terça-feira, janeiro 22, 2013

Leituras (3)

 
"Hoje é costume desdenhar-se o Estado-providência do século XX como europeu e 'socialista' - geralmente em formulações como: "Creio que a história registará que foi o capitalismo chinês que pôs fim ao socialismo europeu". Pode ser europeu (se admitirmos para este efeito que o canadá, a Nova Zelândia e - no que toca à segurança social e ao serviço nacional de saúde para a terceira idade - os EUA são todos 'europeus'); mas 'socialista'? O epíteto mais uma vez revela uma curiosa ignorância do passado recente. Fora da Escandinávia - na Áustria, Alemanha, França, Itália, Holanda e outros países - não foram socialistas mas democratas-cristãos os principais responsáveis pelo estabelecimento e administração das instituições fulcrais do Estado-providência activista. Até na Grã-Bretanha, onde no pós-II Guerra o governo trabalhista de Clement Attlee inaugurou de facto o Estado-providência como então o conhecemos, foi o governo de tempo de guerra de Winston Churchill que encomendou e aprovou o Relatório de William Beveridge (ele próprio um liberal), que estabeleceu os princípios do fornecimento da providência pública: princípios - e práticas - reafirmados e garantidos por todos os governos conservadores que se seguiram até 1979.
 
O Estado-providência, em suma, nasceu de um consenso transpartidário do século XX. Foi implementado, na maioria dos casos, por liberais ou conservadores que haviam entrado na vida pública muito antes de 1914, e para quem o fornecimento de serviços médicos universais, pensões de velhice, subsídios de desemprego e doença, educação gratuita, transportes públicos subsidiados, e os outros pré-requisitos de uma ordem civil estável, representavam não o primeiro estádio do socialismo do século XX mas o culminar do liberalismo reformista do fim do século XIX. (...)

Não é só a natureza que tem horror ao vácuo: as democracias em que não existem escolhas políticas significativas a fazer, onde a política económica é agora grandemente determinada por actores não políticos (bancos centrais, agências internacionais, ou empresas transnacionais) - podem ou deixar de ser democracias funcionais ou conciliar uma vez mais a política da frustração e do ressentimento político."   

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