domingo, dezembro 31, 2006

TEXTOS DA MINHA VIDA (9)

Meu querido …..

Num primeiro impulso, pensei “escrever-te” logo após o teu telefonema, cuidando saber do resultado da minha consulta em ……..

De seguida, porém, pareceu-me melhor deixar arrefecer uma notícia que, tal como eu esperava, não podia ser boa.

Sei como estou e a minha formação profissional persiste em subtrair-me ao engano das miragens.

Não tenho mais, portanto, do que continuar a viver (ou a existir) num mundo paralelo ao da maioria das pessoas e esperar que o meu tempo se esgote.

De resto, ao longo da minha vida – que se vai tornando estupidamente longa – eu fui um homem que, quase sempre, viajou sozinho.

Dizendo de outra maneira: a solidão que há perto de trinta anos montou cerco à minha volta é uma velha conhecida, embora nestes últimos tempos de muito difícil e, por vezes, mesmo penosa convivência, mas não vou erguer mais o muro das lamúrias!

Volto a agradecer os recortes de jornais que enviaste.

Com o Rui Knopfli relacionei-me amistosamente, mercê de sentimentos, ideias e gostos que, em grande parte, partilhávamos.

Colaborei, episodicamente, no suplemento literário de “A Tribuna”, jornal que ele muito impulsionou e veio a dirigir por altura da “abrilada moçambicana”.

Por outro lado, num dos seus livros publicados no começo dos anos 60, dedicou-me um pequeno poema a que deu nome de “…………”.

Do texto em si, já não me recordo, mas o título ficou como um sinal de presságio. Não sei se ele tinha os olhos perfurantes e longos dos videntes. Já chega de falar de mim.

(...)

Quanto ao que escreves para os jornais, já te mandei dizer, talvez de forma arredondada aquilo que penso. Tenho para mim que não é quixotismo denunciar toda e qualquer forma de injustiça, mas é minha convicção também que os valores e interesses instalados, seja qual for o poder que os suporte, são como moinhos de vento, contra os quais quase sempre é inútil arremeter.

De quanto me foi possível deduzir, as barricadas parisienses de Maio de 68, foram erguidas contra alguns desses interesses e valores – só que o foram pelas mãos de um revolucionarismo inconsequente – por romântico, por demagógico e por outras razões mais que eu não sei. Passadas três décadas, os “moinhos” lá continuam no seu afã e, varridas as ruas do entulho revolucionário, já nada deve restar nos vazadouros municipais.

A velha máxima latina “primum vivere deinde filosofare” podia servir de epitáfio (ideia minha) para certos acontecimentos e situações. Sem dúvida, viver está sempre primeiro!

Longe de mim, com estas palavras, pretender desviar-te do que tu sintas como imperativo.

Penso que conheces minimamente o chão que pisas e o meio que te rodeia.

Assim sendo, “sem te queimares” aproveita o teu “sol de Primavera”, porquanto como tantas outras coisas nesta vida, também o sonho é fugidio.

Pegando nesse “sem te queimares” veio-me à lembrança o diálogo havido nas vésperas de Alcácer, entre D. Sebastião e um velho fidalgo que desaprovava a empresa africana. Ao reticente conselheiro, terá o Rei perguntado qual era a cor do medo. A resposta terá sido, mais ou menos esta: “Senhor, o medo, por vezes, tem a cor da prudência”.

Evidentemente que não pretendo que sejas medroso; mas é evidente, também que te peço que sejas prudente. Eu, nem sempre o fui, e hoje em dia não posso vangloriar-me de não ter sido.

É que paguei sempre por alto preço os meus erros maiores. Ao percorrê-los, mentalmente, não estou certo de ter feito bem ditando parte destas linhas, porquanto me parece que deixei transparecer algum do meu cansaço. Não era esse, no entanto, o meu propósito. Para outra vez será melhor.

Um beijo para ……….. e outro para ti com um grande e saudoso abraço do teu muito amigo

………………..
Esta é a minha prenda de Natal, atrasada, eu sei, para os leitores deste blogue. A todos desejo um fabuloso Ano de 2007. Eu voltarei para o ano, se Deus quiser, com ideias mais frescas e uma esperança renovada no futuro.

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