoz, não terem um mínimo de conhecimento da vida e das suas realidades, não terem dois dedos de mundo, mas se forem aplicados, estudiosos, trabalhadores e estiverem dispostos a aceitar a "formatação" do CEJ pode ser que cheguem a magistrados, façam uma boa carreira e juntem um pequeno pé-de-meia. Felizmente há muitas excepções e há por aí muitos e bons magistrados para comprovar o contrário. Com ou sem processos à perna.

O que constitui verdadeira novidade é que agora também se queira recolher prova usando para tal a força bruta quando os suspeitos ou os arguidos não queiram colaborar com o magistrado que detém as rédeas do processo, assim colocando em crise princípios e valores sacrossantos do nosso sistema jurídico e da civilização a que pertencemos. Pelo menos desde o 25 de Abril de 1974.

Pode ser que algum membro do CSM leia também a notícia e aquele órgão decida agir, suspendendo rapidamente a senhora magistrada antes que os rapazes da Polícia Judicária, no cumprimento das ordens daquela, sejam obrigados a quebrar os maxilares ao desgraçado que não quer abrir a boca. É que se o não fizer, eu que já temo pelo futuro dos cidadãos deste país ficarei ainda mais apreensivo. A Drª Ana Gomes tem andado preocupada com os presos de Guantanamo. Convém que passe também a preocupar-se com o que se passa com a justiça portuguesa e guarde um tempinho para andar por aí. Como os fantasmas. Eu posso dar-lhe uma ajuda.

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