sexta-feira, outubro 06, 2006

António Costa vs. Jorge Coelho ou o combate entre um PS moderno e um PS caceteiro




Este candidato a blogue começou com a pretensão de fazer textos curtos, de preferência pouco maçudos e, se possível, com algum humor. Aos poucos ele vai-se afastando da montanha e do mar, os seus pais geradores no sentido freudiano da coisa, e começa a assumir um tom de almanaque. E ainda por cima elogioso. Vou procurar moderá-lo, embora não desconheça a tendência natural que os filhos têm para se emanciparem, libertarem-se da tutela dos progenitores. Como seu pai natural não quero castrá-lo e nesse ínterim lá terei que aqui deixar mais alguma coisa.

O ministro da Administração Interna do XVII Governo constitucional merece um lugar de destaque na galeria de hoje. Ainda há pouco dissertava eu sobre o discurso de Cavaco Silva no 5 de Outubro e o seu apelo à luta contra a corrupção. Seria injusto se depois daquilo que escrevi ignorasse a nova proposta de lei sobre as finanças locais e a discussão que a mesma tem gerado.

Por natureza e feitio desconfio das propostas do Governo. De qualquer um e de nenhum em particular (confesso que desconfiava ainda mais quando era primeiro-ministro Santana Lopes, altura em que cheguei a duvidar da razão humana e a acreditar piamente que o céu me ia cair em cima). Quando ouço o feudal Jardim vociferar contra a nova lei dos cubanos apetece-me sorrir sem lhe ligar peva. A vida política portuguesa tem estado infestada de bokassas, de petits le pen, de haiders compulsivos. Por isso mesmo também não constitui novidade nenhuma ouvir o maioral da paróquia do Funchal mandar vir contra a proposta de lei, ameaçando com o Carmo e a Trindade com a mesma sem vergonha com que criticava o “senhor Silva”. Se depois dele começo a ouvir o Ruas, aquele senhor da Associação Nacional dos Municípios Portugueses que queria correr com os fiscais do Ambiente à pedrada, também a berrar contra o pacote que ai vem, contra o ministro das Finanças e contra tudo o que está na forja, porque lhe querem fechar a torneira dos gastos, ainda sou capaz de prestar alguma atenção às notícias. Um senhor de bigode a falar à hora das notícias tanto pode ser um programa de humor como um anúncio do Gato Fedorento. Se a seguir a estes a rádio vier anunciar que “os autarcas do PS” estão contra a nova lei, contra o ministro António Costa e o minitro das Finanças e, ainda por cima, nesse mesmo dia, sair a terreiro o camarada Jorge Coelho a mandar as bocas da praxe para as bases do partido (só de ouvir falar nelas entro em pânico), então começo a rir a bandeiras despregadas. Querem ver que esta “malta está toda à rasca”?

É claro que enquanto João Cravinho falou ninguém se preocupou. O homem tem fama de louco e de cada vez que um deputado prepara alguma coisa aquilo leva uma eternidade a conhecer, se conhecer, a luz do dia. Mas no curto espaço de uma semana, depois dele, vieram António Costa e Teixeira dos Santos. E logo a seguir Cavaco. E curiosamente todos falaram nos autarcas. O major Loureiro dirá que é uma cabala, no que será secundado pelo Moita Flores. Muitos ficaram ofendidos. É natural. Eu também fico quando ouço dizer que os advogados são uns vigaristas e que os do Algarve ainda são piores. Ninguém gosta que chamem nomes à família. E enterrar a cabeça na areia nunca foi solução.

O ministro António Costa tem tido uma paciência de job. Não é fácil aturar aquela gente que, salvo cada vez mais raras excepções, se tem imposto na vida política por fazer a escola do partido, favorecer o emprego local de uma meia dúzia de eleitos, estimular o compadrio, o clientelismo, a política do pequeno favor, quando não do grande escambo, ao mesmo tempo que apadrinham equipas de futebol falidas e construtores civis ávidos de novos terrenos. Pode ser injusta mas essa é a imagem que cola à maioria dos autarcas deste país. Alguns há que nela não encaixam. Esses poucos são aqueles de quem ninguém fala, os que não fazem escola fazendo obra e que na primeira oportunidade são jogados fora a favor de um qualquer arrivista ou de um intelectual da moda. Quanto aos outros não há quem por esse país fora não os conheça e não fale deles, justa ou injustamente, das negociatas que promovem, das mordomias de que gozam, das contas dos sobrinhos, das férias no Brasil, das casas no Algarve, dos carros topo de gama, das noitadas...

Num país como o nosso, em que quem se tem safo têm sido os judas e os isaltinos, é sinal de esperança saber que há quem se preocupe connosco, quem ature os autarcas, os bons, os maus e os inqualificáveis e pacientemente vá reunindo com eles, até com os bem intencionados, que também os há, e lhes vá explicando que entre as virtudes da democracia existe uma que é a de saber gerir o dinheiro dos contribuintes e prestar contas de uma forma clara e transparente. Como qualquer advogado que se preze.

Saber que Jorge Coelho está ao lado dos autarcas socialistas – e a sua posição sobre a política do ministro Correia de Campos não pode ter segunda leitura – que estão ao lado do inexistente Fernando Ruas (Mao chamar-lhe-ia a campanha dos gatos pardos), que por sua vez está ao lado do inqualificável Alberto João Jardim, contra a nova proposta de lei das finanças locais pelo simples facto esta vir moralizar aquilo que não deveria ser necessário moralizar – o escrutínio dos gastos das autarquias – só pode ser motivo de grande satisfação.

Saber que o António Costa é um dos esteios dessa unanimidade e da ansiedade que se gerou, é motivo de tripla satisfação. Pelo trabalho que está a fazer, por ele ser do PS e por gostar do SLB.

Agora só é preciso esperar que a lei seja aprovada, que a Inspecção Geral da Administração Interna comece a actuar e que o novo Procurador Geral da República não fique a dormir na forma. E, se possível, que varram este país de norte a sul. Se começarem pela Madeira não será mau. Depois é só continuar. Essas coisas quando entram no automático já não param. O Nunes da ASAE que o diga. E já agora, se puderem, que isto vai a talhe de foice, digam também ao João Adelino Faria (sic da SIC!) que “faria-lhe” não é coisa que se diga. Ainda menos em televisão.

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