sexta-feira, dezembro 02, 2011

DIÁRIO IRREGULAR

2 de Dezembro de 2011

Olho para as pessoas que por mim passam na rua. Em todas o mesmo olhar triste. Amargurado. Até nas mulheres bonitas. À crise soma-se o distúrbio provocado pela fotografia da criança francesa que foi enfiada à força dentro de uma máquina de lavar para ser centrifugada. Nem as crianças escapam. À entrevista confessória do "estripador de Lisboa" seguiu-se o sequestro e o roubo a um vice-presidente da Caixa Geral de Depósitos e a apresentação dos documentos "originais" dos "originais" relativos à licenciatura de José Sócrates. O passado não traz segurança. O presente é cada vez mais incerto. O Estado,a economia, o poder político, a razão de toda a desconfiança.

A senhora Merkel garante que a solução está próxima. Nicolas Sarkozy, com o seu sorriso idiota e andar apalhaçado, acompanha-a. Agora falam em refundação da Europa, em convergência orçamental e disciplina económica. Tudo em nome da solidariedade europeia. No fundo tudo se resume a uma frase: dêem-nos os vossos recursos que nós trataremos de geri-los sem sobressaltos. Nem para nós, nem para vós, acrescentaria eu.

Pouco edificante, como seria previsível, a negociação que afinal não houve sobre o Orçamento de Estado. A forma e a rapidez como alguns políticos passam a si próprios atestados de desqualificação é assustadora. Os acontecimentos verificados durante a apresentação, debate e votação do Orçamento de Estado, os números circenses que alguns voltaram a protagonizar com o à-vontade de quem ainda não percebeu que os tempos mudaram, fazem-me pensar que tudo aquilo que então escrevi mantém actualidade. Não seria possível mudar a composição do Grupo Parlamentar socialista, mas era perfeitamente evitável que nos órgãos nacionais do partido ficassem os mesmos de sempre. A factura de Seguro já começou a ser paga e há erros que a opinião pública e o eleitorado não perdoam. 

A velocidade com que em Portugal caminhamos para o empobrecimento é tal que nos últimos dias me vieram à memória duas frases que marcaram os anos oitenta do século passado. Uma é de um pensador e ensaísta neo-liberal, o francês Guy Sorman, que definiu os regimes socialistas do Leste europeu como sendo "regimes de miséria planificada". O grau de pobreza e de subdesenvolvimento de algumas sociedades comunistas era tão acentuado que Sorman não encontrou melhor forma de defini-los. A outra frase  - há quem discuta se foi efectivamente proferida, mas aquele a quem foi atribuída nunca a desmentiu -não é de um liberal, mas de alguém que foi durante mais de duas décadas o homem mais poderoso do regime chinês, ainda hoje por muitos idolatrado. Foi ele quem iniciou a revolução que conduziu a que um país pobre, isolado e fechado, dominado por comunistas corruptos, se tornasse num dos pilares fundamentais para a sustentabilidade do capitalismo moderno e das economias ocidentais. Refiro-me a Deng Xiaoping. Muita gente sorriu, poucos acreditaram, quando lhe atribuíram a frase "poverty is not socialism, to be rich is glorious". Mais de uma dezena de anos após o seu falecimento, depois dos Jogos Olímpicos passarem por Pequim e numa altura em que as grandes empresas americanas, italianas e alemãs, de produtoras de bens de luxo a empresas de refrigerantes que foram símbolos da Guerra Fria, vendem mais na nova China que nos seus próprios países, tudo parece começar a fazer sentido.

Parece mas não faz. Deng já cá não está para comentar o que se está a passar na Europa nem para nos ajudar a perceber as razões para o que acontece. Duvido que, entretanto, alguém se atreva a perguntar a Sorman qual a solução para o caso português, mas estou ciente de que ele duvidaria das conclusões de Passos Coelho. Quando um primeiro-ministro em funções de um país estruturalmente pobre, e que precisa urgentemente de se modernizar, crescer e desenvolver, diz que uma crise grave como a que atravessamos só será ultrapassável empobrecendo ainda mais, qual o papel que fica reservado à esperança? Se o socialismo era o regime da miséria planificada, o "passismo" só poderá ser entendido como uma estratégia de empobrecimento planificado, assente no desmantelamento do Estado e na asfixia tributária dos cidadãos, destinada a criar a ilusão nos portugueses de que um dia será possível sair da miséria crescendo.

O grave é que a miséria não é um adubo. A miséria espalha-se, pode tornar-se endémica, mas não gera crescimento. E ser pobre e esforçado não é uma glória. Nunca foi. Passos Coelho, que apesar de tudo me parece um tipo normal, devia perceber isto. Não é difícil. Bem sei que as universidades de Verão do PSD não ensinam estas coisas, que por lá só se discutem futuros grandiosos e carreiras brilhantes, ouvem-se discursos eloquentes e grita-se "Soares é fixe". E que poucos laranjinhas pensam quando sentem o cheiro do poder. Mas também considero que seria bom que alguém que saiba alguma coisa sobre a miséria, ou que a ela tenha sobrevivido, lhe devia dizer isso. Dar-lhe umas luzes sobre esse tema. E se for um ex-comunista ou um liberal melhor. Quem sabe se Paulo Portas ou Zita Seabra não estarão disponíveis para isso. Pensando bem seriam as pessoas ideais para terem uma conversinha com o primeiro-ministro. Antes que Vítor Gaspar, para compensar o programa de privatizações do Governo e o fiasco da venda do BPN aos patrões angolanos de Mira Amaral, avance com uma proposta de nacionalização da Servilusa. Para depois poder reprivatizá-la. Não convém dar mais ideias a Miguel Relvas. Na miséria e na morte os grupos de trabalho ainda rendem pouco.   

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