sábado, março 19, 2011

DIÁRIO IRREGULAR

19 de Março

Dia do Pai. Quantos pais terão pai? E quantos terão filhos? E quantos não terão? A nossa sociedade tem dias para todos; menos para os que não conseguiram ser pais. E também para os que quiseram ser filhos e nunca conseguiram sê-lo por não encontrarem pai ou não lhes terem dado oportunidade para isso.

Pego na Ípsilon de ontem. Na capa vem uma mulher alourada de fato de treino vermelho e sapatilhas claras. Olho com mais atenção e vejo que é Catherine Deneuve, protagonista do mais recente filme de François Ozon (“Potiche”). Sempre tive horror à “cultura” do fato de treino. Porque há roupa para todas as ocasiões. Ninguém vai fazer jogging de fraque. Aquelas primeiras imagens da democratização do fato de treino, no pós-25 de Abril, marcaram-me para sempre. Eram famílias inteiras, ao sábado e ao domingo, passeando pela cidade, nos mercados, nas cervejarias, nos cinemas e nos cafés, mais tarde nos centros comerciais. Elas com ar desmazelado; eles barrigudos, de bigode, com o maço de SG, o isqueiro e os Ray Ban da Praça de Espanha. Alguns de sapatos. À frente deles os petizes de bola na mão. Todos de fato de treino. Famílias inteiras. Ao ver agora a diva na capa da Ípsilon, de fato treino, vieram-me à memória essas recordações. Só Deus sabe o quanto amei a Deneuve na minha adolescência. Também amei a Bisset, a Tuner, a Antonelli, a Kaprisky, a Fonda, a Muti, e mais umas quantas que até tenho vergonha de confessar. Mas estas eram mais do tipo “flirt”. Nunca foi como a Deneuve. Não há perdão. A Ípsilon devia ser multada. Uma simples imagem da Deneuve de fato de treino e está tudo estragado. Não se pode transformar impunemente uma deusa numa sopeira de fato de treino. Assim se destrói o sonho de uma vida.

Congresso do CDS, em Viseu. As eleições estão à porta. A ruptura com o PSD é, por agora, total. Nuno Melo fez um excelente discurso, mas no melhor pano cai a nódoa. Diz ele que “o País precisa do PS na oposição”. Foi pena Luís Nobre Guedes ter discursado depois dele. É que ele podia ter recordado a Nuno Melo que da última vez que o PS esteve na oposição o CDS e os seus compinchas do PSD deram cabo de dois Governos em três anos, menos do que o tempo de uma só legislatura, e que seis anos depois continua às voltas com os submarinos, com os sobreiros, com umas histórias por causa do seu próprio financiamento e com as chatices de Abel Pinheiro por causa de uns telefonemas. E ainda por cima, dada a rapidez com que o CDS saiu do Governo, ainda teve de aturar com um líder do PS escolhido à pressa para poder ir a votos, sendo certo que por causa disso temos hoje José Sócrates como primeiro-ministro. No lugar de Nuno Melo eu teria sido mais discreto, mais contido, e jamais me atreveria a pedir com aquela veemência o PS na oposição. E muito menos, como fizeram depois outros congressistas, a falar no estado da justiça, em clientelismo e nas nomeações para a CGD. À boa maneira estalinista, o CDS já apagou dos seus registos a “amiga” Celeste Cardona.

No final da manifestação da CGTP, a RTPN entrevista Jerónimo de Sousa. Começa-se a cantar o hino nacional. A entrevista continua. Ao lado dele um rapaz com o boné do Benfica na cabeça. Continuam a cantar o hino. A entrevista prossegue. Os chapéus não saem das cabeças. Há quem acompanhe o hino com punhos fechados. A entrevista avança. Acabam de cantar o hino. Batem palmas. A entrevista também chega ao fim. Antigamente os homens destapavam a cabeça quando se cantava o hino nacional. Lá fora, nos outros países por onde tenho passado, ainda é assim. Na Tunísia até me obrigaram a sair de dentro da piscina quando o hino começou a tocar no seu dia nacional. Em Portugal, o secretário-geral do PCP permite-se continuar uma entrevista no momento em que à sua volta se canta o hino nacional. Se fosse na ex-URSS ou em Cuba tinha ido dentro.

Leio no Expresso, numa interessante rubrica coordenada por Freitas do Amaral chamada “Países como Nós”, que o crescimento real do nosso PIB entre 2000 e 2009 foi de 5,3% e que o da República Checa foi de 33,6%. A CGTP, Mário Nogueira e Carvalho da Silva deviam ser capazes de explicar a diferença. Ganhando os checos muito menos do que nós a diferença na produtividade não deverá estar nos euros.

Um discursa como se tivesse chegado ontem ao poder. Pode falar verdade que ninguém acredita nele. O outro discursa como se nunca tivesse saído do poder. Pode não dizer uma verdade que todos o que escutam acreditam nele. Talvez por essa razão é que o primeiro tenta conter o descalabro e o segundo se prepara, de novo, para crescer eleitoralmente.

Não sei quem é que disse à Mãe que o António (não disse o nome próprio quando se referiu a ele; aliás nunca diz) “é capaz de vir a liderar o PS”. Nos seus oitenta e dois anos deve ter sido a primeira vez que a vi entusiasmada, apesar de disfarçar, com o que se passava num partido à esquerda do CDS/PP. Há pessoas para quem, depois do Santo António, por uma razão ou por outra, quando pensam no país só acreditam em milagres feitos pela família. Nunca hei-de perceber isto. Mas ela, como boa cristã e centrista, não se comove com as minhas perplexidades e já deve estar a pedir por ele. O Portas que não saiba. Deus podia perdoar-lhe, mas ao fim destes anos todos não acredito que o Portas lhe perdoasse. Há coisas que não se dizem. E muito menos se pensam. Quanto mais pedi-las ao Altíssimo.

[também no Delito de Opinião]