“Aunque sepa los caminos
yo nunca llegaré a Córdoba” – Federico García Lorca, Canción del Jinete
“Si pudiera yo vivir
De nuevo esta vida
Sin sufrir por amarte
Preferiria morir” – Yasmin Levy
É curiosa a forma como evoluem ao longo dos anos os nossos interesses de viagem. Aquilo que nos impeliu um dia a partir raramente se repete. Ainda quando regressamos ao mesmo lugar onde antes tivemos a sorte de um dia, por umas horas, por um momento, ser felizes.
Percorro a Calle Judíos, entre as paredes brancas que reflectem o azul intenso do céu que as protege, e na esquina com Averroes, pouco antes da sinagoga, dou com a Casa de Sefarad. Nesta altura do ano não há muita gente e é possível percorrer tranquila e pachorrentamente os becos da Judiaria.
Escuto ao fundo um trecho que me é vagamente familiar. A sonoridade de alguns instrumentos transporta-nos para um mundo de onde por vezes temos a sensação de nunca termos saído. O som das flautas, da guitarra mourisca e do alaúde confunde-se com uma referência que leio a Carolina de Michäelis a propósito de uma canção que faz parte da herança musical sefardita e que terá por ela sido referida pela primeira vez ao analisar a sua popularidade na época de Gil Vicente. A forma como durante tantos séculos as culturas cristã, árabe e judaica se cruzaram, conviveram e mesclaram na Península é uma fonte inesgotável de descobertas. E de prazer. Um autor, Salvador-Danieli, em 1863, verificou a inexistência de diferenças “significativas” entre as melodias de Afonso X e as mais antigas composições musicais da tradição andaluza, referindo ser essa uma consequência da “surpreendente analogia” entre as escalas musicais árabes e andaluzas e as do canto gregoriano. Que seria de nós sem a herança do Al-Andalus?
Em Portugal foi 10 de Junho, tempo de praia, de "pontes", de condecorações e recriminações várias. Apercebo-me de que há quem queira ajustar contas com o passado recente, com o que foi julgado em 5 de Junho. Talvez o melhor mesmo é começar por julgar o Otelo, que afinal nunca quis meter os fascistas no Campo Pequeno. E depois também o general que apadrinhou o PRD, e o Guterres que se foi embora e permitiu que o Barroso viesse para depois entregar o desgoverno ao Santana Lopes que permitiu a José Sócrates chegar ao poder. Se formos por esse caminho, com sorte, acabaremos a julgar o D. Sebastião. Se os condecoram a título póstumo, sem que o morto seja ouvido sobre a distinção, talvez também devam poder julgá-los nos mesmos termos.
O “El Dia de Córdoba” é um jornal de fácil leitura, simples e honesto, sem grandes pretensões para além da querer manter informados, e formados, os seus leitores. Nele tem uma coluna um senhor chamado Juan Cano Bueso. É o presidente do Conselho Consultivo da Andaluzia, catedrático de direito constitucional, advogado e político. Não posso deixar de pensar nele depois de saber da “chapelada” ocorrida com os votos das nossas legislativas no Brasil. Ainda há dias, Juan Cano Bueso escreveu um interessantíssimo artigo sobre os perigos da ciberdemocracia, texto que descubro agora estar também acessível na Internet (se fosse no Público não seria possível ter-lhe acesso). As dúvidas sobre a ciberdemocracia continuam a ser muitas. E, como se vê pelo que ele escreve, actuais. Facilitar a participação não pode tornar-se na ausência de participação. Para mim, que gosto de cinema e me preocupo com os valores da democracia e da participação, a ciberdemocracia estará para a democracia como o filme que se vê em casa, no sofá, está para uma boa sala de cinema. A dimensão, o encontro, o ritual, podem ser modernizados, “ciberaprofundados”, mas têm de continuar a fazer parte da essência das regras. Há uns anos não pensava assim, mas perante a contínua erosão da participação considero que também aí não se pode facilitar demasiado. A preguiça não pode passar a fazer parte dos hábitos da democracia. Não deverá ser premiada. Como escreve Cano Bueso, não se pode correr o risco da ciberdemocracia se tornar na tumba da democracia representativa. Já bastam os políticos e os comentadores que diariamente a enterram.
Saber crescer política e democraticamente é um exercício como caminhar pelas ruelas de Córdoba. Tão depressa nos perdemos como logo a seguir nos reencontramos. E retomamos o caminho que se faz caminhando. Todos os dias. Respirar tanto céu enquanto te sinto caminhar a meu lado é uma felicidade. Ou tão-só uma forma de liberdade. Um acto de amor.
yo nunca llegaré a Córdoba” – Federico García Lorca, Canción del Jinete
“Si pudiera yo vivir
De nuevo esta vida
Sin sufrir por amarte
Preferiria morir” – Yasmin Levy
É curiosa a forma como evoluem ao longo dos anos os nossos interesses de viagem. Aquilo que nos impeliu um dia a partir raramente se repete. Ainda quando regressamos ao mesmo lugar onde antes tivemos a sorte de um dia, por umas horas, por um momento, ser felizes.
Percorro a Calle Judíos, entre as paredes brancas que reflectem o azul intenso do céu que as protege, e na esquina com Averroes, pouco antes da sinagoga, dou com a Casa de Sefarad. Nesta altura do ano não há muita gente e é possível percorrer tranquila e pachorrentamente os becos da Judiaria.
Escuto ao fundo um trecho que me é vagamente familiar. A sonoridade de alguns instrumentos transporta-nos para um mundo de onde por vezes temos a sensação de nunca termos saído. O som das flautas, da guitarra mourisca e do alaúde confunde-se com uma referência que leio a Carolina de Michäelis a propósito de uma canção que faz parte da herança musical sefardita e que terá por ela sido referida pela primeira vez ao analisar a sua popularidade na época de Gil Vicente. A forma como durante tantos séculos as culturas cristã, árabe e judaica se cruzaram, conviveram e mesclaram na Península é uma fonte inesgotável de descobertas. E de prazer. Um autor, Salvador-Danieli, em 1863, verificou a inexistência de diferenças “significativas” entre as melodias de Afonso X e as mais antigas composições musicais da tradição andaluza, referindo ser essa uma consequência da “surpreendente analogia” entre as escalas musicais árabes e andaluzas e as do canto gregoriano. Que seria de nós sem a herança do Al-Andalus?
Em Portugal foi 10 de Junho, tempo de praia, de "pontes", de condecorações e recriminações várias. Apercebo-me de que há quem queira ajustar contas com o passado recente, com o que foi julgado em 5 de Junho. Talvez o melhor mesmo é começar por julgar o Otelo, que afinal nunca quis meter os fascistas no Campo Pequeno. E depois também o general que apadrinhou o PRD, e o Guterres que se foi embora e permitiu que o Barroso viesse para depois entregar o desgoverno ao Santana Lopes que permitiu a José Sócrates chegar ao poder. Se formos por esse caminho, com sorte, acabaremos a julgar o D. Sebastião. Se os condecoram a título póstumo, sem que o morto seja ouvido sobre a distinção, talvez também devam poder julgá-los nos mesmos termos.
O “El Dia de Córdoba” é um jornal de fácil leitura, simples e honesto, sem grandes pretensões para além da querer manter informados, e formados, os seus leitores. Nele tem uma coluna um senhor chamado Juan Cano Bueso. É o presidente do Conselho Consultivo da Andaluzia, catedrático de direito constitucional, advogado e político. Não posso deixar de pensar nele depois de saber da “chapelada” ocorrida com os votos das nossas legislativas no Brasil. Ainda há dias, Juan Cano Bueso escreveu um interessantíssimo artigo sobre os perigos da ciberdemocracia, texto que descubro agora estar também acessível na Internet (se fosse no Público não seria possível ter-lhe acesso). As dúvidas sobre a ciberdemocracia continuam a ser muitas. E, como se vê pelo que ele escreve, actuais. Facilitar a participação não pode tornar-se na ausência de participação. Para mim, que gosto de cinema e me preocupo com os valores da democracia e da participação, a ciberdemocracia estará para a democracia como o filme que se vê em casa, no sofá, está para uma boa sala de cinema. A dimensão, o encontro, o ritual, podem ser modernizados, “ciberaprofundados”, mas têm de continuar a fazer parte da essência das regras. Há uns anos não pensava assim, mas perante a contínua erosão da participação considero que também aí não se pode facilitar demasiado. A preguiça não pode passar a fazer parte dos hábitos da democracia. Não deverá ser premiada. Como escreve Cano Bueso, não se pode correr o risco da ciberdemocracia se tornar na tumba da democracia representativa. Já bastam os políticos e os comentadores que diariamente a enterram.
Saber crescer política e democraticamente é um exercício como caminhar pelas ruelas de Córdoba. Tão depressa nos perdemos como logo a seguir nos reencontramos. E retomamos o caminho que se faz caminhando. Todos os dias. Respirar tanto céu enquanto te sinto caminhar a meu lado é uma felicidade. Ou tão-só uma forma de liberdade. Um acto de amor.