quinta-feira, setembro 15, 2011

DIÁRIO IRREGULAR

15 de Setembro

O meu primo JC faria hoje anos. Foi um dos que partiu sem se despedir. Ou fizeram-no partir, nunca cheguei a saber. Já lá vai um ror de anos e continuo a recordá-lo. Com os bons rapazes é assim.

Estive umas semanas sem a comprar e penso que vai voltar a ser assim. A Sábado, na linha de um certo jornalismo sensacionalista e sem conteúdo útil, vem hoje com uma capa na qual colocou a foto de uma mulher sorridente de coco na mão ao lado do título "A vida fantástica dos portugueses que foram para o Brasil". O subtítulo refere que estes portugueses saíram de Portugal "para fugir à crise" (sic) e "agora vivem em casas de luxo em frente à praia e chegam a ganhar o dobro". A senhora da foto é Mónica Penaguião. Só não dizem que a senhora da foto podia viver numa casa de luxo em qualquer parte do mundo, incluindo em Lisboa. Dizer que ela foi para o Brasil para "fugir à crise" é um insulto para aqueles que cá têm de ficar para serem esfolados pelo senhor que confunde aumento de impostos com redução de despesa pública.

Estava uma noite fantástica, a temperatura amena, a casa cheia, em suma, um ambiente fabuloso. Cânticos, muita cor, muita luz, o voo da águia e o verde húmido do relvado. Depois, durante noventa minutos, uma exibição de grande classe. Vale a pena ver as televisões europeias e ouvir os comentários ao golo de Cardozo. Uma obra de arte. E não foi preciso entoar cânticos a insultar o adversário. É assim que naquela casa se recebem as grandes equipas. 

Encontrei ontem o meu amigo JMB no seminário organizado pela DGPJ e o IAPMEI. Fiquei satifeito de poder revê-lo, ainda que apressadamente, e não menos admirado de vê-lo ali. Depois percebi porquê. Disse-me que acabou o exílio. Sorte a dele. O meu continua e não precisei de sair de Portugal.

O director-geral dos impostos veio falar em ética na actuação do fisco, no dever de pagar impostos, com o que eu concordo e aplaudo, e aproveitou para meter uns quadros com barras e curvas a dizer que a carga fiscal das empresas portuguesas está abaixo da média europeia. Do que ele se foi lembrar para justificar o saque. Esqueceu-se de dizer que não temos a Saúde nem a Segurança Social dos suecos ou dos dinamarqueses e que por lá as autoridades não instauram execuções por € 0,19 (dezanove cêntimos) nem tentam cobrar dívidas prescritas. Vá lá que houve alguém que lhe disse que mesmo que a nossa carga fiscal fosse só de 20% e que se todo o dinheiro fosse para pagar os salários na Direcção-Geral dos Impostos ainda assim seria excessiva. Já não tive tempo de lhe perguntar se essa actuação "ética" a que ele se referia englobava aqueles processos entre o fisco e os contribuintes em que os tribunais, o MP e os próprios serviços do fisco já deram razão ao contribuinte e o processo continua em Tribunal porque a jurista que representa a DGI não leu a informação do processo administrativo e ninguém manda nela, continuando o contribuinte a pagar a garantia bancária até que o relator se digne inscrever o processo em tabela no TCA do Sul para resolver de vez um simples problema de aritmética.

O contraste não podia ser maior. Ouvir no mesmo dia Paula Teixeira da Cruz e Álvaro Santos Pereira permite-nos tirar uma rápida conclusão. Ambos podem ser excelentes pessoas e competentes no seu métier. No caso da ministra nunca tive dúvidas disso. Já o mesmo não posso dizer do "Álvaro", embora me possa fiar no seu impressionante currículo. Mas há uma coisa de que eu tenho a certeza: para fazer o que faz com o rigor e a classe com que o faz, Paula Teixeira da Cruz podia ser ministra de qualquer Governo de Portugal. Ele, pelo estilo, só podia ser ministro de Passos Coelho. Ou do Relvas.

Alguém lhe devia ter dito que normalmente as senhoras precedem os cavalheiros e que é melhor cair em graça do que ser engraçado. Não sei se será alguma coisa contagiosa ou apenas uma consequência de lhe ter sido atribuída a pasta da Economia. O outro também era muito afável mas isso não impediu as bojardas. Nem a cena parlamentar dos corninhos.  Ontem também não cheguei a perceber se o homem estava a delirar ou se será sempre assim. Por três vezes o "Álvaro" garantiu que no "final de 2012", "muito em breve", Portugal estará em situação de "retoma". E acrescentou que não só tinha a certeza como acreditava "piamente" (sic) nisso. Ficou gravado. Verdade que não explicou como (também não estava ali para isso), mas oxalá que tenha razão. Se eu cá estiver nessa altura não deixarei de recordá-lo. E, sendo verdade, de dar a mão à palmatória.

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