O eterno problema do recrutamento da classe política volta a dar que falar neste final de ano. Embora sem trazer nada de novo, convém ler o que Rui Machete escreveu no Diário de Notícias de hoje (31/12/2006). Gostava que ele nos tivesse esclarecido em que medida o nível medíocre da classe política está presente no seu próprio partido (PSD). Mas num país em que tudo tem de ser politicamente correcto, até mesmo a crítica, o melhor mesmo é não fazer ondas e ir dizendo de mansinho o que se quer. Pode ser que o novo ano nos traga novidades nesta matéria.
A renovação da classe política
(Rui Machete, Advogado)
O 25 de Abril foi, a um tempo, um golpe de Estado feito por militares por razões basicamente corporativas, libertando-se de um regime caduco, e uma manifestação revolucionária de quem sonhava implantar colectivismos marxistas - uma minoria - e dos que pretendiam apenas que Portugal fosse um país normal do Ocidente europeu, com instituições democráticas pluralistas - a grande maioria dos portugueses. Constituiu também ocasião para uma profunda renovação da classe política, substituindo os defensores ou acomodados à dita- dura por quem lhe era contrário. O primado da política que então se viveu levou a que se dedicassem à causa pública muitos dos melhores das gerações mais jovens. As camadas dirigentes e, de modo particularmente nítido, a Assembleia Constituinte e os deputados das primeira e segunda legislaturas são disso prova clara.Pouco a pouco a normalização da vida política permitiu que as actividades económicas e profissionais retomassem o seu lugar habitual. Tem-se vindo, porém, a assistir a uma preocupante degradação na qualidade dos que se dedicam à política e à vida pública em geral, uma vez mais evidenciada nas actividades parlamentares, nos dirigentes partidários e nos autarcas.A opinião pública faz eco da falta de qualificação da classe política, contribuindo ainda mais para o seu desprestígio. Pareceria até que se trata apenas de matéria risível, sem qualquer importância; e, no entanto, a qualidade da governação é, tal como a qualificação dos gestores nas empresas, decisiva para o progresso das nações. O êxito do desenvolvimento económico e social conseguido pela Irlanda entre os membros da União Europeia, tal como o insucesso de muitos países africanos, deve-se em grande medida à qualidade dos seus governantes. Não pode assim deixar de surpreender a leveza com que em Portugal, não apenas em pasquins mas em jornais responsáveis, se discute e admite a possibilidade de esta ou aquela pessoa, sobretudo se situada na oposição, poder ser um candidato credível a primeiro-ministro ou a um outro posto político importante apenas porque é um presidente de uma câmara, um dirigente partidário regional, um economista ou professor universitário mais ou menos competentes. O modo infeliz como se resolveu a sucessão do primeiro- -ministro Durão Barroso constituiu um mau precedente, que ajudou ainda mais a este facilitismo. Seria bom que os critérios de escolha dos candidatos se tornassem bem mais exigentes e sobretudo que apenas alguma experiência nos cargos públicos de certa relevância autorizasse as extrapolações que se pretende fazer.A resolução das dificuldades no recrutamento de uma classe política competente constitui uma questão difícil que se insere, aliás, no problema mais amplo das disfuncionalidades do sistema político português.As causas dessas dificuldades são múltiplas e não se eliminam por decreto. Existem razões profundas e de longo prazo. Citemos apenas uma: a ausência de programas educativos no nível secundário e também no universitário, preocupados em ensinar as metodologias adequadas à abordagem e compreensão das questões públicas, de modo a permitir uma valoração mais informada e objectiva das políticas e dos comportamentos dos políticos. A actual posição marginal que o ensino da ciência política de orientação empírica, anglo-saxónica, com estudo dos casos é demonstrativo do nosso atraso neste domínio. Sem eleitores capazes de formu- lar juízos críticos fundamentados e exigentes é muito difícil conseguir elevar os critérios de selecção dos políticos, quer dos que façam da política profissão quer dos que a ela se dediquem só em certo momento da sua vida.Há também causas próximas de efeitos convergentes mas mais limitados. Indiquemos também apenas uma: a pouca relevância da Assembleia da República na vida do País, derivada da diminuta capacidade legislativa que na realidade possui face à competência do Governo, da agenda das questões que debate, que passam muitas vezes ao lado dos problemas reais mais sentidos pela população, e ainda do pouco nível e do modo retórico como habitualmente são discutidas as matérias de que se ocupa. No sistema político português uma coisa é o normativo constitucional e a posição atribuída ao órgão de soberania Assembleia da República, outra coisa é o seu real papel no domínio dos factos. As interpretações e as teorias explicativas podem certamente variar. Mas duas coisas parecem certas nesta questão crucial: é que sem maior exigência no recrutamento e na valoração dos comportamentos dos políticos dificilmente a qualidade da governação do País registará substanciais melhorias; e que sem melhor educação política e cívica não se conseguirão os juízos críticos do eleitorado com o grau de exigência requerido e necessário.
O 25 de Abril foi, a um tempo, um golpe de Estado feito por militares por razões basicamente corporativas, libertando-se de um regime caduco, e uma manifestação revolucionária de quem sonhava implantar colectivismos marxistas - uma minoria - e dos que pretendiam apenas que Portugal fosse um país normal do Ocidente europeu, com instituições democráticas pluralistas - a grande maioria dos portugueses. Constituiu também ocasião para uma profunda renovação da classe política, substituindo os defensores ou acomodados à dita- dura por quem lhe era contrário. O primado da política que então se viveu levou a que se dedicassem à causa pública muitos dos melhores das gerações mais jovens. As camadas dirigentes e, de modo particularmente nítido, a Assembleia Constituinte e os deputados das primeira e segunda legislaturas são disso prova clara.Pouco a pouco a normalização da vida política permitiu que as actividades económicas e profissionais retomassem o seu lugar habitual. Tem-se vindo, porém, a assistir a uma preocupante degradação na qualidade dos que se dedicam à política e à vida pública em geral, uma vez mais evidenciada nas actividades parlamentares, nos dirigentes partidários e nos autarcas.A opinião pública faz eco da falta de qualificação da classe política, contribuindo ainda mais para o seu desprestígio. Pareceria até que se trata apenas de matéria risível, sem qualquer importância; e, no entanto, a qualidade da governação é, tal como a qualificação dos gestores nas empresas, decisiva para o progresso das nações. O êxito do desenvolvimento económico e social conseguido pela Irlanda entre os membros da União Europeia, tal como o insucesso de muitos países africanos, deve-se em grande medida à qualidade dos seus governantes. Não pode assim deixar de surpreender a leveza com que em Portugal, não apenas em pasquins mas em jornais responsáveis, se discute e admite a possibilidade de esta ou aquela pessoa, sobretudo se situada na oposição, poder ser um candidato credível a primeiro-ministro ou a um outro posto político importante apenas porque é um presidente de uma câmara, um dirigente partidário regional, um economista ou professor universitário mais ou menos competentes. O modo infeliz como se resolveu a sucessão do primeiro- -ministro Durão Barroso constituiu um mau precedente, que ajudou ainda mais a este facilitismo. Seria bom que os critérios de escolha dos candidatos se tornassem bem mais exigentes e sobretudo que apenas alguma experiência nos cargos públicos de certa relevância autorizasse as extrapolações que se pretende fazer.A resolução das dificuldades no recrutamento de uma classe política competente constitui uma questão difícil que se insere, aliás, no problema mais amplo das disfuncionalidades do sistema político português.As causas dessas dificuldades são múltiplas e não se eliminam por decreto. Existem razões profundas e de longo prazo. Citemos apenas uma: a ausência de programas educativos no nível secundário e também no universitário, preocupados em ensinar as metodologias adequadas à abordagem e compreensão das questões públicas, de modo a permitir uma valoração mais informada e objectiva das políticas e dos comportamentos dos políticos. A actual posição marginal que o ensino da ciência política de orientação empírica, anglo-saxónica, com estudo dos casos é demonstrativo do nosso atraso neste domínio. Sem eleitores capazes de formu- lar juízos críticos fundamentados e exigentes é muito difícil conseguir elevar os critérios de selecção dos políticos, quer dos que façam da política profissão quer dos que a ela se dediquem só em certo momento da sua vida.Há também causas próximas de efeitos convergentes mas mais limitados. Indiquemos também apenas uma: a pouca relevância da Assembleia da República na vida do País, derivada da diminuta capacidade legislativa que na realidade possui face à competência do Governo, da agenda das questões que debate, que passam muitas vezes ao lado dos problemas reais mais sentidos pela população, e ainda do pouco nível e do modo retórico como habitualmente são discutidas as matérias de que se ocupa. No sistema político português uma coisa é o normativo constitucional e a posição atribuída ao órgão de soberania Assembleia da República, outra coisa é o seu real papel no domínio dos factos. As interpretações e as teorias explicativas podem certamente variar. Mas duas coisas parecem certas nesta questão crucial: é que sem maior exigência no recrutamento e na valoração dos comportamentos dos políticos dificilmente a qualidade da governação do País registará substanciais melhorias; e que sem melhor educação política e cívica não se conseguirão os juízos críticos do eleitorado com o grau de exigência requerido e necessário.
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