Jaime Gama ainda tentou atalhar ao que se seguiu, mas já não foi a tempo. Quis lembrar que o Presidente da República não é o Governo, nem o líder da oposição, e aconselhou uma "magistratura arbitral" e uma "cooperação tranquila". Era tarde. O discurso já estava escrito.
Num remake do seu discurso de vitória em 23 de Janeiro, Cavaco Silva mostrou que além de ser hoje um homem amargo e amargurado, numa perspectiva simpática, é um presidente sem memória. Palavras tardias são palavras fora do tempo, desenquadradas. Palavras sem memória. É mau que assim seja.
Lamento, mas depois de tudo o que se passou no último ano e meio do seu mandato, e da campanha que fez, era previsível que as coisas se passassem desta forma.
Apelar a medidas conjunturais de combate ao desemprego não custa se não se disser quais. Apelar aos jovens e a um sobressalto cívico depois de ter enxameado o país de universidades de vão de escada quando foi primeiro-ministro, instituindo a cultura do salve-se quem puder e se puder tente salvar-se à sombra de um partido com um diploma obtido sabe-se lá como, não é bonito. Falar em reformas depois de ter estado mais de uma década no poder como primeiro-ministro e após cinco anos em Belém, falhando as reformas de que o país nessa altura, como hoje, carecia, deixando-o envolto em sombras, escândalos e entregue aos BMW do bloco central dos interesses que geraram os BPN e BPP da nossa desgraça recente, para vir agora fazer um discurso como o que produziu, deixa antever o pior. Ignorar o que aconteceu em Wall Street, na Irlanda ou na Grécia, revela a existência de uma agenda própria. E falar em transparência do Estado e das instituições é de quem já se esqueceu do caso das escutas, da protecção aos amigos e da falta de esclarecimentos sobre os negócios em que andou metido com Oliveira e Costa e o clã da Coelha. Pagar impostos todos pagamos, mas nem todos o conseguem fazer pelas razões que ele o fez, mesmo que o quisessem.
A um longo silêncio seguiu-se uma ainda mais longa recriminação e a desculpabilização de toda a sua geração. Tanto tempo em silêncio para isto.
Na sua ancestral sabedoria Lao Tse dizia "sincere words are not elegant; elegant words are not sincere".
O discurso de posse do Presidente da República podia ter sido uma coisa ou outra. Mas não foi. O Presidente da República conseguiu ficar a meio caminho entre a verdade e a sinceridade, sendo sempre profundamente deselegante. Era a última coisa que os portugueses necessitava para enfrentar os tempos difíceis que atravessamos. Um Presidente desmemoriado e azedo a trocar os papéis só pode deixar os portugueses mais inquietos. E tristes.