segunda-feira, novembro 07, 2011

DIÁRIO IRREGULAR

7 de Novembro de 2011
Caminhamos a passos largos para o Natal. Não são passos tão escorreitos como os que damos para a nossa recuperação económica, que em grande parte depende mais das condições que os mercados externos estejam dispostas a proporcionar-nos do que do servilismo que Vítor Gaspar e Passos Coelho sejam capazes de demonstrar aos senhores da troika. Mas tão ou mais importante do que dar alguns passos para responder às exigências da troika e sanearmos as nossas contas públicas seria bom que também fossemos dando alguns passos, tímidos que fossem, no sentido da recuperação da qualidade da democracia, das nossas instituições, da credibilidade da política e de uma cultura cívica decente. Há quem continue a esforçar-se por isso, é certo, os resultados é que não aparecem. Bem pelo contrário.
Os exemplos que antes nos chegavam de cima eram maus pela sobranceria e pesporrência. E por nos remeterem a uma condição aparentada à de um idiota. Os senhores que passaram agora a marcar a agenda continuam a esbugalhar os olhos quando falam às televisões para nos convencerem da inevitabilidade das suas propostas. Se deixámos de ser tratados como idiotas, passámos agora a ser vistos como parolos aos olhos dos estrangeirados de Bruxelas, de Vancouver ou da Avenida da Liberdade. Mas tão ou mais inevitáveis quanto a falta de sentido das obscenas propostas que vão fazendo ao país, é a depressão permanente que elas contêm, a natureza estouvada que apresentam.
Poderia ser mais do que isso. Lamentavelmente não é. À cegueira sucedeu uma conjugação infeliz de amadorismo, inexperiência e ignorância. De quem se predispôs a assumir o poder em condições particularmente graves e difíceis sem ter consciência da sua impreparação. Ou, numa variante benigna, tendo-a convenceu-se de que os seus dotes oratórios e meia dúzia de grupos de trabalho seriam suficientes para disfarçar a frivolidade das suas ambições, estudar as questões e apresentar soluções pertinentes. 
Os portugueses, os que acreditaram, os que ainda em Junho deram os votos a Passos Coelho e Paulo Portas, e todos os que não lhes tendo dado os votos nem acreditado invadirão as ruas na próxima semana, numa sucessão de greves e manifestações de que já não havia memória desde os tempos do fenecimento cavaquista, não percebem como é possível ter saído José Sócrates e entrar esta colecção de jarras e corifeus que, para além de se dedicar a constituir grupos de trabalho destinados a ocupar os amigos e a estudar os problemas que já deviam estar estudados antes de terem ido a votos, dá continuidade à política de nomeação de afilhados, mistifica concursos públicos e processos de privatização, convida os portugueses a emigrarem como forma de reduzir os números do desemprego e a despesa do Estado, ao mesmo tempo que promove a venda dos computadores “Magalhães” popularizados pelo antecessor. Ver Paulo Portas na Venuezela, dita bolivariana e revolucionária, de braço dado com os homens do demagogo populista Hugo Chavéz – o tal que era amigo do José e agora também é dele, não deixa de ser irónico. Para quem tão duramente criticou os negócios venezuelanos de Sócrates, Portas veio apenas confirmar o que Carvalho da Silva sempre disse: que para a medíocre direita deste país o dinheiro não tem cor nem ideologia e que se for preciso trocar valores por dólares e engolir alguns sapos o seu chefe de fila será o primeiro a fazê-lo, se necessário invocando o interesse nacional. Não tivesse Kadahfi caído e ainda teríamos Paulo Portas a tomar chá numa qualquer tenda beduína com o infeliz facínora de Sirte.
Tudo isto aconteceu num curtíssimo espaço de tempo. Tudo isto aconteceu com o mesmo desplante com que se anunciaram aos portugueses desvios orçamentais de milhares de milhões de euros sem que se identificasse a origem e o responsável por cada um desses desvios. E com o mesmo cinismo com que com o ar mais infeliz do mundo se disse ser inevitável o corte nos subsídios de férias e de Natal e nas pensões de reforma. Ainda ontem Marcelo Rebelo de Sousa perguntava como poderá o País acreditar amanhã num ministro das Finanças que com a mesma candura com que diz não haver margem para introduzir alterações às suas propostas orçamentais se predispõe a negociar com a oposição e a rever uma medida que vale cerca de mil milhões de euros. É a história de Pedro e do lobo repetida por vários ministros, e até pelo próprio primeiro-ministro, em diferentes versões.
Diferentes versões porque estamos na presença de um guião escrito a várias mãos por amadores temerários. Gente que para dar credibilidade ao enredo juntou aos habituais figurões do charlatanismo político e empresarial alguns académicos e ingénuos bem-intencionados, seguidistas míopes e daltónicos por convicção. Enfim, gente em quem os portugueses têm confiado. E que, vê-se, poderão continuar a confiar.
Ainda há quem esteja convencido de que para fazer bom vinho basta juntar uvas, convidar os amigos e passar uma semana na quinta do padrinho a provar as garrafas das colheitas anteriores. Daqui a uns anos, se não for tarde e o Prof. Medina Carreira ainda cá estiver para lhes explicar, os portugueses perceberão qual o custo de terem dado as melhores vindimas aos meninos que levaram os anos entre as minis do bar da faculdade, a ociosidade dos cafés da Avenida de Roma e os contactos na sede do partido para adquirirem, entre outras coisas, a honorabilidade que lhes permitisse ganhar estatuto e poder.
Qualquer homem experiente sabe que não se começa uma casa pelo telhado. Como não se conhecem elites capazes saídas de um aviário. Porque o frango, mesmo de fraque e perfumado, se um dia chegar a galo terá sempre aquele sabor enjoativo a aviário. A vida muda-se. O sabor dos frangos de aviário não. E havendo males que vêm por bem, não há nada como uma boa crise para ajudar o remediado a distinguir os frangos. 

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